10 dezembro 2013

Geração de casas: João de Matos

Três gerações da mesma família estão a conversar: o avô - pai, de 90 anos, o pai- filho, de 60 anos e o filho – neto, de 30. Falam sobre casas.
O do meio diz: meu pai, tem alguma necessidade de estar a viver na sua casa, que não tem condições nenhumas, quando tem a minha, que tive o cuidado de construir com todas as comodidades? E tu, meu filho, passas as férias no litoral e no estrangeiro e só vens aqui de passagem. Porquê?
Responde o mais velho: Sabes bem que não te desculpo que não tenhas aproveitado a minha, que construí, com as minhas próprias mãos, com tanto sacrifício e suor. Em vez disso, gastaste, sem necessidade, muito do dinheiro ganho na França nessa casa, que eu não sei o que tem a mais que a minha. Vaidades tolas e uma grande desfeita que me fizeste. Não saio da minha casa, ela tem tudo: lareira, varanda soalheira. Para quê a retrete? Faço bem o serviço na estrumeira e ainda arranjo com que estrumar a horta.
O mais novo diz: Tenho a vida organizada em França e, quando venho de férias, não vou ficar todo o tempo nesta pasmaceira.
Estão nesta disputa quando ouvem, vinda do além, muito do além, uma voz que diz soturnamente assim: eu, vosso antecessor, preparei-vos uma caverna com todas as peles necessárias ao vosso aconchego e vós que lhe fizestes? A caverna está entregue aos morcegos e as peles já nem sei onde param. Ingratos! Não respeitastes a minha memória.
Qual dos quatro tem razão? Ou têm-na todos?

8 comentários:

mario carvalho disse...

http://www.jn.pt/revistas/nm/Interior.aspx?content_id=2978088

por este andar quem tem razão é o antepassado das cavernas

Avós heróis
Por Sónia Morais Santos Fotografia de Artur Machado/Global Imagens
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Avós heróis

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Em tempos de crise, a família é, na maior parte dos casos, a principal base de apoio. Quando tudo o resto falha, para quem nos voltamos? Histórias de avós que depois de criarem os filhos e ajudarem a educar os netos estão novamente na linha da frente na ajuda aos seus. Eles seguram as pontas de uma crise que lhes deixou, literalmente, «o menino no colo».Há 450 mil famílias a viver em casas sobrelotadas em Portugal. O número, revelado pelos Censos de 2011, poderá já estar desajustado da realidade: há cada vez mais pessoas que não conseguem pagar a renda ou a prestação bancária e regressam a casa dos pais. É uma nova realidade sociológica, um retorno a outros tempos, em que várias gerações partilhavam o mesmo teto. Além deste fenómeno, há ainda a realidade incontornável da emigração. Segundo dados do Instituto do Emprego e Formação Profissional, entre janeiro e setembro do ano passado o número de desempregados que anulou a inscrição nos centros de emprego para emigrar disparou 45,4 por cento face a igual período de 2011. Muitos deixam os filhos para trás, em casa dos pais, para reduzir os riscos que uma debandada familiar pode implicar.Os avós voltam, pois, à linha da frente, apoiando filhos e netos. A neta de ouroÉ uma casa onde o amor escorre pelas paredes, transborda das janelas, apalpa-se no ar. É tangível e contagioso como uma doença boa. Nota-se nas palavras e nos gestos, nos olhares e nos sorrisos. O amor que existe na casa sente-se no corpo, até no corpo de quem acabou de chegar. Silvina Rocha tem 69 anos e António Barbosa está mesmo a chegar lá. Estão casados há 44. Vivem em Manhente, Barcelos. Tiveram seis filhos. Têm nove netos. E porque o amor não cessa de pulsar generosamente, vive com eles uma das netas, a quem a crise empurrou os pais para fora do país. A neta chama-se Filipa e tem 19 anos.Silvina interrompe a conversa quando vê o marido chegar: «Oh, meu amorzinho lindo! Estás bom, Francisco?» Não. Não se trata de um engano. O marido chama-se António mas Silvina, a rainha da reinação, gosta de lhe chamar outros nomes: Francisco, Zé, Augusto. Ele não se fica: «Então, Gertrudes?» Para as fotografias da revista, posam lado a lado, cheek to cheek (bochecha com bochecha). Silvina começa então aos beijinhos, como se o amor que tem dentro do peito não sossegasse diante do objeto amado. Ele ri-se e pede-lhe compostura: «Atão? Para com isso! Trabalho é trabalho, conhaque é conhaque.» Ela continua: «Dá cá mais um beijinho, meu amorzinho!» Ele suspira, mentirosamente enfadado: «Como é

