14 janeiro 2014

Impérios do espírito - Pátria em Voz: Carlos Fiúza

É meu propósito começar por realçar os excelentes escritos de José Alegre Mesquita sobre o que entende ser Pátria e, sobretudo, sobre o que nos leva a “SER” Português.
Como exemplo, repesco uma citação sua (e que me parece particularmente feliz):

“No entanto para Sérgio Campos Matos esta teoria é deveras reducionista,… sonegando a memória oral, a consciência de pertença a uma cultura, a uma língua e a um património antropológico comum”.

É sobretudo sobre este “ponto” que farei incidir o meu pensamento.

Escrevi um dia: “Não se leve a mal que, não só pelo amor ganho no estudo constante, mas também pelo zelo do valor ou ciúme defensivo das belezas da fala pátria, alguns apaixonados dela convidem os indiferentes a apreciá-la e os indisciplinados a respeitá-la”.
Ora, representando a nossa língua um valor tal, quase será pleonástico afirmar que nos cumpre a todos estudá-la e defendê-la. No entanto, parece haver aí muito quem faça propaganda em contrário.
Há uns largos anos, numa determinada Universidade americana, famoso político (Winston Churchill), a cujas mãos esteve ligado o destino de um grande império, afirmou que “os impérios do futuro serão os impérios do espírito”.
E quem tal asseverou não deixou de cuidar atentamente da situação do seu idioma no mundo.
A bem da verdade, em Portugal ainda há quem pense que os problemas do idioma são de secundário valor na vida espiritual da nação.
Para mim, o dom mais precioso de um povo é a sua língua.
O mar fez-nos a Língua universal. A voz do Poeta deu grandiosidade àquela que já conquistara o universo.
Logo, a nossa Língua é a nossa pátria em voz.
Se a Pátria vem do Povo, a pátria é simbolizada pela Voz do Povo, Voz da divindade linguística.
“Esta é a ditosa Língua nossa amada!”.
A Língua de um Povo é o liame visível do passado, a realidade presente, a continuação no futuro.
O sentimento da Língua pátria é perene, se não eterno.
Dentro de uma nação pode haver “pátrias”, realidades mais fundas de cunho étnico.
- Na Hungria às minorias étnicas correspondem pluralizações dialetais. Logo, a diversidade linguística acusa diversidade pátria, na unidade nacional.
- Na Suíça, há zonas pátrias na unidade nacional: no conjunto geográfico da França, a Suíça fala, naturalmente, o francês; junto da Alemanha, o alemão; junto da Itália, o italiano. E nas montanhas o “romanche”. Pois nessa pluralidade linguística a própria expressão nacional pede ao francês a unidade prática.
- A América do Norte, como pátria, é cada vez mais ciosa dos particularismos do “slang” americano.

Il conceito di língua nazionale nasce, fra i populi, insieme col sargere conscienza nazionale” (Giulio Bertoni - Língua e Cultura).
(O conceito da língua nacional nasce, entre os povos, juntamente com o surgir da consciência nacional).

E o nosso Herculano não disse pior, ao afirmar que a Pátria é a Língua em que pela primeira vez a nossa mãe nos disse - meu filho!
Nunca a desnacionalização dos idiomas esteve tão perigosa como hoje. As comunicações são mais rápidas, os ares trazem-nos vozes estranhas que as emissoras espalham na intimidade dos lares da cidade, da vila, da aldeia, e até na habitação da serra.
Os telegramas noticiosos dos jornais exalam pestilento cheiro a expressões estrangeiras e estrangeiradas.
É um problema social este da defesa cultural do Idioma.
Falam o Português, nesse Mundo além, milhões e milhões de pessoas… a pastorinha da Lusitânia, tornada rude com os Romanos bélicos, nasceu para altos destinos.
A Língua ibero-latina conquistou o palmito de terra da Península, fez-se ao mar, cantou pela voz do Poeta máximo.
E hoje no Brasil gigante, e hoje na Ásia em restos de glória, hoje em África em esperanças de civilização, a Língua ditosa nossa amada é bem o símbolo da pátria portuguesa.
Se a nossa Terra se quer dar a conhecer ao Mundo, como tem de apresentar-se?
Com este símbolo pobre mas honrado, com este símbolo glorioso que vou buscar aos Lusíadas: “o nome eterno de Portugal”.

O que é, então, a Pátria?
Sem descurar todos os fatores apresentados por José A. Mesquita (e até concordando com eles), foi-me ensinado (ainda menino) que Pátria é a terra dos antepassados (terra patrum), terra dos nossos pais, no sentido em que nos deram a vida num ponto da Orbe que para nós é a melhor ambiência.

Sono una cosa pátria e lengua, pensiero e parola, parola e vita” (Edmundo d´Amicis).
(Língua e pátria, pensamento e palavra, palavra e vida - tudo é uma e a mesma coisa).

