22 dezembro 2012

Selores ... e uma casa



"Selores… e uma casa, título desta despretensiosa publicação, é uma metáfora de uma época que terminou, o antigo mundo rural português. Nestas páginas pretende-se fazer um retrato dessa vida à imagem de uma aldeia no nordeste transmontano do concelho de Carrazeda de Ansiães.
 Selores, vocábulo estranho, por poucos conhecido, é o nome de um povoado, entre centenas, no mundo rural, escondido numa poça do Portugal do interior, interagindo com as povoações vizinhas, sobrevivendo de uma agricultura de subsistência, das relações de dependência com os donos da terra e do trabalho nas quintas do Alto Douro.
Os seus habitantes quase sempre de olhos na terra e no seu sustento, raramente olham o alto para ver um castelo que lhes trouxe proteção, guarida e sonhos de grandeza, mas também temor, obediência e disciplina. Depressa lhe viram as costas porque o trabalho é árduo e só é interrompido pelo repicar do sino para o preceito religioso, convictos de que a fé é essencial para obter o pão para a boca pois creem ser no divino como último garante do sucesso da colheita. A epopeia desta gente do campo é uma labuta intensa, do nascer ao pôr-do-sol, condicionada pelo ciclo das estações e só intervalada para a conversa no adro, a visita à Igreja, a ida à feira e à romaria mais próxima.
Nas frestas que se abriram da noite da história há muito que contar: um celeiro a rimar com sustento, um povoado romano com tesouros por descobrir, uma igreja que foi ninho da cristandade, um negrilho, a semelhança de Torga, “poeta” de todos nós, rostos que porfiaram na introdução de novas culturas agrícolas e aportaram o seu contributo ao desenvolvimento regional e muito mais...
E uma casa no centro da aldeia: bela, misteriosa e desprezada. Uma outra metáfora deste mundo rural, símbolo de um património que abandonamos e esquecemos.
E uma casa a lembrar famílias ilustres, que privou com reis, geriu os destinos do concelho e numa intricada teia de casamentos e relações se tornou dona da vila de Ansiães. Todavia, o tempo esfumou anteriores grandezas e o apagador da democracia nivelou por igual, desvanecendo a sua importância social, que durante décadas foi a base da economia das aldeias.
Quem visita a vila de Carrazeda de Ansiães e se desloca à freguesia, que dela dista seis quilómetros, fica surpreendido ao deparar com esta linda casa solarenga, de invulgar arquitetura, formada por três corpos, a que o mesmo número de pedras de armas lhe dá um aspeto soberbo. É a Casa de Selores, que foi cabeça dum Morgadio instituído em 1616, pelo Bispo do Porto, Frei Gonçalo de Morais. O solar, cuja construção foi iniciada no primeiro quartel do século XVII, encontra-se, nos dias de hoje, em mau estado de conservação, quase em ruinas.
Ao olhar esta velha e misteriosa habitação, o viajante naturalmente propenso às letras não terá dificuldade em engendrar um enredo novelesco. Foi o que Camilo fez ao escrever o romance, “Santo da Montanha”. Numa provável visita à aldeia, construiu uma novela que retrata o declínio da nobreza, entrelaça a paixão e o drama, estabelecendo a bipolaridade da santidade e da maldade presente na personalidade do ser humano, à boa mameira romântica.
Selores… e uma casa é um assunto que nos é querido, seja pelo valor do edifício, seja pela aldeia onde está implantada, nosso ninho e local de múltiplos afetos. A freguesia e a sua anexa Alganhafres formam um belo povoado de caraterísticas rurais transmontanas em que o granito e a paisagem dialogam num encanto surpreendente.
Este propósito de estudo serviu também a uma inventariação de aspetos da sabedoria popular constituído por lendas, orações, cantares, mezinhas, usos e costumes, que temos vindo a recolher há alguns anos e são exemplo da riqueza cultural do mundo rural.
É um olhar a um momento que terminou nas suas diversas valências da cultura popular: as pessoas, as habitações, os trabalhos, o lazer, as crenças, os saberes, os mitos... Porque é preciso recordar, saber quem fomos, para melhor desenhar o sentido para onde queremos ir.

Entre!"
(excerto do introito)
 O livro pode ser adquirido nas Papelarias Horizonte e Nunes.

2 comentários:

Abcdesporto disse...

Prof José Mesquita:
Os meus parabéns por mais uma magnífica obra.
Que Deus lhe continue a dar essa dádiva da escrita.

Votos de boas entradas em 2013, nomeadamente com muita saúde, porque o resto, vem por acréscimo.

Abcdesporto/C.Fernandes

Anónimo disse...

Que bom que à pessoas que nao se esquecem da nossa aldeia.gostei muito parabens.Marisa pereira