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cont
Como é que não havia de haver seis filhos? Não é preciso ser grande estudante para perceber, não é?» Atrás deles, Filipa sorri um sorriso grande, orgulhoso, de pertencer a uma casa onde o amor brota assim, sem filtro, sem esforço, sem pudor.O pai de Filipa, filho primogénito do casal de enamorados, andou quase sempre emigrado. Há quatro anos, a mãe e o irmão foram viver com ele para França. O irmão tinha 8 anos na altura da partida. Filipa tinha 15 e optou por ficar: «Achava que os meus amigos e o meu namoradinho da altura é que eram importantes e que o resto era facultativo. Não me imaginava a deixar o país e a minha vida. O dia da partida, 31 de agosto de 2008, foi horrível. Chorámos todos muito.»Filipa mudou as coisas para casa dos avós Silvina e António, que aceitaram logo a presença da neta: «Claro que sim! Nós também fomos emigrantes, na Alemanha, e compreendemos perfeitamente que a nossa nora quisesse juntar-se ao nosso filho... Mas também compreendemos que a Filipa quisesse ficar. Estava habituada aqui. E ficámos muito contentes de a ter por cá, não é? É uma netinha de ouro! Não nos tem dado trabalhinho nenhum. Nunca me deu uma palavrinha que me ofendesse. É uma riqueza.»Filipa escuta os avós e faz olhinhos, pestanejando muito, em jeito de anjo. Diz que a mudança para casa dos avós também implicou uma mudança de atitude: «Com a minha mãe era respondona e às vezes até um bocadinho brusca. Ela chamava-me para jantar e eu gritava um "já vou!" maldisposto. Com os meus avós não. Sei que estão a fazer um esforço para me receber e para me educar e que não tinham de o fazer. Por isso procuro ser melhor. Acho que perdi um bocadinho da minha essência, da minha identidade. Adotei uma postura que não é a minha. Mesmo quando eles são chatinhos eu aguento tudo.»Os avós sorriem e acenam com a cabeça. «Um dia, chovia muito e ela chegou da escola toda molhadinha. Entrou e eu perguntei: vais ali à loja comprar pão? Ela subiu os degraus, zangada, e respondeu: "Não vou." Depois, passados uns cinco minutos, chegou à minha beira, já seca, e perguntou se queria que ela fosse comprar pão. Foi a única vez que respondeu torto, mas tinha toda a razão. Eu é que fui uma estúpida por lhe estar a pedir coisas estando ela toda encharcada. É uma menina de ouro!»O mais difícil para estes pais emprestados foi fazer a moça comer. «Isso e vê-la sempre agarrada ao telemóvel. Até à mesa tem as mãos sempre naquilo!» Também as saídas à noite foram vividas pelos avós com uma angústia suplementar. Silvina até estranhou tanto zelo do seu António: «Quando os nossos filhos saíam à noite ele dormia. Mas com a neta não.» Ele encolhe os ombros e justifica a insónia com o receio: «Repare, ela não é a minha filha... tenho, por isso, ainda mais responsabilidade. Já viu se lhe acontece alguma coisa? E depois, sabe como é: nós somos velhotes. Somos feirantes, vendemos loiças e presépios na feira... não temos aquela compreensão natural para a juventude.»Ainda assim, Filipa garante não ter razão de queixa. O único azar foi a doença do avô, que roubou muita da alegria à casa. António esteve tão mal que ninguém na vizinhança acreditava que se safasse. Todos os dias havia uma vizinha que punha a mãozinha consoladora no ombro de Silvina, ao mesmo tempo que avisava: «Ai, dona Bina, prepare-se que vai ficar sozinha.» A casa onde o amor escorre pelas paredes, transborda das janelas e apalpa-se no ar tornou-se soturna e triste. Só se falava em doença e a morte parecia ter-se tornado palpável também. Filipa, em plena adolescência, fechou-se no quarto. E foi então que realizou que nem os avós mais ternos do mundo, nem os amigos, nem o namorico (que entretanto acabou) compensavam a falta que sentia dos pais e do irmão. E começaram as crises de ansiedade e os momentos depressivos. «Chorava muito, sem dizer nada a ninguém. Não queria comer. E depois vieram os ataques de pânico, que ainda hoje tenho, de vez em quando. Quando entrei para a faculdade, tive muita dificuldade em adaptar-me. Acho que o meu cérebro não aceitava

