"Selores… e uma casa, título
desta despretensiosa publicação, é uma metáfora de uma época que terminou, o
antigo mundo rural português. Nestas páginas pretende-se fazer um retrato dessa
vida à imagem de uma aldeia no nordeste transmontano do concelho de Carrazeda
de Ansiães.
Selores, vocábulo estranho, por poucos
conhecido, é o nome de um povoado, entre centenas, no mundo rural, escondido
numa poça do Portugal do interior, interagindo com as povoações vizinhas, sobrevivendo
de uma agricultura de subsistência, das relações de dependência com os donos da
terra e do trabalho nas quintas do Alto Douro.
Os seus habitantes quase
sempre de olhos na terra e no seu sustento, raramente olham o alto para ver um
castelo que lhes trouxe proteção, guarida e sonhos de grandeza, mas também temor,
obediência e disciplina. Depressa lhe viram as costas porque o trabalho é árduo
e só é interrompido pelo repicar do sino para o preceito religioso, convictos
de que a fé é essencial para obter o pão para a boca pois creem ser no divino como
último garante do sucesso da colheita. A epopeia desta gente do campo é uma
labuta intensa, do nascer ao pôr-do-sol, condicionada pelo ciclo das estações e
só intervalada para a conversa no adro, a visita à Igreja, a ida à feira e à
romaria mais próxima.
Nas frestas que se abriram
da noite da história há muito que contar: um celeiro a rimar com sustento, um
povoado romano com tesouros por descobrir, uma igreja que foi ninho da
cristandade, um negrilho, a semelhança de Torga, “poeta” de todos nós, rostos
que porfiaram na introdução de novas culturas agrícolas e aportaram o seu
contributo ao desenvolvimento regional e muito mais...
E uma casa no centro da
aldeia: bela, misteriosa e desprezada. Uma outra metáfora deste mundo rural,
símbolo de um património que abandonamos e esquecemos.
E uma casa a lembrar
famílias ilustres, que privou com reis, geriu os destinos do concelho e numa
intricada teia de casamentos e relações se tornou dona da vila de Ansiães. Todavia,
o tempo esfumou anteriores grandezas e o apagador da democracia nivelou por
igual, desvanecendo a sua importância social, que durante décadas foi a base da
economia das aldeias.
Quem visita a vila de
Carrazeda de Ansiães e se desloca à freguesia, que dela dista seis quilómetros,
fica surpreendido ao deparar com esta linda casa solarenga, de invulgar
arquitetura, formada por três corpos, a que o mesmo número de pedras de armas
lhe dá um aspeto soberbo. É a Casa de Selores, que foi cabeça dum Morgadio
instituído em 1616, pelo Bispo do Porto, Frei Gonçalo de Morais. O solar, cuja
construção foi iniciada no primeiro quartel do século XVII, encontra-se, nos
dias de hoje, em mau estado de conservação, quase em ruinas.
Ao olhar esta velha e
misteriosa habitação, o viajante naturalmente propenso às letras não terá
dificuldade em engendrar um enredo novelesco. Foi o que Camilo fez ao escrever o
romance, “Santo da Montanha”. Numa provável visita à aldeia, construiu uma
novela que retrata o declínio da nobreza, entrelaça a paixão e o drama,
estabelecendo a bipolaridade da santidade e da maldade presente na
personalidade do ser humano, à boa mameira romântica.
Selores… e uma casa é um assunto
que nos é querido, seja pelo valor do edifício, seja pela aldeia onde está
implantada, nosso ninho e local de múltiplos afetos. A freguesia e a sua anexa
Alganhafres formam um belo povoado de caraterísticas rurais transmontanas em
que o granito e a paisagem dialogam num encanto surpreendente.
Este propósito de estudo
serviu também a uma inventariação de aspetos da sabedoria popular constituído
por lendas, orações, cantares, mezinhas, usos e costumes, que temos vindo a recolher
há alguns anos e são exemplo da riqueza cultural do mundo rural.
É um olhar a um momento que
terminou nas suas diversas valências da cultura popular: as pessoas, as
habitações, os trabalhos, o lazer, as crenças, os saberes, os mitos... Porque é
preciso recordar, saber quem fomos, para melhor desenhar o sentido para onde
queremos ir.
Entre!"
(excerto do introito)
(excerto do introito)
O livro pode ser adquirido nas Papelarias Horizonte e Nunes.
2 comentários:
Prof José Mesquita:
Os meus parabéns por mais uma magnífica obra.
Que Deus lhe continue a dar essa dádiva da escrita.
Votos de boas entradas em 2013, nomeadamente com muita saúde, porque o resto, vem por acréscimo.
Abcdesporto/C.Fernandes
Que bom que à pessoas que nao se esquecem da nossa aldeia.gostei muito parabens.Marisa pereira
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