15 março 2015

A Fraga do Cachão da Rapa



As pinturas rupestres da Fraga do Cachão da Rapa nos termos de Ribalonga e Linhares são uma das provas da antiguidade do povoamento nas terras de Ansiães.
O acesso à Fraga do Cachão da Rapa, popularmente conhecida por “Curral das Letras”, faz-se pelo lugar do Zimbro, descendo o caminho em terra batida, mas acessível para qualquer veículo motorizado, até à estação de caminho-de-ferro com o mesmo nome. Aí, segue-se pela linha do comboio de ferro até ao túnel da mesma linha (km 142,2 da linha do Douro) a pouco mais de 2 km da estação do Tua (não deve esquecer-se que o trânsito na linha é proibido). O acesso, por ser difícil, tem contribuído para a conservação das pinturas. As pinturas encontram-se num penedo granítico sobranceiro ao rio Douro. Um outro acesso é procurar o sítio das Ferraduras, na eira da Codeceira, percurso que se faz facilmente de jipe e descer pelas fragas até ao local, tendo como referência o túnel referido.
 As pinturas são constituídas por um conjunto de cerca de três dezenas de figuras megalíticas elaboradas com formas geométricas, quadrangulares com o interior seccionado em xadrez. São encimadas por dois traços vermelhos. Existem ainda motivos quadrangulares mostrando o interior segmentado de forma oval ou circular. Foram usados o vermelho cor de vinho e o azul-escuro, quase negro.
Muitos autores que têm incluído nos seus trabalhos referências e estudos sobre as pinturas: De entre eles, Ribeiro Sanches refere que as pinturas da fraga estão associadas a um pequeno povoado que se encontrava por cima, em pequenos socalcos encaixados na rocha, que se manteria principalmente à custa da pesca. Porém a primeira nova data de 1706, em que o Padre António Carvalho da Costa dá a primeira notícia escrita sobre as pinturas:
“Junto ao Douro neste sitio aspero, aonde chamão as Letras, està huma grande lage com certas pinturas de negro, & vermelho escuro quasi emfórma de xadres, em dous quadros com certos riscos, & sinaes mal formados, que de tempo imemorial se conservão neste penhasco (…): os naturaes dizem, que estas pinturas se envelhecem humas, & se renovão outras, & que guarda esta pedra algum encantamento: porque querendo por vezes algumas pessoas examinar a cova, que se occulta debaixo, forão dentro mal tratadas, sem ver de quem”.
Este excerto demonstra que os naturais da região chamavam já às pinturas rupestres “letras”. De facto na toponímia de sítios com arte rupestre surgem muitas vezes denominações como Pedra das Letras ou Pedra Escritas. O envelhecimento e a renovação supracitados deve-se à exposição à luz, e todos aqueles que as visitam vêm-nas sempre de maneira diferente dependendo do momento do dia e da estação do ano. O mesmo texto revela ainda uma superstição relativa às pinturas, acreditando os populares que a pedra teria “algum encantamento”. Eis um deles:
Ao fundo deste penedo havia uma entrada para uma gruta, cujo centro ainda ninguém se atreveu a investigar. Num relatório que António de Sousa Pinto e o reitor João Pinto de Moraes, mandaram à Academia Real das Ciências, consta que “querendo um clerigo de Linhares examinal-a, sahiu d’ella mudo, não tornando a recobrar a falla, e nem por escripto disse o que lá dentro viu. Já se não vê a tal gruta, mas vê-se o sitio onde, pelos annos 1705, entraram uns desconhecidos, com picões, alavancas e outros instrumentos, e convidando operarios do logar de Nogarêllo (aos quaes pagaram generosamente) para os ajudar, romperam a gruta, e consta que levaram uma grande cruz de prata e outros objectos de valor. Diz-se que no verão mana das fendas d’este rochedo um betume, semelhante a petroleo. Ao fundo do penedo, da parte que olha para o Douro, existe um portal, que parece obra da natureza, e dá entrada para uma grande sala, com assentos em redor, e no meio uma grande meza, tudo de pedra. N’esta sala ha uma porta, que provavelmente conduz a outras interiores, que ninguem tem querido examinar. Consta que o padre Domingos Mendes, na manhã de S. João, do anno de 1678, com sobrepeliz e estola, pretendeu penetrar n’estas concavidades, em busca de thesouros encantados; mas que, entrando na segunda sala, sentiu um cheiro tão pestilente, e teve tal medo, que fugiu tremendo, e ficou mentecapto o resto dos seus dias, que foram poucos. Também se diz que pouco depois de sahir d’este antro, lhe cahiram todos os dentes.

No que se refere à publicação de desenhos de arte rupestre, o exemplo mais antigo conhecido até hoje surge em 1734, ficando a dever-se a Jerónimo Contador de Argote, e são relativo a estas pinturas. Trata-se evidentemente de uma reprodução efetuada ao gosto da época, impregnada de um estilo barroco que se visualiza, por exemplo, nos anjos que seguram o painel com as pinturas.

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