Acabaram Os Sacrifícios? Quarta-feira, 17 de Novembro de 2004
Santana não quer sacrifícios "para agradar à oposição". Mas será que não entende que as reformas que falta fazer e completar vão exigir mais do que sacrifícios?
Será verdade que, como anunciou Santana Lopes no Congresso do PSD, já dobrámos o cabo Bojador da crise económica? Que não é necessário "impor mais sacrifícios só para agradar à oposição"? Que é tempo de desapertar o cinto?
Não, não é verdade - e menos verdade é num Congresso onde uma só palavra enchia o cenário: "Verdade."
Não é verdade porque apenas começámos o caminho das reformas, e as reformas implicam sempre sacrifícios. Não é verdade porque a situação económica, menos má do que nos últimos anos, não consente mesmo assim qualquer tipo de optimismo, bem pelo contrário. Não é verdade porque as contas públicas estão ainda demasiado longe de serem saudáveis, como ainda a semana passada lembrou o governador do Banco de Portugal, numa intervenção cujas críticas acertaram neste e nos anteriores governos, incluindo os socialistas. Não é verdade porque o Orçamento para 2005, sendo ainda de algum aperto, é menos rigoroso, menos exigente e mais arriscado do que era necessário, salutar e educativo. Não é verdade, por fim, porque o simples facto de o primeiro-ministro emitir aquela mensagem envia a toda a sociedade sinais errados, sinais de uma fartura que há-de regressar sem que muito tenhamos de fazer por isso.
Pode-se falar de menos sacrifícios quando sabemos que vamos ter de sacrificar alguns - muitos - dos actuais benefícios do sistema de segurança social para o salvar? Pode-se falar de menos sacrifícios quando no sistema de ensino há que exigir mais de professores e alunos, pedir mais trabalho, mais empenho, mais responsabilidade, mais provas a prestar, mais barreiras a vencer? Pode-se falar de menos sacrifícios quando, olhando para a administração pública, se verifica que ela consome, só em salários, 15 por cento da riqueza nacional e que vai ser necessário reduzir essa despesa? Pode-se falar de menos sacrifícios quando temos ainda de liberalizar mais o mercado laboral, de conter o crescimento salarial, de aumentar a produtividade mudando hábitos, métodos, horários, quase tudo?
Portugal não dobrou o cabo Bojador. Nem sequer o avistou. Navega, porque apesar de tudo flutua e a economia cresce - mas navega mal porque o crescimento não é saudável. Investe-se mal, exporta-se pouco, perde-se competitividade, e mal nos vemos com alguns cêntimos no bolso, compramos. Endividamo-nos. As famílias. As empresas. O Estado. O país.
Estes são problemas que não se resolvem num ciclo político, muito menos com um orçamento. Sobretudo não se resolvem falando de qualquer "alto astral". Como todas as famílias sabem, não há almoços grátis, mas há contas para pagar ao fim do mês. Contas reais, que exigem que nos lembremos delas e abdiquemos de extravagâncias, que tenhamos os pés no chão, que trabalhemos mais e melhor.
Prosseguir, à escala do país, um tal caminho exige de facto que se fale "verdade" - e, por isso, dos sacrifícios que não acabaram. Não para fazer qualquer favor à "oposição". Mas porque, como recomendava na sua última entrevista ao PÚBLICO Ernâni Lopes, a atitude dos portugueses, do Estado e, sobretudo, dos seus dirigentes não pode ser a de, mal se arrebita um bocadinho, passar da depressão à irresponsabilidade da atitude típica do ditado popular: "Enquanto o pau vai e vem, folgam as costas." E, se possível, tenta-se ganhar umas eleiçõezitas... José Manuel Fernandes
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