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mais uma mudança. Fiquei tão mal que não queria sequer sair de casa. Tinha medo. Agora estou muito melhor, sou acompanhada por um psicólogo e já consigo ver as coisas de outro modo. Mas uma mãe e um pai - e um irmão, já agora - fazem mesmo muita falta.»A mãe solteira Hugo tem 4 anos e não sabe o que é isso de não ter a mãe por perto. A sua vida é, de resto, uma animação. Desde que nasceu que vive em Corroios com a mãe e os avós maternos, António e Amélia Mira, ambos de 51 anos. Mónica é mãe solteira e, apesar de ser advogada e trabalhar no Banco de Portugal (há ironias que parecem de encomenda), garante ser impossível pagar sozinha uma casa e tudo o resto. «Até tenho uma casa aqui em Santa Marta de Corroios, mas está fechada. As instalações do Banco de Portugal onde trabalho ficam no Carregado e eu gasto todos os meses cerca de quinhentos euros em deslocações. Não ganho nenhuma fortuna e o que me vale é viver em casa dos meus pais. Caso contrário, não dava.»Mudar-se para o Carregado também está fora de questão. Os empregos hoje não são «para a vida» e, se se mudasse, ficaria sem o apoio dos pais, que vão buscar o filho à escola e tomam conta dele até que Mónica chegue do trabalho. Está, por isso, num beco cuja única saída é esta: viver na casa onde cresceu, debaixo da asa daqueles que esperariam que aos 27 anos já voasse.Amélia e António não se importam de ter a sala cheia de carrinhos, de legos e de livros infantis. Como também não se importam de ter a filha mais velha em casa. Não era isso que imaginavam para ela, mas a vida também já os ensinou que geralmente mais vale não esperar muito para não ter surpresas: «É óbvio que ficava mais feliz se ela conseguisse ter a sua autonomia, porque faz parte da vida os filhos crescerem e tornarem-se autónomos, sobretudo quando já são pais. Mas a crise não ajuda e os jovens veem-se muito atrapalhados. E uma mãe solteira pior...»Hugo está pendurado na perna do avô e mostra-lhe os desenhos que faz. «Boa! Faz outro e deixa-me ouvir as notícias, vá.» António, motorista da Câmara Municipal de Corroios, tem um jeito sacudido de ser mas o coração - topa-se logo - é de manteiga. É ele quem dá banho ao neto e brinca antes do jantar. Mas abana a cabeça em negação quanto à condição de avô-pai. «Nada disso, nada disso! Eu sou só avô! Claro que dou a minha opinião sobre as coisas. O meu poder de decisão é reduzido mas a minha opinião tenho-a e dou-a. Mas eu sou só avô.» Já Amélia sorri um sorriso doce e diz: «Eu sou avó mas às vezes um bocadinho mãe. Os papéis acabam por se misturar um bocadinho.»Não há de ser fácil estabelecer a fronteira quando os avós vivem em permanência com os netos. Quem dá ordens, quem impõe as regras, quem define os limites. O pediatra Mário Cordeiro alerta para alguns problemas que podem advir desta vida em comum: «Com a crise, de facto, muitos pais são agora obrigados a viver em casa dos avós. Gera-se uma situação complicada porque não se dá a emancipação e autonomia relacional que deveria ser uma constante na evolução familiar. O triângulo pai-mãe-filho fica agarrado e "contaminado" pelo triângulo superior pai ou mãe-avô-avó. Esta indefinição pode levar a situações de perda de autoridade ou indefinição de poder, aproveitadas muitas vezes pelas crianças para jogarem estrategicamente ou, mesmo sem essa vertente, ficarem com uma grande indefinição e ambivalência relacional dentro de si, o que pode vir a prejudicar a construção do seu triângulo futuro enquanto futuros pais ou mães.»O psiquiatra Daniel Sampaio, no livro A Razão dos Avós, também escreve sobre este perigo: «A prudência nos comentários e comportamentos face aos netos é a base de um bom entendimento entre pais e filhos. (...) O problema é que os avós podem, muitas vezes sem o notar, emitir juízos de valor sobre diversos temas que são sentidos como críticas pelos pais das crianças. Sobretudo quando os pais estão inseguros no seu papel, a apreciação de um avô pode não ser bem recebida.» Contactado pela Notícias Magazine, o professor catedrático de

