A “chinesice” dos SWAPS
Li, na secção de economia de um semanário que se pretende de
referência, um excelente artigo sobre “Mercados Financeiros”.
É bem possível que este tema seja “chinês” para muita gente.
No entanto, para a maioria dos portugueses, o termo não é
novo e lê-o quotidianamente nos jornais… com muita mistificação à mistura e
muito “empolamento” para o fazer parecer de compreensão só para alguns.
É que assim será fácil dizer-se: os mercados financeiros
isto; os mercados financeiros aquilo… os Swaps isto, a Euribor aquilo…
Nada mais enganador.
Um SWAP nada mais é do que um derivado financeiro usado por
empresas de todo o mundo e tem como finalidade (como o seu próprio nome indica)
“trocar” taxas de juro (fixas por variáveis, por exemplo).
Imagine-se que uma empresa tem uma dívida a prazo (digamos,
20 anos), a taxa variável, e que essa taxa está indexada à Euribor a três meses
(a Euribor é a taxa de referência do BCE para o mercado interbancário).
Para compensar o risco da subida da Euribor (o que por sua
vez lhe faria subir a taxa da dívida e consequentemente a dívida no seu todo)
essa empresa faz com o seu banco um contrato Swap.
Essa empresa ficaria, assim, a pagar ao banco (por período
pré-estabelecido, em princípio até a maturidade) uma taxa fixa e, em troca,
receberia a Euribor a três meses.
Com este mecanismo (o tal swap) a empresa ficaria protegida
das oscilações da Euribor e aquilo que teria que pagar a mais pela dívida se a
Euribor subisse seria compensado pelo que receberia a mais no Swap.
Os economistas chamam a isto uma “estratégia de cobertura de
risco”.
Mas então, pergunta-se:
Com um simples contrato de Swap todos ganham? Não. Esta
operação é um tiro no “escuro” (ou quase) e só deve ser executada por quem
estiver “dentro” dos mercados.
Porque o problema que se põe é este: e se, entretanto, a taxa
de juro desce abaixo do valor que o Swap contratou?
As empresas, com esta descida, passam a pagar menos pela sua
dívida mas a perder dinheiro nos Swaps contratados.
É caso para dizer: mais valia nada terem feito pois o “ganho”
do abaixamento da taxa inicial de juro não chegou para compensar as perdas dos
swaps.
Acreditem, ou não, foi exatamente isto que aconteceu à
maioria das nossas empresas públicas (e que desde 2008 “apostaram” neste tipo
de contratos).
A intenção era (como já compreenderam) protegerem-se contra a
subida das taxas de juros.
Infelizmente “apostaram” no cavalo errado… as taxas dos juros
(após um “pico” em outubro de 2008) começaram a cair e nunca mais voltaram aos
valores anteriores.
Ganhou quem manteve as taxas iniciais (as suas dívidas
diminuíram) … perdeu quem apostou neste derivado financeiro (e foram, infelizmente,
a maioria das nossas empresas públicas).
Segundo dados oficiais do Banco de Portugal, em 2009, a perda
potencial destes contratos estava em cerca de € 1000 milhões… em 2010 essa
perda já estava em € 1,6 mil milhões… em dezembro de 2011 atingia € 2,4 mil
milhões.
Os números são impressionantes, mas são os oficiais… e
representam o que as empresas públicas perderão nos seus “contratos de futuros”
até à maturidade dos mesmos.
E algumas maturidades vão para além de 2020!
Como curiosidade, saiba-se que o valor subjacente às apostas
em derivados (na sua maioria swaps) ascendeu já a € 16 mil milhões (dados do
B.P.) no final do segundo trimestre deste ano, o que equivale a € 1,55 mil
milhões a mais do que no primeiro.
Mas não é tudo…
A Direção-Geral do Tesouro e Finanças estima que as empresas
públicas tiveram, só no segundo trimestre, quase 695 milhões de euros de
prejuízo…
Leram bem: quase 695 milhões de euros de prejuízo, o que
representa (segundo a mesma fonte) um agravamento de 94% face ao segundo trimestre
de 2011.
E as perspetivas não são animadoras: não se esperam subidas
nas taxas de juro tão cedo (mexer na Euribor, subindo-a, só talvez lá para
2014) o que torna impossível recuperar parte das perdas potenciais.
Que fazer, então?
Caberá ao IGCP – Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida
Pública (como se sabe a entidade que ficou responsável pela gestão dos
derivados das empresas públicas) renegociar alguns desses contratos…
antecipando maturidades ou terminando-os mesmo (se possível).
Não será fácil… a banca internacional não vai abrir mão,
facilmente, de tão “chorudos” lucros.
Mas no fundo, no fundo, até nem são esses “chorudos” lucros o
que mais me preocupa… o mal já está feito.
