Resposta a um
”Carrazedense Amigo do Centro” (ver “Os trabalhos e os dias” - Leonel de
Castro)
Há muita gente no nosso país que odeia a gramática e muita
outra que a despreza por suposta ou ilusória superioridade de espírito.
Gramática envolve o seu quê de disciplina, de ordem e alguns
génios nacionais não sofrem que os seus desabafos líricos ou filosóficos tenham
apertada expressão.
Consequência - os estudos gramaticais chegam a ser
ridicularizados, chamando-se à gramática a “ciência da caturrice”.
Tenho para mim, que o injusto descrédito da gramática se
explica em grande parte pela má organização dos programas e pelas exigências
gramaticais dos chamados pontos de exame.
Em meu entender, deveria o ensino da língua portuguesa (desde
o secundário) intoxicar menos os alunos de medicamentos gramaticais.
Despertaria mais o gosto do idioma uma análise de textos em
que se estudasse a gramática não como sistema rígido, não como dura lex, mas como ciência que procura ordenar o que há de vivo, de natural, de
espontâneo na língua falada pelo povo e de artístico na língua trabalhada dos
escritores.
Ora, os estudantes, durante anos seguidos, são, muitas vezes
por imposição dos programas, obrigados a tão áridos estudos gramaticais que, ao
cabo do curso, se tornam fatalmente inimigos de tudo quanto seja regra de
linguagem.
A lembrança de Os
Lusíadas traz-lhes a ideia de problemáticas orações, de difíceis figuras de
retórica, de intricadas interpretações de sentido.
E porquê? Porque a beleza
do imortal poema não foi devidamente apreciada, porque se encheram aulas e
aulas de penosas e irritantes análises à gramática de Camões. Chega até a
pensar-se que o Poeta ficaria reprovado, se calhasse de hoje ser examinado em
português no seu próprio texto.
Nem por sombras sou partidário de levianas doutrinas
antigramaticais. Pelo contrário.
Acho, porém, que o desprezo, a falta de respeito que muitos
votam à gramática se explica por natural reação contra a demasiada rigidez de
regras, um tanto alheias às realidades da boa linguagem falada e escrita. Há
muita determinação gramatical que está a pedir retificação. Há muitos
lugares-comuns que se ensinam e se repetem como se correspondessem a “verdades”
da língua.
E a “verdade” da língua por vezes não se procura com estudo
atento e compreensivo, e portanto, menos caturra.
Destes excessos, isto é, do enunciado estreito de regras e da
leviana indisciplina contra a gramática advém sério prejuízo ao idioma,
maltratado e incompreendido de muita gente.
Há razões subjetivas a que se tem de olhar em muitos
problemas gramaticais.
E é pena que nem sempre se atente na força das tendências
psicológicas que amiúde contariam prescrições de compêndios. Estes pecam muitas
vezes por generalizações perigosas, que induzem quem estuda a erros graves e
que assim espelham falsas noções.
Exemplificarei com um caso de concordância sintática.
Aconteceu um dia (tinha sido convidado para “burilar” o português
numa determinada universidade) que, fora de aulas, certo estudante (estrangeiro)
me consultou a mim e a um colega meu sobre determinado assunto. Como nem eu nem
o meu colega podíamos, por falta de tempo, dar resposta imediata, respondi
muito naturalmente:
- “Hoje não há tempo para tratar disso. No próximo dia, eu -
ou o meu colega - responderei a esse
caso.”
O aluno (um dos mais interessados e sabedores da nossa
língua), declarando que a observação se limitava a pedido de esclarecimento,
perguntou-me:
- “Não será melhor dizer: eu - ou o meu colega - responderemos…?”
Ora, esta observação do referido aluno, perfeitamente
natural, explicava-se, consoante me declarou, por haver aprendido que “se os sujeitos são vários, isto é, se o sujeito é composto, estando
antes do verbo, este vai geralmente para o plural”.
Eis uma generalização errónea por deficientíssima, eis uma
regra que, como todas as regras que se prezam, está a pedir que se lhe refiram
exceções.
Tenho aqui dez gramáticas, sete portuguesas e duas por
autores brasileiros. Dentre as dez, apenas três se ocupam da concordância de
sujeito composto ligado por ou.
Cada uma por suas palavras, dizem (elas) isto:
“Se o sujeito é composto… quanto ao número… se os sujeitos
são do singular, o verbo fica no singular… quando o verbo se refere só a um
sujeito com exclusão dos outros; exemplo: Pedro ou Paulo falará”.
Procurando ajustar estas regras à minha frase, teremos:
1)
Eu ou o meu colega responderei (ideia de exclusão);
2)
Eu ou o meu colega responderá (concordância de
proximidade);
3)
Eu ou o meu colega responderemos (ideia de colaboração).
Ora, por que razão, ou por que regra, me expressei eu da
forma 1)?