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psiquiatria e saúde mental vai mais longe: «Nas organizações familiares dos nossos dias seria bom que as novas famílias não ficassem dependentes da primeira geração (avós). A diferenciação em relação às famílias de origem contribui para a maior maturidade da segunda geração (pais), fator essencial para a educação dos filhos.»Em casa de Amélia e António Mira, porém, parece ter-se encontrado o equilíbrio necessário à manutenção da paz. Pelo menos ninguém se recorda de grandes conflitos por causa disto ou daquilo. Mas Mónica afiança que mentiria se dissesse que nunca houve uma certa indefinição de poderes: «Nunca são situações muito críticas porque os meus pais sabem qual é o papel deles, mas acontece em pequenas circunstâncias do dia a dia tão simples como o "não quero mais" à mesa. Até ver, temos resolvido bem, entre adultos, e nunca, jamais e em tempo algum na presença do Hugo. No meu caso particular entendi isso mais ou menos como a negociação que teria de existir caso o Hugo tivesse um pai presente, por isso também não fiz nenhum bicho-de-sete-cabeças.»Além de Mónica, Amélia e António têm outra filha, mais nova, a estudar na Alemanha ao abrigo do programa Erasmus. É mais uma despesa e os sacrifícios da família são grandes. Mónica encarrega-se das despesas com a saúde e a educação do filho. O resto é da responsabilidade dos pais: «Enquanto morarem cá em casa ninguém tem de se preocupar com a comida. Disso tratamos nós. Enquanto houver, há. Quando não houver... não há.» A avaliar pelo estado das coisas, é bom que haja durante bastante tempo. É que, pelo menos para já, Mónica não vislumbra no horizonte a sua emancipação.Os filhos que regressamFilipa Alexandra, 36 anos, já estava emancipada e com dois filhos de 12 e 6 anos quando o desemprego do marido caiu em casa como uma bomba. Filipa, que trabalha desde os 20 e que pertence à geração «mileurista», não conseguia dar conta do recado sozinha, sobretudo porque o marido não teve sequer direito a subsídio de desemprego. E, assim, o casal e os dois filhos pegaram nas malas e foram viver para casa dos pais. Maria de Fátima Lourenço, 68 anos, e José Lourenço, 71, são do Porto e receberam a filha, o genro e os netos com a alegria de sempre: «Oh, menina, pois claro que recebemos! Temos três filhas e seis netos e esta casa sempre foi uma alegria. E os pais servem para quê? Para ajudar os filhos, então não é?»E assim foi. A casa, que já estava preparada apenas para o casal, teve de sofrer alterações.
Deram-se móveis, reorganizaram-se assoalhadas, inventou-se espaço para receber camas e brinquedos e secretárias e jogos. Onde viviam dois passaram a viver seis. Sem dramas. «Só havia um bocadinho de confusão de manhã, no quarto de banho. O meu marido tem a rotina dele. Queria fazer a barba, a nossa filha com pressa para ir para o trabalho, os miúdos a quererem despachar-se para irem para a escola. Ui! Que guerra! Mas até dava animação às manhãs. É preciso é saúde.»Passou-se o tempo e, certo dia, Maria de Fátima foi dar com o casal com expressões circunspectas, ar grave, silêncio fundo. «Temos de lhe dizer uma coisa.» Maria de Fátima levou a mão ao peito. «Ai, credo, estão a assustar-me. O que foi?» O genro falou: «Minha sogra, temos uma coisa para lhe dizer que achamos que não vai gostar.» A senhora sentou-se. «Digam de uma vez, santo Deus! É doença? É coisa má?» A filha baixou os olhos. E o marido falou: «A Filipa está grávida. Aconteceu.» Maria de Fátima deu um pulo. «Ai é isso? Anda cá dar um abraço à tua mãe, minha filha! Parabéns! Tudo se arranja! Mais uma criancinha, que alegria!»Podia ter sido um sarilho. Uma mãe a chegar aos 70 anos, com dois matulões a viver debaixo do seu teto, mais outros dois netos já grandinhos, receber a notícia de que, apesar do desemprego e da crise e da austeridade, ainda vinha mais um neto a caminho poderia ter dado azo a caldo entornado. Mas não na família Lourenço, onde mais

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gente, antes de significar mais despesa, significa mais amor.Durante o tempo que a filha, o genro e os dois netos ficaram lá em casa, todas as despesas foram pagas pelos pais para que, assim, o casal em apuros pudesse criar um «pé-de-meia». E não se pense que Maria de Fátima e José Lourenço têm dinheiro a rodos. São ambos reformados e, por isso, também eles têm de fazer o milagre da multiplicação. «Uma panela de sopa dá para todos. Haja boa vontade!» Hoje, o casal já ultrapassou as dificuldades, o marido de Filipa recuperou o emprego e voltaram para a sua casa. Ainda assim, os pais continuam a dar uma ajuda.A casa dos avós ficou mais vazia, mas os almoços para as filhas e netos continuam em bom ritmo: «Há sempre alguém a ligar: "Há almoço para mais um?" E eu respondo: claro que sim, anda daí. Às vezes o almoço é uma coisa para as filhas e faço outra coisa para os netos, que são mais esquisitinhos. Não gostam muito de peixe e então faço-lhes umas costeletinhas, um rancho, uma massinha. Ficam todos contentes.»A avó que continua a ajudarTudo começou há vinte anos. A filha e o genro partiram para Angola em busca de uma vida melhor. Já tinham duas filhas, Tânia e Diana. A avó Glória não gostou de os ver partir mas compreendeu. Se era para melhorar, pois que fosse. Há seis anos, caíram-lhe na sopa as duas netas. Tânia veio estudar Arquitetura, Diana, então com 15 anos, quis vir com a irmã. Glória Rodrigues, 77 anos, não sabe ler nem escrever. Nascida em Chaves, a mais velha de onze irmãos teve de trabalhar cedo para ajudar a família. Estudar era um luxo a que não se podia permitir. Ainda assim, sem essas ferramentas essenciais e já com idade para estar sossegada, Glória não se assustou de ficar com as netas.Esta história parece não ter que ver com esta crise. Mas tem. Porque se é verdade que a filha de Glória emigrou há duas décadas, também não deixa de ser verdade que as netas só vivem com ela porque a crise não permite que os pais voltem a Portugal: «Os meus pais gostavam de voltar», diz Tânia. «Mas é impossível. Da maneira como as coisas estão? A minha mãe tem 45 anos e é professora em Angola. Vinha para cá, e depois? E o meu pai? Tem 50 e tem uma empresa de tratamento de água, lá em Angola. Tinha de começar tudo de novo. Eles gostavam. Mas cada ano que passa parece mais impossível. Por isso, enviam dinheiro para cá, para ajudar a avó, e encontramo-nos nas férias...»Há cinco anos nasceu uma nova irmã. E a avó já conta que mais ano menos ano a pequenina Laura também venha viver consigo: «Ela já fala nisso, diz que quer vir. Por mim, pode vir à vontade. Estou cá para as receber a todas. E aos pais também, claro. Mas não acredito. Acho que estão melhor lá.»A vida das duas adolescentes com a avó correu bem, sem sobressaltos ou conflitos de maior. Tânia, entretanto com 25 anos, já voou e partilha casa com o namorado. Mas garante que nunca lhe faltou nada: «Nem carinho, nem atenção, nem comida na mesa. A minha irmã, que ainda vive com a avó, sabe que é verdade: a gente levanta-se e já cheira a torradinhas. O pequeno-almoço está sempre pronto, acorde-se a que horas se acordar.»Diana está no segundo ano do curso de Análises Clínicas e Saúde Pública e gosta de viver com a avó. Se calha atrasar-se a chegar a casa, já sabe que encontrará uma avó inquieta que provavelmente já terá ligado à irmã a perguntar por ela. «Às vezes a minha avó liga-me a dizer: "A tua irmã era para ter chegado às oito. São oito e cinco e ainda não chegou".» Tânia e Diana riem-se mas a avó encolhe os ombros e relembra-lhes a responsabilidade acrescida que tem quem cuida dos filhos dos outros: «Fico nuns nervos. É verdade que elas nunca foram de me dar grandes ralações. Mas quando se atrasam e não avisam fico muito aflita. Qualquer dia dá-me para aí uma coisa!» Elas compreendem. E dizem que não há assim tantas diferenças entre viver com a mãe ou com a avó: «É a mesma coisa. É como viver com uma mãe velha. Ela teve a sorte de nós não sermos muito de sair à noite. As noitadas são cá em casa, com a avó! Todos os nossos amigos a tratam