O que me preocupa é não “saber” como tudo isto foi possível…
E como o não sei,
- Dou um doce a quem me souber explicar a razão por que
“entraram” os nossos gestores públicos (de “cabeça”) neste tipo de contratos (e
ainda para mais com bancos estrangeiros) …
- Dou um segundo doce a quem me souber fazer acreditar terem esses
gestores (ou a sua maioria) competências adequadas para “jogar” este tipo de
“jogo”…
- Dou um terceiro doce a quem me souber garantir que estes
tipos de contratos não mais vão acontecer no futuro…
Por último,
- Dou um doce a mim próprio (também sou filho de Deus)…
“descobri” que a maioria dos “iluminados” (que em nosso nome governam a “res
publica”) também não sabe “chinês”…
- Que o digam os SWAPS!
Carlos Fiúza
4 comentários:
CF mostra-nos aqui um pouco do muito que sabe sobre “negócios internacionais”, de que foi profissional durante mais de uma década, ao que julgo.
Peço-lhe encarecidamente que nos dê uma visão do mundo(mesmo mundo) dos negócios em artigos como este.
É que nós temos, em geral, uma visão paroquial das transações. E o universo a que estamos inevitavelmente ligados é mesmo muito complicado e sofisticado. E é natural que os nossos políticos e seus assessores, idos, por vezes, das aldeias, sejam uns inocentes facilmente papáveis. E os que sabem alguma coisa são reis no meio de cegos e tiram proveito próprio da santa ignorância alheia(nossa).
Este artigo mostra como, em muitos casos, os prejuízos de milhões e milhões, que sobrecarregam terrivelmente a nossa balança, são provocados por pessoas bem intencionadas, das quais está o inferno cheio.
JLM
Tenho vindo a apreciar as notas deixadas neste blog por CF, normalmente de elevadíssimo nível, sobretudo quando trata questões da língua portuguesa.
O assunto desta nota suscita-me, no entanto, duas observações, uma de substância e outra de terminologia.
Primeiro: a Euribor não é a taxa de referência do Banco Central Europeu, mas antes uma taxa fixada no mercado interbancário, entenda-se, nas transacções entre grandes bancos, nos empréstimos entre si.
A taxa de referância do Banco Central Europeu é outra realidade e tem outros objectivos, pois pretende-se com ela regular a oferta de moeda e atingir certos objectivos macroeconómicos.
Segundo: quando li o título, pensei que CF ia criticar, o que tem feito belissimamente, o uso indiscriminado de anglicismos que proliferam na linguagem dos tecnocratas. Depois, concluí que, intencionalmente ou não, usou esses mesmos anglicismos que arrepiam qualquer amante da língua portuguesa. O que mais me custa a engolir são palavras como "maturidade", que, no contexto, é uma copia servil de "maturity" e constitui uma desnaturação semântica.Maturidade é a qualidade do que está maduro, em sentido biológico ou psicológico. O que se pretende dizer na linguagem financeira é a data do vencimento das obrigações;
e expressões que se vão lendo e ouvindo como: a empresa tal cotou a X. A empresa tal não cota, é cotada.
Mas concordo com as conclusões: entre deslumbrados do dinheiro fácil, aventureiros de casino nas salas de mercados e banqueiros provincianos e papalvos, a nossa vida tem sido esbanjada de forma irresponsável.
Tem Fernando Gouveia razão no seu comentário.
Fui impreciso, descuidado… pouco “científico”.
A Euribor NÃO é a taxa de referência do BCE.
A descrição que faz da “verdadeira” taxa de referência do BCE merece toda a minha concordância.
Não a descreveria melhor.
A Euribor (acrónimo de European Interbank Offered Rate) é a taxa interbancária oferecida em euro, sendo uma das principais taxas de referência do mercado monetário da zona euro (indica a taxa de juros média dos depósitos praticada por 57 grandes bancos).
É considerada como a taxa base para diversos produtos de taxas de juros, os chamados derivados (futuros de taxas de juros, swap de taxas de juros e contratos de garantias de taxas).
Esta taxa (Euribor), contudo, não está imune a certos fatores externos (como o crescimento económico e o nível da inflação) e evolui paralelamente à taxa de referência praticada pelo BCE.
Quanto a “maturidade”…
é a “qualidade do que está maduro”
E foi esse o sentido que pretendi transmitir.
No meu texto escrevi “maturidade” a significar “vencimento” (a obrigação está madura, chegou ao termo).
As minhas desculpas.
C.F.
Por favor, Carlos Fiuza: sou um admirador do que escreve. Uma imprecisão passa em qualquer texto. Espero continua a usufruir dos seus escritos sempre oportunos.
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