18 novembro 2004

Um exemplo no feminino! (in PUBLICO)

Masuda Por JOAQUIM FIDALGO CRER PARA VER Quarta-feira, 17 de Novembro de 2004
Jalal
Então eu não sabia quem é Masuda Jalal?... Mas será que eu não tinha ainda ouvido ou lido o seu nome?... E logo eu, que me farto de ler jornais, que ouço tanto rádio nas viagens de carro, que espreito sempre uns bocadinhos do telejornal?... Mas não, de facto não me dizia nada este nome, Masuda Jalal. E, no entanto, acho que é um nome importante. Sei-o agora. Se calhar falaram dele mas eu andava distraído, se calhar nunca o referiram nas notícias cá pela terra. Se assim foi, é pena. Porque Masuda Jalal é um nome que vale a pena conhecer.
Trata-se de uma mulher afegã. Não desempenha qualquer cargo importante no seu país, é apenas uma médica, uma pediatra. E não é até, segundo os critérios habituais, propriamente alguém a quem possa chamar-se uma "vencedora". Pelo contrário. Conheço-a agora porque ela perdeu umas eleições. Sim, ela foi candidata às recentes eleições presidenciais no Afeganistão (ganhas por Hamid Karzai) e perdeu, ficou em último lugar, só teve 1 por cento (exacto: um por cento) dos votos. Quase nada, pois.
Quase nada?... Talvez não... Estamos a falar do país das "burkas", aqueles vestidos azulados que escondem o corpo das mulheres desde a ponta dos cabelos à raiz dos pés. Estamos a falar do país onde ainda há três ou quatro anos os "taliban" proibiam qualquer mulher de trabalhar (a própria Masuda Jalal, então já médica, teve de passar à clandestinidade para poder ajudar as pessoas com o seu saber especializado). Estamos a falar de um país onde, ainda hoje, 57 por cento das jovens afegãs são "entregues" pelos seus pais, em casamento, antes de fazerem 16 anos. Um país onde a maioria das mulheres já casou aos 22 anos, as mais das vezes sem previamente ter conhecido o marido, e onde algumas continuam a ser "dadas" para pagamento de dívidas entre famílias. Um país onde, nestes últimos anos, já se aprovou uma nova Constituição, afirmando a igualdade de direitos entre homens e mulheres, mas onde a lei islâmica fundamentalista continua a marcar os quotidianos. Onde as mulheres votam em filas separadas das dos homens, e de cara tapada pela "burka". Com algumas raras excepções. A de Masuda Jalal, por exemplo.
Haver, num país como este, uma mulher que tem a coragem de se candidatar a presidente da República é absolutamente admirável. Sem apoios, sem dinheiro, sem partido, sem tradição, sem nada. E sabendo quase com certeza que perderá. Num país como este, Masuda Jalal candidatou-se a presidente e foi o marido que, espanto!, tomou conta da casa nas suas ausências e até fez de motorista dela para os comícios e sessões de campanha. Num país como este, quem pensaria...
A história que nos ensinam costuma ser só a história dos vencedores. Mas os vencedores quase nunca nos contam a história toda. Masuda Jalal foi vencida nas eleições, ficou em último lugar, não teve mais do que um por cento de votos, passou despercebida nos grandes noticiários, e cá para mim merece bem ficar na história. Na do seu país, claro, mas também na do mundo que temos - e do que queremos.

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