17 setembro 2016

A revolta das tabernas


Antes da criação da Companhia pela Coroa, a iniciativa privada tentou ultrapassar a crise de que falámos. Bartholomeu Pancorbo, fidalgo espanhol, é uma figura chave neste processo pois combateu a hegemonia inglesa com a colocação dos vinhos em locais onde nunca tinham chegado, concretamente os países do Báltico, associando-se a um francês de nome Joseph Dumont. Contudo a falta dos denominados “cabedaes” acaba com o negócio.
Num segundo momento Luís Beleza de Andrade, proprietário na região e morador no Porto encabeça uma reunião de reflexão com outros proprietários sobre a grave crise que se abate no comércio de vinhos e todos procuram soluções para a debelar.
Entre os participantes, frei João de Mansilha propõe pela primeira vez a criação de uma região demarcada. Esta é a novidade que se revelaria de capital importância para a perseveração da qualidade e alicerce seguro do desenvolvimento futuro das vinhas.
Esta figura virá a ser o verdadeiro mentor da região demarcada do Douro porque se tornou o principal defensor da criação da Companhia no paço real e aportou as ideias mais fortes para a sua concretização.
Várias vontades se reuniram para consumar a criação de uma sociedade monopolista bem ao gosto da época. O Marquês de Pombal que não enjeita a oportunidade de incrementar a produção nacional em relação à concorrência estrangeira, impondo monopólios para esmagar a concorrência interna dominada pelos interesses ingleses. O empenhamento de Bartholomeu Pancorbo, uma voz sempre troante na defesa do vinho e as diligências na corte de frei João de Mansilha culminaram na elaboração em Agosto de 1756, no Porto, do alvará da Companhia, que tomou forma oficial em 10 de Setembro do mesmo ano.
As grandes empresas opõem-se pois sentem-se prejudicadas por interesses estabelecidos, mas numa primeira fase mantiveram silêncio.
Porém, em surdina, a revolta foi aumentando qual bola que rola pela neve.
As limitações impostas originaram a redução do número das tabernas e o consequente agravo dos taberneiros e, mesmo que clandestinamente quisessem fazer a distribuição encontrariam, por certo, “grandes dificuldades na obtenção do produto, face à exclusividade dos fornecimentos para venda ao ramo na cidade e zona circundante de que a Companhia era usufrutuária”.
A bola do protesto girava com mais dimensão, a que se juntavam novos rostos.
Os tanoeiros que trocaram o livre exercício da profissão pela requisição obrigatória da Companhia e sujeitos a um controle rigoroso; os arrais conhecedores da navegação do rio abaixo, rio acima viram limitada a requisição dos seus serviços à nova estrutura monopolista; os pequenos armazenistas que eram dizimados pelo imposto forçado.
A ira tornou-se imparável quando chegou ao sangue quente dos consumidores, o povo tripeiro que pelos ouvidos lhes chegavam os boatos de doenças e até presuntivas mortes originadas pela ingestão do vinho, agora distribuído pela Companhia. Esta gente comum briosa da liberdade da sua cidade, da qualidade do vinho que era produzido a umas dezenas de km, mas que era seu. Esta arraia-miúda manipulada pelos ingleses, pelos comerciantes do vinho, por algum clero diretamente implicado e prejudicado no negócio.
As tabernas são o espaço escolhido: propagam-se ideias e prepara-se o tumulto. Aí o motim toma corpo, começa a ferver, caldeiam-se vontades para a ação. Também nas oficinas dos mesteirais: os sapateiros e os alfaiates são abundantemente referidos no acórdão do tribunal. Despeitados e avinhados, caldeados de outras revoltas bem-sucedidas e de “sangue na guelra” por espírito e personalidade “tripeira”, tomou as ruas e revoltou-se. As cabeças de motim, segundo a sentença da Alçada, são o Juiz do Povo, o armazenista Caetano Moreira da Silva que teve contra si quatro testemunhos e ainda três outros, três militares – um sargento e dois soldados. Foram todos executados.

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