Sinto-me feliz, particularmente feliz.
Nem consigo ocultar o meu contentamento.
As termas já não vão sofrer qualquer alteração.
Tudo se manterá como antes, como no tempo dos meus avós.
Confesso que temi pela genuinidade de lugar tão aprazível e vetusto.
Ainda bem que a barragem no rio Tua vai impedir um sacrilégio.
Quando vi estilizada num cartaz eleitoral uma obra grandiosa a incrustar nos penedos, pensei para comigo:
- Como conciliar o cimento com os penedos?
- Como salvar os tanques e banheiras do cavalgar do progresso? - Estará certo que os milionários nacionais estraguem o que a natureza e a mão humilde do homem nos deu?
Quando os meus avós ressuscitarem, como vão eles entender-se com esta modernice?
Visualizava já a inauguração com a presença dos "Bill Gates" e "Rockfellers" internacionais e como sairia esmagada a gente modesta mas honrada da nossa terra!
A alternativa que se colocava a esta também não era mais animadora: - via a classe operária a acamaradar e a confraternizar ao som dos "cantes" alentejanos e sentia outra vez a usurpação daquele idílico lugar por gentes de outras paragens, não verdadeiramente rurais, da única ruralidade que eu estimo: - a transmontana.
Bendita barragem! - Não sou muito pró-desenvolvimento, mas reconheço que, por vezes, há males que vêm por bem.
Sei que um dia, no fim dos tempos, quando os meus avós cá voltarem ainda encontrarão as termas tal como as deixaram, ou até um pouco mais vetustas e eu e eles e as restantes gerações iremos concerteza deliciar-nos em conjunto com as casas, os tanques, as banheiras, as ruas que sempre foram apanágio daquele querido lugar.
Podemos agora todos morrer em paz porque este bem irá ser para todo o sempre preservado.
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João Lopes de Matos
2 comentários:
A posição de não mexer para não estragar a paisagem idílica, de modo a travar o assalto dos forasteiros às Termas de S. Lourenço, veiculada pelo meu amigo Dr. João de Matos é, com todo o respeito, totalmente inaceitável. Isto de querer manter “tudo como antes, como no tempo dos meus avós” é uma clara defesa do imobilismo e de travagem ao progresso. Talvez seja essa a única solução, tal a falta de ideias e de iniciativa dos nossos governantes – deixar tudo como está, tal reserva de índios para que os “civilizados” do litoral nos venham visitar na “ingenuidade de lugar tão aprazível e vestuto”, sem o “sacrilégio” da mexida em qualquer pedra.
Não quero crer que este seja um texto a justificar a ausência de qualquer desenvolvimento no prometido em campanha eleitoral, mas olhe que parecer, parece. “Bendita” promessa de construção de barragem que vem justificar toda a inacção num dos locais que poderia servir de alavanca ao desenvolvimento concelhio.
Sossegue, caro doutor, que a invasão dos proletários irmanados no canto telúrico alentejano não sairá da planície, pois os montes continuarão inultrapassáveis.
Já agora, não se preocupe com a preservação, que ela, por força das circunstâncias, está feita. Os nossos antepassados ao ressuscitarem, verão apenas pedras, pois a gente procurou melhores paragens.
Relativamente a este texto do (incógnito) "Dartaga", aliás, bem escrito, leia-se (quem puder) "O Sagrado e o Profano", de Mircea Eliade, onde se pode verificar que o sagrado e o profano constituem duas modalidades de ser no mundo, isto é, duas situações existenciais assumidas pelo Homem ao longo da sua história. Entretanto, em última instância, os modos de ser sagrado e profano dependem das diferentes posições que o Homem conquistou no cosmos e, por consequência, interessam não só ao filósofo que há em cada um de nós mas também a todo o investigador desejoso de conhecer as dimensões possíveis da existência humana.
A propósito do texto do dr. João de Matos, sempre lhe direi que o Homem das sociedades tradicionais é, por natureza, um "homo regiosus", mas o seu comportamento enquadra-se no comportamento geral do Homem e, por conseguinte, interessa a ciências sociais tão marcantes como a Antropologia Filosófica, a Fenomenologia e a Psicologia.
Um abraço carrazedense para todos.
Hélder Rodrigues
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