25 abril 2013

O VALOR DAS NEUROCIÊNCIAS: João Lopes de Matos



Muito do que escrevo não corresponde ,necessariamente, àquilo que penso. Quantas vezes, as minhas proposições são, não afirmativas, mas interpeladoras. Falo em realidades que dou como assentes mas que são no meu cérebro muito dubitativas. Tudo tendo em vista o chamamento dos outros a tomarem posição.
Normalmente o que escrevo neste blogue é, sobretudo, comentado por duas pessoas de nível muito acima da média, que me põem a cabeça em água(Carlos Fiúza e Fernando Gouveia). E têm em comum dominarem bem aspectos filosóficos, políticos, económicos, históricos, filológicos(entre outros) dos problemas.
Muito é aquilo que me separa deles: menores conhecimentos meus, explanação mais imperfeita, lógica e racionalidade menos assertivas, experiência de vida mais limitada.
Para além disso, em que eles me levam indubitavelmente a palma, parece-me discernir entre mim e os dois uma diferença, algo significativa, de perspectiva: eles acreditam mais que eu no livre arbítrio.
Mesmo à luz da influência da existência de Deus me parece que nós quase apenas nos limitamos a cumprir a vontade de Deus. Até nas orações estamos sempre a pedir que se faça a vontade do Senhor, o que me parece um contra-senso porque não há resistência possível ao querer de Deus.  Nunca queremos que se faça a nossa vontade mas a vontade de Deus. Mesmo Cristo, que era o próprio Senhor, aceitou que se fizesse a vontade dEste.
Numa visão de crença num Deus, parece-me não haver grande dúvida de que a nossa vontade pouco conta.
Mesmo ainda nesta visão, podemos pensar que o trabalho do Criador consistiu em formar o mundo submetido às leis da natureza e deixou que estas regulassem tudo, não havendo da parte dEle qualquer interferência posterior.
Nesta perspectiva e na de que tudo é governado pelas leis da natureza,de criação ao longo dos tempos por transformação da matéria e não por intervenção divina, tudo, mas tudo, estará sujeito às leis da natureza e se nós queremos saber como as coisas funcionam e quais as relações de causa-efeito temos de descobrir essas leis.
No que diz respeito ao homem, têm especial relevância as leis a cuja descoberta se dedicam as neurociências e que são aquelas que regulam o funcionamento do cérebro e de todo o sistema nervoso central.
Se queremos saber algo sobre tudo o que se situa na nossa parte mais nobre, o que fica dentro da caixa craniana, então temos que situar lá as diversas funções(atenção, memória, vontade, inteligência, visão, audição)para saber como o cérebro no-las propicia. E até a nossa margem de manobra em todos esses domínios nos há-de ser explicado pelo estudo cerebral, inclusive, se temos e em que medida livre-arbítrio.
E sendo a matéria desigual em cada um de nós, não vejo que as várias funções possam ser iguais em todos. E com certeza que acontecerão muitas anomalias como: excesso e défice de vontade, excesso e défice de visão, excesso e défice de atenção, excesso e défice de memória, excesso e défice de inteligência.
Mesmo aquilo que está na base duma avaliação das situações, para poderem ser devidamente resolvidas, situa-se na parte frontal e, estando esta afectada, a decisão será irremediavelmente ferida de defeitos vários.
A questão de saber se temos livre-arbítrio será resolvida,pois, em primeiro lugar, pelo estudo da capacidade propiciada pelo cérebro nesse sentido. Não é um problema que se possa resolver em abstracto.
Parece-me, se não me engano, que será isto que nos distingue. Preside à solução da questão da liberdade um estudo científico e não considerações de índole lógica ou filosófica.
Não sei como a natureza nos permite alguma liberdade mas parece-me que, quase por milagre, ela existe. É ,aproveitando essa benesse da natureza, que poderemos pôr em prática o que eu explano sobre o livre pensamento.
João Lopes de Matos

2 comentários:

Anónimo disse...


Belíssimo texto, JLM.
Vai-me ser difícil repontar, mas aqui vai:

LIBERDADE OU DETERMINISMO?

O ANIMAL, pelo instinto, tende para o fim sem o conhecer.
Neste sentido, instinto é uma força ou tendência inata e específica que leva o animal à prática de certos atos úteis a si próprio e à espécie, sem que lhes "conheça" o fim ou a conveniência.

O HOMEM, pelo contrário, possui um poder superior - a INTELIGÊNCIA, mediante a qual conhece não só o fim para que tende, como também os meios adequados para o conseguir.

Em face do universo, o HOMEM afirma-se como que um "EU", e isto porque...

- CONHECE QUE EXISTE;
- PORQUE EXISTE;
- PARA QUE EXISTE!

