17 setembro 2013

Morrer Feliz: Helder de Carvalho

Para o ano faço 60 ( sessenta) anos.Quarenta terão decorrido em democracia. Já vivi o suficiente para perceber a importância de Abril de 74. Aos catorze anos deixei o nosso interior rural para aportar à cidade do Porto. Como foi difícil a minha integração. Tive uma juventude feliz em Carrazeda, apesar de ver próxima a miséria, sem a experimentar verdadeiramente. Fazia facilmente amigos e via como muitos deles se tornavam órfãos cedo de mais, já que os pais emigravam à procura de sustento. A lida no campo era realmente miserável para quem trabalhava por conta de outrem, mesmo assim, muitos ainda conseguiam dar educação aos filhos e mandá-los a estudar para a cidade. Para outros restava o vício do vinho para esquecer, ou a religião para sonhar com o céu. Era daqui que partiam também muitos recrutas a caminho das guerras do ultramar, não sabiam como escapar e alguns de lá vieram em caixões. Quando fui estudar para a cidade abriram-se os meus horizontes. Em paralelo aos estudos, pratiquei atletismo ( FCP); fiz teatro ( TEP); fiz expressão corporal ( PARNASO); inscrevi-me em associações recreativas e culturais, e ajudei a criar algumas; vi cinema em cine- clubes; li livros; fiz exposições; viajei; convivi e namorei. Pouco antes do 25 de Abril vieram companhias que me ajudaram a tomar consciência da realidade politica e social do meu país, que não tinha verdadeiramente. Nessa altura assisti frequentemente a julgamentos políticos no Tribunal de S. João Novo; participei em manifs; li autores proibidos. Com a chegada da revolução não fui dos primeiros a reagir, nem aderi a qualquer partido, dos entretanto formados. Julgava-me anarquista, portanto mais radical que os outros. Apesar de aceitar o grupo, apostei sempre na opinião própria e percebi cedo que a democracia era a vontade da maioria. Para mim o importante é sentir que tenho razão e a maioria nem sempre a tem. No meu percurso de vida nunca esqueci a terra que me viu nascer. Ao seu serviço estive sempre disponível. Exerci nela sempre que pude, um papel de cidadão activo que é fácil de atestar. Contudo e no cômputo geral, nunca senti que a minha terra tivesse ganho, como eu ganhei pessoalmente, com a chegada da democracia. Não vi mudar as mentalidades mais influentes, incluindo as dos que cuidam do espírito. Não vi nascer o gosto pela liberdade. Não vi crescer o sentido de solidariedade. Não vi desaparecer o caciquismo. Não vi crescer equitativamente a qualidade de vida das suas populações. Não vi desaparecer o flagelo da emigração. Vi melhorar as infraestruturas físicas, mas não vi paralelamente melhorar a qualidade de atendimento, a qualidade de aprendizagem, o apoio social de proximidade, as condições para que os que aqui têm raízes, conseguissem ser felizes. Com a fuga de muitos, desapareceu o sentido de identidade, o orgulho que é próprio de quem tem um passado com história , onde se poderiam encontrar exemplos de outra grandeza. No momento actual em que voltamos a ter eleições autárquicas, em que mais uma vez se decide sobre o futuro do concelho, é triste ver como se continua a ignorar o sentido da realidade e, se propõem falácias e usa a demagogia para convencer os menos esclarecidos. E era tão fácil conhecer a prática de cada um dos intervenientes que se propõem ao escrutínio. Como não me conformo, ainda acredito que hei-de morrer feliz na minha terra.

9 comentários:

Anónimo disse...

Gostei de ler este texto. E quero cumprimentá-lo por ter tido a generosidade de o escrever, assinando-o. É triste e revoltante ver ao que Carrazeda de Ansiães está presentemente sujeita.

Mas ainda acredito - ou quero acreditar - que, mesmo os menos esclarecidos, não se deixarão ludibriar e que saberão decidir castigando quem lhes propõe "falácias e usa demagogia" com tanto descaramento.

O povo sabe que o voto é secreto.

Anónimo disse...

