Excerto da minha intervenção no Encontro com as Letras no Pombal de Ansiães
(...)
Manifesto a
satisfação deste encontro se realizar neste festival de artes. O FARPA é um
caso único do país: uma singela aldeia, teima anualmente oferecer um cardápio
de eventos que passam pelo teatro, a música popular e erudita, as artes
plásticas, a literatura, a animação de rua, o desporto… O FARPA nasce do
trabalho associativo, que conseguiu uma práxis cultural metódica e
perseverante, em que a atividade dramática de produção própria, entre outras,
foi sempre a argamassa e o traço de união de uma comunidade que produziu uma
obra física, o salão e alicerçou nos pombalenses laços inquebráveis de “união,
igualdade e fraternidade”.
Pombal é um topónimo
derivado de “pomba” representativa do Espírito Santo. O seu culto é um dos mais
antigos do mundo cristão. (...) É
com o espírito que atingimos a verdadeira dimensão humana.
O culto do
espírito atravessa todas as gerações e é teorizado pela primeira vez por
Joaquim Fiore no século XII. O abade de Cister e particularmente os seus
seguidores, “os espirituais”, divulgaram a doutrina de que todas as coisas eram
dividas em tríades a partir da Trindade Divina. A primeira tríade era a dos
homens, divididos em três classes: casados vivendo sob o Pai; clérigos cujo
patrono era o Filho; e os mais venturosos e perto da perfeição seriam os monges
que viveriam sob o Espírito Santo. A segunda tríade era a das doutrinas e
dividia-se em três épocas: a primeira foi a do Pai que corresponderia à do
Antigo Testamento caracterizada pelo temor a Deus e tempo dos patriarcas; a
segunda foi a do Filho correspondendo ao Novo Testamento e caracterizada pela
evangelização e pelos sacerdotes; a terceira e última época será a do Espírito
Santo ou Paracleto, caracterizada pelo domínio do espírito em que os homens se
amarão e viverão em perfeita harmonia governados por um Papa Angélico ou um
Imperador Virtuoso, que antecederá o fim dos tempos e a última vinda de Jesus
Cristo. (...)
Os
descobrimentos portugueses seriam a tentativa de realizar na terra esta
terceira idade sob a celebração do Espírito Santo que na conceção do padre
António Vieira daria lugar ao quinto e último império (depois do assírio, do egípcio, do
persa e do romano). Consistiria na conversão universal, o advento da última
vinda de Cristo à terra, o último dos tempos do mundo, protagonizado pelos
portugueses, o povo eleito, governariam o mundo em grande progresso e concórdia
sob a liderança do ressuscitado D. João IV ou dos seus sucessores.
Em Fernando
Pessoa vamos encontrar esta ideia em formas distintas, pois o que ele
prognostica é metafórico e de matiz imaterial. Na “Mensagem” ele exprime
poeticamente a sua visão mítica e nacionalista de Portugal prefigurando um
ressurgimento da cultura e do pensar lusíada como baluarte a defender e a
divulgar: “... Grécia, Roma, Cristandade, / Europa – os quatro se vão / Para
onde vai toda a idade / Quem vem viver a verdade / / Que morreu D. Sebastião?
(Quinto Império da Mensagem)...
Agostinho da
Silva transporta esta tese para os tempos atuais e dirá: “estamos no limiar
daquela idade de que profetizou o bom abade Joaquim”. O culto popular do
Espírito Santo nos Açores, Tomar, Sintra e muitos outros locais, como o caso de
Pombal de Ansiães são a prova de que há vontade, no mínimo inconsciente de
aspirar a esta utopia. Nos Açores é instalada uma criança como Imperador do
Mundo. A criança pura, sem o estigma da maldade, representa o modelo do homem a
que se aspira, o padrão daquilo que se deve fazer, “eles só coravam “imperador
do mundo aqueles que tinham escapado à educação. E “a educação não terá nenhuma
outra tarefa senão a de deixar que a bondade inicial esplenda e seja”, eis o
ponto de partida para a construção de um mundo melhor.
Mas voltamos
ao Pombal. As lendas sobre mouras encantadas e os topónimos de Castelejo e
Castelo dos Mouros dão indicações sobre a sua antiguidade e importância. A
lenda da ORDEM DE MARIZ fundada espiritualmente em SÃO LOURENÇO DE ANSIÃES pelo
criador da identidade portuguesa, o primeiro rei D. Afonso Henriques. O facto
extraordinário e mágico que ela aporta, direciona-nos para a génese, ou melhor
a unção pelo ritual e pelo sagrado de um novo povo eleito, que dará novos
mundos ao mundo, criador de um novo e último império.
(...)
E aqui que
chegamos, deprimidos e em crise, num intervalo de uma breve era de prosperidade
e novamente a sonhar com a Índia e o Brasil. Creio que o vasto património
cultural edificado, mas também de saberes que está escrito no nosso código
genético não pode morrer porque aí está a essência do V império para construir
uma sociedade melhor, mais justa e igualitária. Termino citando Pessoa:
Ó Portugal, hoje és nevoeiro... / É a Hora!
(Nevoeiro da Mensagem).
Pombal de
Ansiães, 5/08/2013
(Todo o texto aqui)
2 comentários:
bendita a patria que tão valorosos filhos tem
muito bom cardápio! parabéns ao padre Bernardo!
Enviar um comentário