Antes da criação da Companhia pela Coroa, a iniciativa
privada tentou ultrapassar a crise de que falámos. Bartholomeu Pancorbo,
fidalgo espanhol, é uma figura chave neste processo pois combateu a hegemonia
inglesa com a colocação dos vinhos em locais onde nunca tinham chegado,
concretamente os países do Báltico, associando-se a um francês de nome Joseph
Dumont. Contudo a falta dos denominados “cabedaes” acaba com o negócio.
Num segundo momento Luís Beleza de Andrade, proprietário na
região e morador no Porto encabeça uma reunião de reflexão com outros
proprietários sobre a grave crise que se abate no comércio de vinhos e todos procuram
soluções para a debelar.
Entre os participantes, frei João de Mansilha propõe pela
primeira vez a criação de uma região demarcada. Esta é a novidade que se
revelaria de capital importância para a perseveração da qualidade e alicerce
seguro do desenvolvimento futuro das vinhas.
Esta figura virá a ser o verdadeiro mentor da região
demarcada do Douro porque se tornou o principal defensor da criação da
Companhia no paço real e aportou as ideias mais fortes para a sua
concretização.
Várias vontades se reuniram para consumar a criação de uma
sociedade monopolista bem ao gosto da época. O Marquês de Pombal que não
enjeita a oportunidade de incrementar a produção nacional em relação à
concorrência estrangeira, impondo monopólios para esmagar a concorrência
interna dominada pelos interesses ingleses. O empenhamento de Bartholomeu
Pancorbo, uma voz sempre troante na defesa do vinho e as diligências na corte
de frei João de Mansilha culminaram na elaboração em Agosto de 1756, no Porto,
do alvará da Companhia, que tomou forma oficial em 10 de Setembro do mesmo ano.
As grandes empresas opõem-se pois sentem-se prejudicadas por
interesses estabelecidos, mas numa primeira fase mantiveram silêncio.
Porém, em surdina, a revolta foi aumentando qual bola que
rola pela neve.
As limitações impostas originaram a redução do número das
tabernas e o consequente agravo dos taberneiros e, mesmo que clandestinamente
quisessem fazer a distribuição encontrariam, por certo, “grandes dificuldades
na obtenção do produto, face à exclusividade dos fornecimentos para venda ao
ramo na cidade e zona circundante de que a Companhia era usufrutuária”.
A bola do protesto girava com mais dimensão, a que se
juntavam novos rostos.
Os tanoeiros que trocaram o livre exercício da profissão
pela requisição obrigatória da Companhia e sujeitos a um controle rigoroso; os
arrais conhecedores da navegação do rio abaixo, rio acima viram limitada a
requisição dos seus serviços à nova estrutura monopolista; os pequenos
armazenistas que eram dizimados pelo imposto forçado.
A ira tornou-se imparável quando chegou ao sangue quente dos
consumidores, o povo tripeiro que pelos ouvidos lhes chegavam os boatos de
doenças e até presuntivas mortes originadas pela ingestão do vinho, agora
distribuído pela Companhia. Esta gente comum briosa da liberdade da sua cidade,
da qualidade do vinho que era produzido a umas dezenas de km, mas que era seu.
Esta arraia-miúda manipulada pelos ingleses, pelos comerciantes do vinho, por
algum clero diretamente implicado e prejudicado no negócio.
As tabernas são o espaço escolhido: propagam-se ideias e
prepara-se o tumulto. Aí o motim toma corpo, começa a ferver, caldeiam-se
vontades para a ação. Também nas oficinas dos mesteirais: os sapateiros e os
alfaiates são abundantemente referidos no acórdão do tribunal. Despeitados e
avinhados, caldeados de outras revoltas bem-sucedidas e de “sangue na guelra”
por espírito e personalidade “tripeira”, tomou as ruas e revoltou-se. As
cabeças de motim, segundo a sentença da Alçada, são o Juiz do Povo, o
armazenista Caetano Moreira da Silva que teve contra si quatro testemunhos e
ainda três outros, três militares – um sargento e dois soldados. Foram todos
executados.
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