03 janeiro 2014

Nação, estado e pátria

Enquanto o estado pressupõe uma agregação de povos, resultado ou não de um arranjo, mesmo que artificial; a nação está ligada à natureza dos povos, a uma história e muitas vezes a uma língua comuns; a pátria subentende uma pertença muito estreita e direta, quase mítica. O conceito de estado-nação é o objetivo final de aspiração dos povos de partilha de uma única cultura étnica.
A ideia de Estado está ligada a uma realidade política, isto é, uma organização de pessoas com base numa estrutura de poder que tem uma constituição, um governo, umas forças armadas e um funcionalismo público... Pode representar um conjunto de cidadãos objetivamente caracterizáveis ou constituir-se uma miscelânea de povos com alguns interesses comuns. Os estados podem ser transitórios ou perdurarem no tempo. Atente-se aos exemplos dos Estados Unidos da América, de Espanha, da ex-União Soviética e da ex-Jugoslávia. Todos eles agrupam ou agruparam diferentes entidades nacionais, porém, enquanto os dois primeiros se mantêm, os outros já implodiram em novos estados independentes. Se, por um lado, nos Estados Unidos não são visíveis focos de rotura da organização política, em Espanha, a integração sob o pretenso domínio de Madrid é mal aceite, em largos sectores da população do País Basco e até da Galiza; a Catalunha, por diversas vezes adiado, já tem referendo marcado para a independência. Por outro lado, a União Soviética deu lugar a vários países, sendo a Rússia a sua natural herdeira e continuando a exercer uma hegemonia política, económica e militar sobre quase todos os outros, a Jugoslávia deu também lugar a outros estados que seguiram um rumo de total liberdade da condução das suas políticas. Por último, a ideia de Estado pode também ser uma aspiração ou um processo em construção de agregação de povos, considere-se o projeto federalista da União Europeia.
O conceito de Nação é mais complexo. O termo nação, do latim natio, de natus (nascido), são grupos de pessoas, geralmente do mesmo grupo étnico, que formam um povo que se mantém unido pelos hábitos, tradições, religião, língua e consciência nacional. Adriano Fernandes citando Carpentier & Lebrun avança dois conceitos que estão na base da criação das nações na Europa. O peuple francês, mobilizado por uma bandeira tricolor, “voluntarista, contratualizada horizontalmente” constituindo a chamada nação “política”. O volk alemã, unidade “mística de tradição, língua e sangue” que dá substância à nação “histórica”. Assim, a nação é um cimento que liga por constituintes diversos, mas essenciais à sua homogeneidade. Só se manterá unida, enquanto esses elementos forem argamassa aceite pela maioria dos cidadãos.

Originariamente Pátria designou a terra dos antepassados, onde se nasceu, ou se adota. À Pátria, o indivíduo sente-se ligado por vínculos afetivos, culturais, valores e históricos. A Pátria não era necessariamente um país, podia ser um mosteiro, uma aldeia, uma cidade. O seu uso nitidamente ideológico foi perdendo a primeira significação e a ideologia nacionalista enfatizou o conceito de Pátria para um valor “fundamental, sagrado, indiscutível”. 

(a seguir "o que é ser português")

1 comentário:

Fernando Gouveia disse...

Meu caro Alegre Mesquita:
Gostei desta sequência da sua reflexão e da forma como tentou desenvolver três conceitos que, de facto, não se confundem.
Os Estados são uma realidade juridico-política. Definia-se o Estado numa antiga disciplina do antigo terceiro ciclo dos liceus como "a Nação politicamente organizada". Parece-me que a definição é curta, pois, como referiu, o Estado-Nação não é hoje o paradigma dominante e não sei se alguma vez o terá sido. Haverá eventualmente uma tendência para as nações reivindicaren o seu Estado, com base mo princípio da "autonomia dos povos" e do "direito à autodeterminação". Esses princípios têm levado à multiplicação dos Estados, como no caso, que referiu, da ex-Jugoslávia, mas também da antiga Checoslováquia, da secessão Etiópia/Eritreia, etc. No entanto, nem sempre os Estados resultantes dessas cisões de Estados dão origem a um Estado-Nação. Por exemplo, nas repúblicas hoje independentes que resultaram da cisão da ex-União Soviética, há minorias muito importantes de nacionais da Rússia e de outras repúblicas, como resultado das migrações internas que ocorreram durante a vida do Estado federal. Nas recentes manifestações na Ucrânia foi visível a fractura entre populações com sentimentos nacionais diferentes.
Além disso, a tendência para a formação de Estados-Nações é hoje contrariada pelo movimento inverso das relações económicas, a que se tem chamado globalização, que procura integrar grandes espaços e populações numerosas e heterogénias. Por muita resistência que haja a essa integração, ela vai avançando, quer na Europa, quer nas Américas.
Acresce que, pelo menos no continente africano, os Estados não correspondem à composição étnica tradicional dos territórios, pois resultaram de fronteiras arbitrárias estabelecidas pelos colonizadores, o que, aliás, tem dado e continuará a dar origem a conflitos violentos em muitos desses Estados.
Gostaria de desenvolver a noção de Nação, que me parece ser a mais intrinsecamente conexa com o tema da identidade nacional. Para além dos elementos que enunciei no anterior comentário(geográficos, históricos e psicológicos), penso que devia desenvolver uma linha de análise que respondesse a esta questão: como se adquire a consciência da nação? Em que momento os interesses mais imediatos ou próximos, como a familia e a comunidade, deixam de ser suficientes e passa a haver uma consciência mais larga de colectividade nacional? Quais os sedimentos históricos que levam a essa transição da comunidade local para um certo colectivo alargado num território que se sabe, que se sente, mas que, por vezes, mal se conhece?
Espero que outras reflexões possam trazer mais elementos de análise.
Um abraço.