15 dezembro 2012

In memoriam do André



O André Lages era uma "figura" de Carrazeda de Ansiães.

O André era o comerciante que vendia tudo o que o carrazedense necessitava: o bacalhau e o polvo para o Natal; o parafuso e o prego para a bricolage caseira;  a pedra de lousa e o pilão para a escola primária; o pesticida e o herbicida para a horta; a “nabinha” e a semente para o “renovo”;  o unguento e a mezinha para o padecimento, o baraço, a vassoura, as tenazes, o Borda D`Água, o rolo fotográfico, o tabaco, as pilhas, a fotocópia…… Podia-se procurar por todo lado, porém o que faltava só se encontrava na “Casa Lages”. Durante longos anos foi autossuficiente para todas (ou quase) as necessidades do concelho. Porque ele tinha um sentido incomum de antecipação e oportunidade!
Nos tempos “heroicos” da Rádio Ansiães procedia à transmissão das emissões da liturgia de domingo valendo-se da sua arte para produzir e modificar os mais variados apetrechos de recolha do som das missas num intricado, meticuloso e elaborado circuito, que, por mais estranho que nos parecesse, captava todo o enredo sonoro da Igreja Matriz. As manhãs de domingo abriam com a missa dominical sob a orientação técnica e os comentários inconfundíveis do André Lajes. Aos Sábados comentava a atualidade religiosa num programa radiofónico que produziu durante anos.  Tudo era registado em escrita: o tempo do ato religioso, o número de presentes, os elementos do coro, a duração da prédica do saudoso padre Virgílio, as canções, os incidentes técnicos, as músicas difundidas. Tudo registado para memória futura.

Mas o que mais me espantava era a sua organização num comércio que parecia desorganizado. Tudo tinha o seu lugar, devidamente etiquetado com todas (e mais algumas) as notas que respeitavam ao artigo. Qualquer solicitação não recolhia muita espera tal a rapidez com que o mercadoria era encontrada. A organização, o sentido prático e a inventiva tinha visibilidade no seu famoso lápis, que era esferográfica, borracha, navalha, alfinete, chave de fendas… 

E a bicicleta (um auto em circulação para evitar a poluição, substitui descapotável ou furgão, dá saúde ao coração) era a imagem do André: frugal, utilitária, engenhosa, imaginativa e, perdoem-me os mais sisudos, até infantil, por isso, a ternura em movimento.  

Carrazeda perde o André e com ele vai um pouco da nossa alma carrazedense. Descanse em Paz! 


8 comentários:

Rui R.M. disse...

E assim partiu uma figura carismatica que pela sua metodologia e estilo muito proprio,negociante das necessidades mais variadas numa terra tão carente, este comerciante conseguia com a sua originalidade, valer ás mais variadissimas solicitações.
Todos os Transmontanos e em especial os do meu concelho Carrazeda de Ansiães, deveriam unir-se em defesa do futuro para esta terra maravilhosa, de gente simples e hospitaleira, poque quando tal, deparamo-nos com um concelho deserto, e uma terra sem gente pura e simplesmente morre!

Fernando Gouveia disse...

É com especial pesar que tomo conhecimento da morte do André. Meu companheiro durante algum tempo na adolescência, um amigo ao longo de uma vida.
E nestes anos de mudança, em que os pequenos comerciantes foram postos à prova pelas grandes superfícies comerciais, o André, seguindo uma tradição de família, resistiu com imaginação e manteve aberta uma porta onde se encontrava o mais inimaginável, para além duma simpatia e boa disposição que eram a verdadeira marca da casa.

Que descanse em paz.

Anónimo disse...


Carrazeda ficou mais pobre.

A morte do Sr. André, figura de relevo pela sua originalidade,pela forma rara e invulgar como geria a CASA LAGES -PONTO CHIQUE.
Este estabelecimento éra pela sua mão, uma referêcia para todos os Carrazedenses,não é facil encontrar-se um comércio com estas caracteriscticas em qualquer parte do mundo, a sua morte, e com ele eventualmente a sua CASA, é mais uma forte machadada nesta aínda vila, por enquanto.....
Que Deus seja com ele generoso e muito obrigado pelo seu testemunho.

isaura festa disse...

Haja alguem que lhe siga os passos, ou pelo menos que tente,para que estes exemplos não se deixem morrer.PAZ á sua alma.

Zeca Araújo disse...

-Ser livre!
É poder dum momento
para o outro
fazer a mala
e partir.....
não importa para onde
nem se há regresso.
Partir!!!E é tudo!!!
Sem ninguém a impedir que o faça.
-Sim,ser livre é tudo isso e tudo isso é desgraça.!
Tenho saudades do amigo ANDRÉ.

Fernando Gouveia disse...

Mais um amigo que partiu, por esta já longa avenida de ciprestes onde só já crescem memórias.
O André foi meu condiscípulo durante um período breve, mas foi um amigo de toda a vida.
O seu trabalho dedicado permitiu-lhe, com muita imaginação e simpatia, resistir à imparável destruição do pequeno comércio pelas grandes superfícies e continuar a actividade de seu pai.
Aqui deixo os meus sentimentos à família. Que descanse em paz.

Anónimo disse...

O Andre partiu, mas o Ze Lages ainda ca esta, quem se lembra de ir tomar um cafe e partilhar da sua companhia por 5 minutos que seja ao Mogo? Pois e quem nao e da terra e veio REtornado fala fala e pouco diz, porque nao sente......
Bom Natal Mesquita

Abcdesporto disse...

As pessoas que amamos não morrem, apenas partem antes de nós.

Descansa em Paz

Abcdesporto/C.Fernandes