08 janeiro 2014

Símbolos e valores identitários

Como vimos, na sociedade medieval os vínculos de ligação, muito mais que a um país, eram com o senhor da terra e a comunidade a que se pertencia. A palavra “Portugal” dividida em dois espaços horizontais e intervalado por uma cruz aparece nos primeiros documentos oficiais (1129) após a batalha de S. Mamede. O Bobo de Alexandre Herculano mostra claramente uma divisão de dois grupos antagónicos: os partidários do infante Afonso Henriques e os do conde de Trava.
A guerra da Reconquista dos primeiros reis e as lutas fronteiriças com Leão e Castela ajudaram a disseminar os sentimentos de conquista de independência e alargamento. Determinante, nesta primeira fase da nossa história, o longo reinado de D. Dinis (1261-1325) ao possibilitar uma política de delimitação de fronteiras com a construção de castelos raianos e a oficialização da língua contribuiu decisivamente para a categorização da identidade portuguesa. As guerras com Castela no reinado de D. Fernando e particularmente a crise de 1383/1385 fizeram despertar, pela primeira vez de forma muito clara e de forma abundante os sentimentos nacionais. E serão, como veremos, as crises que dão o mote a esse despertar do fervor nacional.
As crónicas de Fernão Lopes, ao relatarem a lenda do Milagre de Ourique, expressam pela primeira vez o mito da “indefetível proteção divina ao rei de Portugal, e, implicitamente, através dele, aos seus descendentes e aos seus súbditos”. Este mito chega aos nossos dias na bandeira e servirá de emblema sagrado a causas várias do fervor nacionalista desde o período liberal, passando pela 1.ª República, até à propaganda salazarista.
A expansão portuguesa que põe milhares de portugueses em contacto com outros povos vai criar definitivamente uma perceção permanente de identidade nacional. Somos diferentes pela religião, pela cor, pela língua, pela personalidade. O processo da identificação clarifica-se em obras dos intelectuais portugueses na ocupação filipina, como sejam de Frei Bernardo de Brito, que faz uma clara distinção de temperamentos entre portugueses e espanhóis; e do Padre António Vieira na defesa das teses de povo predestinado.
Mais tarde, as invasões francesas, que identificam um estrangeiro longínquo, cruel, ideologicamente perigoso, usurpador e larápio provocam um verdadeiro levantamento popular sob a égide do ódio nacional aos franceses e “afrancesados”. As guerras liberais e o consequente triunfo do liberalismo difundem nos setores mais influentes da sociedade o conceito romântico de “espírito do povo”.

Por último, a crise ideológica provocada pelo Ultimato inglês acordou, nos intelectuais e, com a difusão prodigiosa da escrita e da imprensa, em algumas camadas da população, diversos tipos de reações emocionais, contra a Inglaterra que veio humilhar os heróis do mar, o nobre povo e a nação valente e imortal. Estes sentimentos de sublevação apareceram imbuídos de profunda paixão patriótica, que ajudou à mudança de regime e ao nascimento da República e colheram terreno fértil na ideologia nacionalista do Estado Novo. 

(A seguir "perenidade de Portugal")

Sem comentários: