06 agosto 2013

Encontro com as letras



Excerto da minha intervenção no Encontro com as Letras no Pombal de Ansiães

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Manifesto a satisfação deste encontro se realizar neste festival de artes. O FARPA é um caso único do país: uma singela aldeia, teima anualmente oferecer um cardápio de eventos que passam pelo teatro, a música popular e erudita, as artes plásticas, a literatura, a animação de rua, o desporto… O FARPA nasce do trabalho associativo, que conseguiu uma práxis cultural metódica e perseverante, em que a atividade dramática de produção própria, entre outras, foi sempre a argamassa e o traço de união de uma comunidade que produziu uma obra física, o salão e alicerçou nos pombalenses laços inquebráveis de “união, igualdade e fraternidade”.

Pombal é um topónimo derivado de “pomba” representativa do Espírito Santo. O seu culto é um dos mais antigos do mundo cristão. (...) É com o espírito que atingimos a verdadeira dimensão humana.
O culto do espírito atravessa todas as gerações e é teorizado pela primeira vez por Joaquim Fiore no século XII. O abade de Cister e particularmente os seus seguidores, “os espirituais”, divulgaram a doutrina de que todas as coisas eram dividas em tríades a partir da Trindade Divina. A primeira tríade era a dos homens, divididos em três classes: casados vivendo sob o Pai; clérigos cujo patrono era o Filho; e os mais venturosos e perto da perfeição seriam os monges que viveriam sob o Espírito Santo. A segunda tríade era a das doutrinas e dividia-se em três épocas: a primeira foi a do Pai que corresponderia à do Antigo Testamento caracterizada pelo temor a Deus e tempo dos patriarcas; a segunda foi a do Filho correspondendo ao Novo Testamento e caracterizada pela evangelização e pelos sacerdotes; a terceira e última época será a do Espírito Santo ou Paracleto, caracterizada pelo domínio do espírito em que os homens se amarão e viverão em perfeita harmonia governados por um Papa Angélico ou um Imperador Virtuoso, que antecederá o fim dos tempos e a última vinda de Jesus Cristo. (...)

Os descobrimentos portugueses seriam a tentativa de realizar na terra esta terceira idade sob a celebração do Espírito Santo que na conceção do padre António Vieira daria lugar ao quinto e último império (depois do assírio, do egípcio, do persa e do romano). Consistiria na conversão universal, o advento da última vinda de Cristo à terra, o último dos tempos do mundo, protagonizado pelos portugueses, o povo eleito, governariam o mundo em grande progresso e concórdia sob a liderança do ressuscitado D. João IV ou dos seus sucessores.
Em Fernando Pessoa vamos encontrar esta ideia em formas distintas, pois o que ele prognostica é metafórico e de matiz imaterial. Na “Mensagem” ele exprime poeticamente a sua visão mítica e nacionalista de Portugal prefigurando um ressurgimento da cultura e do pensar lusíada como baluarte a defender e a divulgar: “... Grécia, Roma, Cristandade, / Europa – os quatro se vão / Para onde vai toda a idade / Quem vem viver a verdade / / Que morreu D. Sebastião? (Quinto Império da Mensagem)...
Agostinho da Silva transporta esta tese para os tempos atuais e dirá: “estamos no limiar daquela idade de que profetizou o bom abade Joaquim”. O culto popular do Espírito Santo nos Açores, Tomar, Sintra e muitos outros locais, como o caso de Pombal de Ansiães são a prova de que há vontade, no mínimo inconsciente de aspirar a esta utopia. Nos Açores é instalada uma criança como Imperador do Mundo. A criança pura, sem o estigma da maldade, representa o modelo do homem a que se aspira, o padrão daquilo que se deve fazer, “eles só coravam “imperador do mundo aqueles que tinham escapado à educação. E “a educação não terá nenhuma outra tarefa senão a de deixar que a bondade inicial esplenda e seja”, eis o ponto de partida para a construção de um mundo melhor.
Mas voltamos ao Pombal. As lendas sobre mouras encantadas e os topónimos de Castelejo e Castelo dos Mouros dão indicações sobre a sua antiguidade e importância. A lenda da ORDEM DE MARIZ fundada espiritualmente em SÃO LOURENÇO DE ANSIÃES pelo criador da identidade portuguesa, o primeiro rei D. Afonso Henriques. O facto extraordinário e mágico que ela aporta, direciona-nos para a génese, ou melhor a unção pelo ritual e pelo sagrado de um novo povo eleito, que dará novos mundos ao mundo, criador de um novo e último império.

(...)


E aqui que chegamos, deprimidos e em crise, num intervalo de uma breve era de prosperidade e novamente a sonhar com a Índia e o Brasil. Creio que o vasto património cultural edificado, mas também de saberes que está escrito no nosso código genético não pode morrer porque aí está a essência do V império para construir uma sociedade melhor, mais justa e igualitária. Termino citando Pessoa:
 Ó Portugal, hoje és nevoeiro... / É a Hora! (Nevoeiro da Mensagem).
Pombal de Ansiães, 5/08/2013

(Todo o texto aqui)


2 comentários:

Anónimo disse...

bendita a patria que tão valorosos filhos tem


Anónimo disse...

muito bom cardápio! parabéns ao padre Bernardo!