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por avó, é a avó da malta! Uma querida.»Com a crise, com o aumento do desemprego, com as novas medidas de austeridade, há cada vez mais avós «queridos» disponíveis para receber os netos e, em alguns casos, os filhos e os netos. Alguns recebem-nos de braços abertos, sem pedir nada em troca, contentes até pela companhia que não tinham e passam a ter. Outros casos haverá em que esta boa vontade não será assim tão descomprometida e aí as relações podem sofrer com esta comunhão de espaço e de vida, como explica o pediatra Mário Cordeiro: «Com as dificuldades económico-financeiras e laborais atuais, os avós foram de novo chamados à liça para apoiar material e logisticamente os pais. Contudo, se é bom ter essa presença, poderá haver avós que cobrem essa necessidade expressa pelos pais. Uma coisa é uma relação natural em que ninguém tem qualquer interesse específico a não ser a vontade e o gosto de a ter. Outra é uma relação em que, mesmo que encapotadamente, há uma dependência - nesta, se as pessoas não tiverem cuidado, pode estabelecer-se um mecanismo de chantagem emocional e de poder que, por vezes, quase roça o perverso.»Não será o caso de nenhuma das histórias atrás descritas, em que a generosidade brota e o amor transborda do coração. Estes avós que acolhem filhos e netos ajudando a ultrapassar momentos difíceis ficarão marcados, de forma inequívoca, na vida de todos. Mário Cordeiro, que mais do que um pediatra é um estudioso das famílias, deixa a sugestão: «Talvez este seja o tempo de se abandonarem costumes e ideias narcísicas, de show off, de novo-riquismo ou distanciamento humano em prol do hedonismo materialista e de abraçar o prazer de conviver com os humanos. A convivência, a partilha, a coexistência e a coaprendizagem é uma mais-valia que poderemos aproveitar... se o quisermos e se tivermos a arte de o saber fazer.» Dito de outro modo, talvez haja, afinal, um lado bom nesta malfadada crise.

Isto ficou muito grande..e enfadonho..talvez não se coadune com o espirito do blogue, Caro José Mesquita .. fica ao seu critério.


http://eapnimprensa.blogspot.pt/2012/10/crise-obriga-avos-reformados-ajudar.html


mario carvalho disse...

Podem não querer ir para a caverna, nem para a casa do avô ou dos pais..

mas pelo menos que os respeitem.. e isso depende muito da educação e valores que foram ministrados..

e é curioso .. ninguém quer a caverna do Castelo de Guimarães, ou a Anta de Zedes? . Do Castelo de Ansiães muitos levaram as pedras
e Quantos emigrantes embora, fartos da pasmaceira da terra ,a ela regressam? Quantos não vieram das ex colónias e o único abrigo que tiveram foram as cavernas e as enxergas dos avós?

E mesmo esses das modernices.. emigrantes cá dentro ... quando morre o velho ... vem logo a correr .. interessado na herança ... nem que seja o cardenho ou o as peles... só para complicar a vida aos familiares que sempre lutaram e preservaram essas cavernas?"!

Quanto à questão do JLM .. quem tem razão?.. isso fica ao critéio de cada um .. desde que assuma o que diz não chateie os outros ...

mario carvalho disse...

Realço do texto a quem interessar

Estes avós que acolhem filhos e netos ajudando a ultrapassar momentos difíceis ficarão marcados, de forma inequívoca, na vida de todos. Mário Cordeiro, que mais do que um pediatra é um estudioso das famílias, deixa a sugestão: «Talvez este seja o tempo de se abandonarem costumes e ideias narcísicas, de show off, de novo-riquismo ou distanciamento humano em prol do hedonismo materialista e de abraçar o prazer de conviver com os humanos. A convivência, a partilha, a coexistência e a coaprendizagem é uma mais-valia que poderemos aproveitar... se o quisermos e se tivermos a arte de o saber fazer.» Dito de outro modo, talvez haja, afinal, um lado bom nesta malfadada crise.

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quanto às modas recordo:

na vida tudo tem a sua época .. nenhum pai dirá a um filho que "droga" é bom .. embora muitos se droguem porque há quem os influencie a isso .. Não ligam aos pais ,, ligam às modas.. e quando elas passam::::