Aparentemente foi por me guiar por uma regra gramatical de
concordância. Verdadeiramente, foi por uma razão subjetiva. Isto é: qualquer regra com pretensões a objetiva (como
muitíssimas regras dadas em gramáticas) que se queira aplicar à concordância de
sujeitos unidos por ou é
simplesmente desconveniente, pois, vendo bem, o que determina ou exige esta ou
aquela concordância não é, na realidade, a ordem das pessoas gramaticais nem a
proximidade. O que determina a escolha da
concordância é o nosso pensamento, é
a força da ideia.
Quando eu disse que, ou eu responderia, ou que então
responderia o meu colega, admiti a possibilidade da prática de uma ação
(responder), não em comum, não em colaboração, mas em separado, visto que, se
respondesse eu, não respondia o meu colega, e se respondesse o meu colega, não
respondia eu. Por outras palavras, a minha ideia consistiu em singularizar a
ação, ao mesmo tempo por um agente com exclusão ou despensa do outro.
Qual, pois, o motivo de o verbo ficar no singular?
Foi o ter singularizado a ação, e aqui podia intervir a
gramática com uma regra.
Mas agora pergunto: qual o motivo por que empreguei o verbo
na 1.ª pessoa?
Porque o fio do meu pensamento foi assim: Vi não haver tempo
para a resposta. Afirmei isto mesmo. Logo a seguir, prometi resposta no próximo
dia; porém, quando ia a traduzir esta promessa, ocorreu-me, como ideia
acessória mas para considerar, a lembrança de o meu colega responder por mim.
No entanto, como o curso do pensamento, naquele instante, se ia expressando na
1.ª pessoa (eu), o predicado saiu
espontâneo, natural e corretamente nesta 1.ª pessoa.
A objetividade gramatical tem de submeter-se à subjetividade
que as necessidades impõem. Urge que aparentes erronias sejam estudadas pelos
gramáticos, procurando descobrir os motivos ou as causas reais de muitos factos
da linguagem falada ou escrita.
Tenho verificado nos nossos escritores muitos exemplos de
aparentes discordâncias gramaticais, em que se atenta mais no pensamento do que
na forma. Poderemos chamar sínese a
tais discordâncias explicáveis pela influência do pensamento na forma que o
expressa.
Abro este livro de Castilho, Amor e Melancolia, na pág. 301. E leio assim:
“O mais desta poesia e muita outra a este modo … (trovas,
tenções, solaus…) germinou com
intervalos…”
Ora, em nenhuma gramática encontro justificação para esta
redação.
Estará, pois, errada? Nada disso.
Será pela razão dada pelas gramáticas de o verbo ficar a
concordar com uma palavra que resuma
enumerações? Também nada disso.
Castilho redigiu assim com o verbo no singular, porque nos quis dizer, principalmente, que a restante da poesia germinou com intervalos. Lembrou-se de muita outra, é certo. Porém, o fio do seu pensamento era
subjetivamente conduzido por esta ideia principal - o mais desta poesia.
Portanto - germinou.
Qual será a frase correta - “Na mina estão soterradas algumas dezenas de
operários” ou “Na mina estão soterrados
algumas dezenas de operários”?
Ora, revertendo às frases apresentadas, temos isto:
Concordância semiótica, mental ou latente - “Na mina estão soterrados algumas dezenas de
operários”.
A concordância semiótica é, muitas vezes, mais lógica, e por
isso deve preferir-se, mesmo que a gramática proteste.
São os operários
que, de facto, estão soterrados, e não as dezenas.
Ao próprio Camões lhe saiu da pena: “Quem te disse que eu era o que te sigo?”
E o homenzinho que disse “E vai eles meteram a galope“ terá de facto errado? Seria mais correto
“E vão eles meteram a galope”?
Há nesta frase uma subtileza: e é que vai (muito empregado em narrações populares) tem um valor parentético, pois equivale por vezes a:
E vai daí aconteceu.
Portanto, “e vai eles meteram a galope” pode interpretar-se: e vai daí, ao depois, aconteceu que
eles meteram a galope.
Para reforço dou este outro exemplo: Comi ontem uma dúzia de
carapaus estragados.
Se inverter, direi - comi, ontem, estragados, uma dúzia de carapaus.
Semelhantemente: “Aquela dúzia de carapaus estavam estragados” é concordância semiótica,
perfeitamente lógica.
A lógica, portanto, explica certas concordâncias semióticas,
mentais ou latentes, embora não gramaticais.
E agora direi que se deve ensinar que pertence à boa norma
idiomática a realização da concordância do predicado com um sujeito mencionado
antes de expressões, mais ou menos longas, encerradas em parênteses. Quero
dizer: a concordância faz-se com o sujeito que está fora do parêntese. Exemplo:
eu (ou o meu colega) responderei.
Por derradeiro, desejo lembrar que a tendência para
singularizar o predicado de sujeitos relacionados por ou não é nova na língua portuguesa. Quem conhece textos arcaicos
deverá ter reparado que na linguagem desses tempos ocorre com frequência o
verbo no singular referido a sujeitos unidos pela disjuntiva ou.
Aliás, tais construções da língua arcaica refletem
correspondente sintaxe da língua latina.