A esta unidade, constituída por todos os factos psíquicos e atestada pela introspeção, dá-se em Psicologia, o nome de PERSONALIDADE.

Se examinarmos uma pessoa, ela aparece-nos como um indivíduo mas, assim, não atingimos ainda o que a pessoa tem de próprio e característico, pois indivíduos são também as plantas e os animais e ninguém lhes atribui personalidade.

A diferença está em que lhes falta a "consciência reflexiva" ou a RAZÃO, pela qual possam tomar conhecimento de si mesmos e conhecerem-se como um todo uno e individual.

É de facto pela dignidade de seres racionais que ultrapassamos o reino dos indivíduos e das coisas para nos elevarmos a uma existência singular no Universo.

Os indivíduos infra-humanos têm como fim servirem de meio; ao contrário, a pessoa possui um destino que é exclusivamente seu e sente capacidade para o prosseguir, exigindo o que para tal é indispensável:
- Ser um sujeito de DIREITOS;
- Ser um sujeito LIVRE!

Neste sentido, SER LIVRE é PODER FAZER.

A existência da liberdade no homem verifica-se pela análise introspetiva do ato voluntário, nas suas diferentes fases:

Enquanto DELIBERAMOS,

- Temos plena consciência de que aquele atos dos quais refletimos, não nos arrastam, necessariamente, para serem eleitos;
- Temos consciência de poder dominar os motivos e os móbeis que nos solicitam, abreviar ou prolongar o exame, fomentar ou não a decisão.

Quando pomos fim à deliberação e nos DECIDIMOS a eleger uma parte da alternativa, temos plena consciência de o fazermos unicamente porque queremos e não porque a isso fomos arrastados irresistivelmente pelo objeto.
Estamos plenamente conscientes de escolher, entre os dois atos um, mas de maneira que pudéssemos eleger também o outro, se quiséssemos.

Durante a EXECUÇÃO, a consciência atesta-nos que podíamos voltar atrás, anular a decisão e recomeçar a deliberação.

A LIBERDADE é, assim, também, o fundamento necessário da ordem moral e, por via disso, indispensável para o homem poder levar uma vida digna de si e da sociedade humana.

Com efeito, negada a liberdade, deixam de existir ações moralmente boas ou más, deixa de existir a obrigação e o direito, a responsabilidade e a sanção e, por conseguinte, o motivo para evitar as ações más e o estímulo das boas, isto é, deixa de existir toda a vida moral.

De facto, a moral exprime o dever de ser do homem em relação ao seu fim último.

Ora a imposição de um dever supõe a possibilidade de se poder ser diferente daquilo que se deve ser, isto é, supõe LIBERDADE.

Mas é pela INTELIGÊNCIA que a pessoa se conhece como algo de superior a todos os restantes seres do universo; que tem uma função nobre a cumprir...


Carlos Fiúza

PS:
Os elogios de JLM são desnecessários.
Já nos conhecemos o suficiente para sabermos que estamos em campos opostos (pelo menos a maior parte das vezes).
Mas não seja modesto: é sempre salutar discutir ideias consigo (sobretudo no que diz respeito às neuro-ciências, que também admiro).

Fernando Gouveia disse...

Meu caro JLM:
É sempre um prazer ler as suas reflexões. E acho que a sua modéstia o leva a sobrevalorar as réplicas que, de vez em quando, aqui escrevo. Sinto-me lisongeado por me ter posto no nível do Carlos, que não conheço pessoalmente, mas cujos escritos me têm deliciado. Não sou assim tão culto e informado para que se sinta em desvantagem relativamente a mim. Eu próprio analizo-me como alguém que tem procurado ser eclético sem ser profundo, ou seja, interesso-me por tudo, mas não sou especialista em nada, salvo, talvez possa dizê-lo em defesa de alguns anos de trabalho, em matéria de tradução jurídica. De resto, leio bastante, escrevo com frequência e procuro estar atento ao mundo que me rodeia.
No assunto que aborda nesta sua intervenção, o das neurociências, confesso-me um tanto deslocado. Confio nos cientistas e espero que façam bem o seu trabalho, porque não tenho a fé que o meu caro afirma ao longo do seu texto. Mas admito, como me pareceu ser o seu caso, que as neurociências podem um dia vir a provar que a vontade, o livre arbítrio e outras propriedades da mente humana estão condicionadas pela programação desses milhões de neurónios que guardamos em nós. Como sabe, a teoria do conhecimento aponta como possíveis vários caminhos para a aquisição do conhecimento. Qual a parte que está ínsita à partida no cérebro e qual a parte que resulta da elaboração do cérebro com os estímulos externos? Não sei, mas, como disse acima, não acreditando na transcendência, só me resta ser humilde perante a ciência e confiar no Tempo, única realidade que considero eterna.