Concordo com a análise. Mais uma entre tantas outras aqui explanadas. Pena que seja mais uma que surge em plena campanha eleitoral. Daqui a umas semanas, a boca cala-se e lamenta-se daqui a 4 anos. Todos os vários artigos surgidos nas últimas semanas têm um propósito. PSD e CDS já mostraram que não estão à altura. Quem sugerem???

Fernando Gouveia disse...

É um prazer lê-lo, meu caro Hélder!
O seu desencantio é certamente partilhado por muitos de nós, mas a esperança que manifesta no final do seu escrito também. Seria interessante averiguar as causas profundas da descrença no presente e da desertificação, que não é fenómeno exclusivo do nosso concelho, mas se verifica em todo o interior do país.
Um abraço.

Fernando Gouveia disse...

Meu caro Hélder: que prazer lè-lo. Não tenho conseguido meter comentários nos blogues. A minha falta de experiência informática levanta-me por vezes problemas sérios. Esta é mais uma tentativa para ver se funciona.
Gostei do seu comentário e partilhos a sua esperança no futuro. Seria interessante averiguar as causas do seu desencanto presente.
Um abraço
Fernando Gouveia

Pedro Fonseca disse...

É com muito gosto que acabei de ler este texto, não poderia estar mais de acordo, apesar das mesmas palavras aplicarem-se, não só a nossa terra como o país inteiro.
Dizem que a história nunca se repete, mas em Portugal somos pródigos em contrariar tudo que parece estabelecido. Passado estes anos, já não bastava as saídas internas agora voltamos a sair do País.
Apesar de tudo a distância permite-nos ter uma visão mais apurada e sem aqueles floreados da politiquice caseira.

De Luanda, Angola, um abraço.

Anónimo disse...

Caríssimo Professor Helder Carvalho, tudo se resume e deve, de facto a CACIQUISMO.
Num concelho destes, já tão perto da civilização, como é possível ser-se ainda cacique!?
O contrário tem de se aplicar com mais força, ou seja, porquê esta gente de pouco carácter ainda fomentar o caciquismo?
Por uma razão de entre muitas!
Estes adorados dirigentes não conseguem viver de outro modo, não respeitando absolutamente ninguém.
Um dirigente viciado de cinismo social e político consegue em pleno século XXI fazer entrar em suas listas 42 funcionários seus subordinados, nas listas que compoem as suas listas e que, em jeito de coação absoluta?!
Como vai ele lidar com esta gente, por ex: na Assembleia Municipal?
Como se sentirão estes funcionários/subs. instalados?
Não há pingo de vergonha!
Bem podem o Dr. Gouveia, o Prof. Helder, JLM e outros andar por aí e às vezes a fazer de conta que distraídos,tolerando a "besta"...

Fernando Gouveia disse...

Caro anónimo das 7.41 am:
Não ando a fazer de conta nem a tolerar seja quem for. Como deve saber, uma vez que invocou o meu nome, não sou eleitor em Carrazeda e não sou residente. Já afirmei publicamente que não intervenho partidariamente na minha terra, por entender que, nos concelhos pequenos como o nosso, os partidos dividiram comunidades e famílias e fizeram dos eleitos locais carne para canhão: servem-lhes para proclamar vitórias nacionais nos dias de eleições e como bestas de carga para sustentarem localmente as campanhas eleitorais dos dirigentes nacionais.
Pela mesma razão, não me cabe azedar as relações já difíceis entre pessoas da minha terra que se candidatam aos cargos políticos locais. O meu desejo era que emergisse em Carrazeda um movimento de cidadãos independentes, livre da tutela partidária, capaz de fazer a ligação entre pessoas que pensam de modo diferente mas que podem ser competentes e dedicadas ao concelho.

Anónimo disse...

espero que a sua terra não seja afogada por nenhuma barragem.

Anónimo disse...

Ao Dr. Fernando Gouveia.
Não quis melindrar V. Exª, mas lembro que os tais quadros de Carrazeda que estão fora, mais valia perticiparem ativamente antes que fiqueis velhos e trôpegos e muitos sois para quê afinal?
Independentes, porque não?
Se é essa a condição, lance o alerta e vamos a isso.
Só espreitar não vale!