Em latim dizia-se, por exemplo, aut Brutus aut Cassius salutem Patrice legem sanctissimam judicavit,
ou seja: ou Bruto ou Cássio considerou
a salvação da pátria como supremo dever.
Meu Caro “Carrazedense Amigo do Centro”.
Obrigado pela intervenção. A questão que coloca é
absolutamente pertinente.
Como resposta, direi:
- Tão escorreita é, na linguagem escrita e falada, a
expressão - Centro de Inovação Tecnológico,
- Como o é, na fala despreocupada do nosso povo, o descer para baixo.
A linguagem falada é anterior à gramática. Cabe a esta a
função de sistematizar os factos daquela.
E bastas vezes acontece que uma apertada estipulação
gramatical encontra nega em expressões vivas, naturais e espontâneas da fala
popular.
Se, pois, a fuga a regras fixas da língua revela tendências
psicológicas, cumpre ao gramático consciencioso o registo e a consequente
aceitação das realidades do idioma.
Carlos Fiúza
8 comentários:
Nossa língua portuguesa
Um homem rico estava muito mal, agonizando. Pediu papel e caneta.
Morreu antes de fazer a pontuação. A quem deixava a fortuna? Eram quatro concorrentes.
Escreveu assim:
'Deixo meus bens a minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do padeiro nada dou aos pobres.'
Morreu antes de fazer a pontuação. A quem deixava a fortuna? Eram quatro concorrentes.
1) A irmã fez a seguinte pontuação:
Deixo meus bens à minha irmã. Não a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.
2) O sobrinho chegou em seguida. Pontuou assim o escrito:
Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho. Jamais será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres
3) O padeiro pediu cópia do original e esclareceu:
Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.
4) Aí, um advogado da cidade fez esta interpretação:
Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do padeiro? Nada! Dou aos pobres.
Moral da história:
'A vida vem como um texto corrido. Somos nós que fazemos sua pontuação'.
Este artigo está bom e eu nem me atrevo a comentá-lo.
Quanto à designação em causa"CITICA -Centro de Investigação Tecnológico Inovarural de Carrazeda de Ansiães", penso que é uma confusão muito grande.
Para já ,é enorme e de difícil memorização.
Depois, quando queremos usar uma só expressão,qual devemos usar: "CITICA" ou "Inovarural"?
Ainda o "tecnológico" a condizer com "centro" levanta o problema de saber se é o centro que , logo à partida,é tecnológico.Não será a investigação tecnológica?
"Inovarural" o que é?
Não ficaria melhor " INOVARURAL- Centro de Investigação Rural"?
A investigação será apenas tecnológica?
Apesar de tudo isto, o que me interessa é que o Centro cumpra uma função importante para o concelho.A designação é secundária.
JLM
Outra designação mais exacta:"INOVARURAL - Centro de Inovação Rural".
JLM
Centro de investigação rural?
Que entendem por investigação rural?
Será tipo "Quimonda".. investigou cérebros e memórias.. receberam milhões e depois ninguém sabe quem eram nem para onde foram.. e agora estamos todos a passar fome para pagar dívidas?
Será para promover o negócio das multinacionais das sementes?
(Nada tenho contra as multinacionais, nem contra as sementes trangénicas.. quando não há alternativa )
ou será .. simplesmente, um nome pomposo para justificar vencimentos?... tipo Agencia de desenvolvimento do vale do tua?
O senhor mc começou por desconversar com a história da pontuação, porque no nome do CITICA não há nenhuma pontuação, mas agora perguntou bem: que entendem por investigação rural? Carlos Fiúza com muita cultura também andou às voltas e não respondeu à pergunta que foi posta, pois não foi o povo que pôs o nome Centro de Inovação Tecnológico INOVARURAL de CA. JLM pôs as perguntas certas, mas quem responde? O nome está ou não está com erros?!!!!!!!
Um Carrazedense amigo do Centro
Meu Caro,
E por que não:Centro Inovarural de Investigação Tecnológica?
Se não foi o povo que lhe pôs o nome, então qualquer nome serve... sobretudo para o não Povo.
CF
muito bem
Carrazeda precisa de pessoas assim..como o amigo do centro..frontal, corajoso e justto
que gostem de Carrazeda, do Centro e de tudo o existe,... bom ou mau é o que temos .. por isso temos de valorizar e dizer bem... para dizer mal .. bastam os de fora.. e os bastardos que a sugam ..
Eu tenho um sonho:
Que os Carrazedenses se preocupem com o melhor para Carrazeda, porque o melhor para Carrazeda será o melhor para todos os Carrazedenses-
Está na hora juntar forças e não de dividir...
JUNTEM-SE TODOS.. ps. psd, cds, cdu, be ,independentes, indecisos, desanimados, traidos, enganados, raivosos... e PREOCUPEM-se COM CARRAZEDA
abraço
mario carvalho
utópico .. chamar-me-ão alguns!!!
a esses sugiro que se realmente o seu interesse é defender Carrazeda .. que o tentem .. ao menos!!!
Quanto à pontuação..
há tantas maneiras de dizer a verdade que nem vale a pena mentir...
daí a importancia da sabedoria do "povo"
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