A igreja/capela de Santa Maria ou de Nossa
Senhora do Prado localizada à entrada noroeste de Selores é uma das chaves da
história religiosa do concelho porque indicia um primitivo culto cristão e
poderá indiciar um primeiro povoado presumivelmente do século VI.
Esta edificação
religiosa não detém uma porta ampla e principal, como a maioria, virada a
oeste. Este é um detalhe importante porque a porta na simbologia cristã
representa Jesus, o que poderá significar não ser uma igreja edificada a
Cristo, mas sim ao Deus Criador. O evangelho de São João certifica este
símbolo: Eu sou a porta; se alguém entrar
por mim, salvar-se-á (10:9). A não orientação a este e a ausência de uma
porta principal no seu oposto pressupõe uma construção ariana, seita religiosa
dos primeiros tempos do cristianismo introduzida pelos suevos. Esta crença
apenas admitia um Deus numa só pessoa, Borges Coelho aproxima este pensamento
da conceção árabe: Cristo era mais um profeta que uma divindade ou “filho
adotivo de Deus e não filho natural” (1973: 96). Este rito pode ter-se
prolongado até ao século XIII.
Este rito era sustentado
pelos seguidores do bispo de Alexandria, Arius, nos primeiros tempos da igreja
primitiva (século III) (o arianismo foi trazido pelos suevos e pelos visigodos
para o norte da Península) e não aceitava que Jesus fosse Deus. Claro que O
consideravam a primeira e mais excelsa de todas as criaturas e encarnado no
ventre de Maria de Nazaré, porém não era o próprio Deus, apenas estava subordinado
a Ele. Segundo Arius só existe um Deus e Jesus é seu filho e não o próprio.
Cristo ficaria a meio caminho entre Deus e os homens.
No século VI,
por ação de São Martinho Dume seria renegado o arianismo e proceder-se-ia a uma
conversão coerciva ao catolicismo romano. Houve, contudo, alguns focos de
resistência, permitindo a sua persistência em comunidades agrícolas isoladas
(Morais: 2006, 68 e Coelho: 2010, 108). Foi com certeza o caso da Igreja de
Santa Maria. Porém, particularmente a influência francófona e crescente
importância da ordem de Cluny viria a erradicar de vez este rito.
A sua menção
nas memórias paroquiais é também admirável porque se refere que a igreja tinha “duas
Naves” e “se dis antiguamente ser Matriz e ser Abadia”. Confiando na fonte, esta
teria sido a primeira abadia do concelho, o edifício cristão mais antigo do
concelho. Atente-se ao que a seguir vem no mesmo documento: esta abadia “se
devediu em as duas Reitorias a saber a do Devino Salvador intra Muros e a de
Som Joam Baptista extra Muros.” Aqui se mostra a antiguidade da capela/igreja
de Nossa Senhora do Prado: segundo a tradição, teria dado origem às devoções
das duas capelas da vila de Ansiães: a do Salvador do Mundo dentro das muralhas
com o mesmo nome, cujo culto foi transladada para a freguesia de Lavandeira; e
a capela de São João, fora das muralhas, culto que daria origem à construção da
Igreja de Marzagão. Retirado o entusiasmo do vigário, autor das memórias
paroquiais, que à altura dependia na hierarquia do reitor do Seixo de Ansiães,
que teria de ler o texto e sufragá-lo, a obediência exigia-o, tudo nos leva a
acreditar na importância deste templo.
Há ainda outro
facto admirável. As igrejas primitivas eram constituídas por três templos: a
igreja mãe, a batismal e a funerária. Esta edificação faria parte da tríade de
três templos que constituiriam a paróquia primitiva de Ansiães (Morais: 342).
Esta seria a igreja mãe, dedicada a Santa Maria; no exterior dos muros, a
batismal, a de São João Batista; e intramuros, a cemiterial, de São Salvador.
As figuras bases da génese do Cristianismo: Jesus Cristo que se tornaria
divino, São João Batista que anunciaria a sua chegada e Maria, mãe de Deus e da
Igreja primitiva, como refere o evangelho: “Eis aí o teu filho” (João 19,26) ”.
Pode-se concluir que a
capela de Nossa Senhora do Prado deu origem às reitorias na vila de Ansiães e
continuou a formar com elas o triângulo da cristandade das terras de Ansiães.
Esta unidade chega ao século XVIII e é visível no costume dos abade de Ansiães
e Marzagão, herdeiros da paróquia de São Salvador, ali virem todos os anos em
procissão. Também não seria precipitado afirmar que nesta capela poderia ter
nascido a cristandade em Pagus Auneco,
posteriormente denominado reino de
Ansiães. A Igreja e a sua estrutura são a base da fixação e da organização
dos povos, mesmo antes do início da nacionalidade, prolongando-se pela
reconquista e ajudando a consolidar o concelho de Ansiães.
1 comentário:
Mais um caso de património ao abandono.
Investimento rentável é cuidar dos bens culturais, que afirmam a nossa identidade.
E já agora por que se espera para recuperar a pequena capela de traça românica de Alganhafres
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