Fui-me ao Coliseu ver o maestro Cesário Costa dirigir a Orquestra Metropolitana de Lisboa, nos célebres concertos Promenade. O programa incluía a abertura da ópera de Mozart Così Fan Tutte, apresentada pela d.ra Teresa Patrício Gouveia, ex-mulher de Alexandre O' Neill, que destacou a história — e aí lembrei de João Lopes de Matos —, no que Don Alfonso, _ venerável personagem, relativizava a natureza humana, após os jogos de troca de casais a que se entregaram dois jovens amadores, os quais acreditavam no absoluto que lhes devotavam suas amadas, terem concluído pela volubilidade feminina...
Mas o centro do Concerto era a obra do jovem compositor Luís Tinoco, musicando 'Os três contos fantásticos' do Monty Phyton Terry Jones, apresentados por Bárbara Guimarães e lidos pelo actor João Reis, nesta sociedade mediática conhecido como o 'marido de Catarina Furtado'.
O primeiro conto era numa ''Estrada Rápida'' que nos levava onde quiséssemos ir, muito mais depressa do que qualquer outra. Mas agradava tanto às gentes a ideia de irem para qualquer lado que frequentemente nela entravam antes de terem decidido onde. Então, acontecia-lhes começarem a andar. Por momentos, parecia que numa qualquer estrada vulgar, mas quando se avançava um pouco mais, via-se a paisagem _ passar como se fôramos, correndo — embora aí apenas continuássemos a andar. No momento seguinte, a paisagem acelerava, e já íamos a galope, se mal dávamos por nós, a cavalo!, _ _ _ _ _ só uma mancha de cada lado, enquanto o mundo desaparecia à velocidade de um relâmpago, mais, tão mais depressa _ _ que a vista podia alcançar... E, se não sabíamos onde, aquilo limitava-se a ir cada vez mais depressa. Até que... de repente... Parava!, e a personagem central, uma rapariga chamada Papoila, que não fazia _ menor ideia _ _ _ _ onde ia, representada por João Reis, como uma flor abanada, revolteada pelo vento... Eis o que via, quando a brisa serenava:
— Nada à direita. Nada à esquerda. Nada em frente. Nada... Como quem diz: salvo tanta gente vagueando, completamente perdida. Mas depois aconteceram-lhe várias coisas: entrar num edifício, só com exterior; pôr-se ao lado de alguém (alguém que fosse mesmo alguém) a a(d)m(ir)ar(em) uma pedra, até que regressou a casa... Fim do caminho: a velha limpeza. Nessa ''Estrada'', passei rapidamente por muitos momentos, rebobinando a fita, em preparação de meu livro Memórias de Ansiães, vol. 2., ouvindo no carro ''O anarquista Duval'', anarquista ilegalista, e aquela passagem da Mão Morta, onde o poeta, sublinhado provocador, ‹‹semeava o caos e a destruição como o vento semeava as papoilas››..., quando me deixava guiar pelo alto Antoninho Martins, pelos campos, a comer poeticamente das azedas e dos farinhatos... Como a estrada da Vida é rápida — se já estou aqui!
O segundo conto era muito curto. Chamava-se 'Três pingos de chuva', falando entre si, discutindo qual era o melhor... ‹‹Se eu, porque sou maior; se eu, porque tenho a forma mais bonita; ou eu, porque sou mais puro››. Curiosamente, a sua concentração fez-me recordar muitas coisas, inclusive uma vez que levei, de Carrazeda ao Pombal, uma das pessoas mais empolgantes do concelho: o meu bom amigo, de múltiplas leituras, Telmo Pereira. Ele estava indignado porque um familiar lhe revelara a (in)existência de VIP's na Carrazeda... Dizia-me ele
— Lembras do tio Patinhas e do Pato Donald?
— Não me vais falar da Margarida... (Risos.)
— Não. Quero falar-te dos irmãos Metralha.
— Não percebo. Andas a ler muitos comics ... Então, o gang do Metralha é que contém os vip's — e não quem vê _ sua obra feita?
— Não. Bebem num tempo anterior à Revolução Francesa, onde o sangue azul explicava todas as diferenças. Como nesse tempo da velha nobreza, pouco-nada fazem, mas roubam... As emoções dos outros. E nas costas desses outros (mesmo dos que fazem parte dos irmãos Metralha), riem. — Como riem dos irmãos (então, quando estes fazem alguma coisa, bebem, comem, mordem, falam, até esventrarem completamente essa pouca coisa que os outros fizeram)!
— Dos pobres de espírito é o reino dos céus..
— Bebe mais uma taça, se dizem, e riem.... Entre o passado e o futuro, sem presente: ‹‹Eu fui,
Não eu é que Eu podia ter sido,
Não, não, se eu quisesse Eu é que teria››, ou seja, os 'Três pingos de chuva' contam-se o sonho e a fantasia, transformado em pequena anedota...
— Não te apoquentes, Telmo, disse: ou estás mesmo a atestar a existência de very important people, por aqui! E não sei se citei, mas devia, de Alexandre O' Neill:
Sei muito bem que a biografia
explica muita coisa (até a azia)!
O terceiro conto 'Tomás e o Dinossauro', que nunca tal ouvi: um Estegossáurio, herbívoro, a derrotar um Tiranossauro-Rex... E pensei que se fosse um-qualquer senhor Laranja ficaria 1.000 x mais contente tendo por ‹‹inimigo›› o bom Estegossáurio, professor Hélder de Carvalho, que apenas oferece em sua ficção um espelho a quem o queira usar, do que com alguns ‹‹amigos›› T- Rex (não é o Milton Morais que fala em snipers na net?), que se vergam à nossa presença, todos-salamaleques, e a quem depois também cobrimos de benesses e honrarias, de favor, mas que pela noite nos conjuram, com a mais baixa intriga digital... Para esses, ainda de Alexandre O' Neill, um dos poucos que mudou a língua (antes dele, pomposa, rural), como viu Pulido Valente, ‹‹transpondo a linguagem coloquial para uma linguagem poética››:
A poesia é a vida?
Conforme a vida que se tem o verso vem
vitorino almeida ventura
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