Como é sabido, o português arcaico e a língua galega são uma e a mesma coisa: a fala do povo português foi originalmente a mesma do povo galego e esta comunidade linguística galécio-portuguesa prolongou-se até ao século XIV, com expressão artística no lirismo peninsular.
Ora, se a independência portuguesa era anterior a este século, está-se a ver que a amplitude e a flexibilidade, ganhas depois pelo português (e não conseguidas pelo galego) constituem razões comparticipantes da sua categoria de língua com individualidade definida. Quero dizer, temos de pôr como básico motivo da personalidade da língua portuguesa, não isoladamente a independência política do povo português, mas essa independência estritamente ligada à independência idiomática, ao cunho da originalidade que o latim popular ganhou na região galécio-portuguesa e que se prende à ancianidade dos elementos étnicos e psicológicos da Lusitânia.
Evidentemente, a independência de Portugal era indispensável para o florescer da sua língua, e tanto assim é que o galego quase que parou na sua evolução pelo reprimir de vida imposto pelo castelhano; ao passo que o outro ramo do primitivo dialeto luso-galaico produziu todas as florações da literatura portuguesa.
Diferente do espanhol não só pela separação política, mas pela própria separação entre o caráter lusitano e a índole castelhana, o idioma português, espalhado por novos Mundos, temperou-se e retemperou-se sob todos os céus: bastaria haver-se transplantado para o Brasil para ser grande a sua categoria de língua universal.
Em tempos idos, quando a Europa, graças a Portugal, se foi para a África e para a Ásia, vimos (como observou Schuchardt) que “a história dos descobrimentos e das conquistas foi também em geral a história da propagação da língua portuguesa… Considerava-se então que o português era a língua cristã por excelência e um indício de cultura europeia.”
Quero dizer, a disseminação da língua pelo Mundo (“em pedaços repartida”) pode reparti-la a ela mesma no contacto com os ambientes estranhos. O prejuízo deste desaparecimento idiomático é óbvio.
Qual o processo legítimo de defesa da nossa “personalidade” idiomática?
O processo terá de ser cultural. Como? Escolas portuguesas em países estrangeiros, intercâmbio cultural (livros, jornais, emissões radiofónicas e televisivas), igrejas portuguesas, associações, grémios, sociedades, clubes de Lusitanos, etc.).
Outro aspeto importante! Pedem os portugueses da América a presença de bons livros portugueses, mas vêm que só os do Brasil por lá aparecem: traduções brasileiras, autores brasileiros, gramáticas brasileiras, dicionários brasileiros.
Livros de autores portugueses - quase nada! Ou então livros mal traduzidos que desprestigiam a nossa Língua. Ora, Portugal não pode nem deve desinteressar-se do problema da nossa Língua na América e urge auxiliar de modo eficiente as escolas, os jornais, os clubes já existentes e manter o clero português nas igrejas portuguesas.
Não basta repetir liricamente que a Língua portuguesa se espalhou do Labrador à Califórnia, graças a Corte-Real e Cabrilho.
É preciso levar a esses Portugueses ou a esses Luso-americanos (sem os quais, no dizer dos Americanos, “uma batata não medra, se não se lhe falar em português”) a luz de Portugal.
Livros de autores portugueses para a América do Norte, professores portugueses para as escolas secundárias dos Estados Unidos e até para as secções portuguesas de Universidades, onde eu sei (senti-o na pele) que, na generalidade, aparecem quase sempre ou Brasileiros ou… Espanhóis a ensinar português!
Precisam-se Leitores de Português nas Universidades americanas, adidos culturais nas Embaixadas e nas Legações e de professores, muitos professores portugueses.

“… Ponha o seu chapéu na sua cabeça, se me faz favor.”
Ensinava isto um “Portuguese Method” editado na América!

Mera troca erudita não basta.
Atente-se no que nos diz (sabiamente) Fernando Gouveia:
“Quais os sedimentos históricos que levam a essa transição da comunidade local para um certo colectivo alargado num território que se sabe, que se sente, mas que, por vezes, mal se conhece?




Carlos Fiúza

3 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem, Carlos Fiúza, mas há tanto e tanto que dizer e escrever sobre este assunto, que resumo assim: "DA MINHA LÍNGUA VÊ-SE O MAR"...
Abraço.

HR

Anónimo disse...

Eu nada sei sobre tudo isto. Só me parece, isso sim, a escrita de CF brilhante, de nos deixar pasmados, de boca escancarada de admiração. Não sei se terá razão em tudo o que diz ou se será atraiçoado, aqui ou ali, pelo grande amor que nutre pela nossa língua. Em todo o caso, agora, a minha atenção vai toda para o brilhantismo da sua palavra.
JLM

Fernando Gouveia disse...

Tenho seguido os excelentes artigos de JAM, que vão mais longe, penso eu, do que o propósito inicial de discutir a identidade nacional. Acabei de ler a intervenção do CF. Fiquei maravilhado...e vá lá...um pouco orgulhoso de ver na minha terra um lugar onde se discutem a sério coisas sérias.
Eu resumo como o HR, "da minha língua vê-se o mar" e, mais do que isso, vê-se o mundo.
Não tenho agora disponibilidade para mais, atrapalhado com uma viagem ao Oriente e com uns afazeres profissionais. Talvez dentro de dois meses tenha confirmado o valor identitário da língua com exemplos concretos: Em Goa, já eu senti o orgulho de indianos que ainda "arranham" português e nisso têm orgulho. Em Malaca, recolheu o meu filho testemunhos vivos de descendentes de famílias portuguesas do Séc. XVI. Mas, para o tema lançado pelo JAM o que é talvez mais importante não são esses testemunhos da língua, mas o sentimento de identidade que eles provocam em nós.
Um abraço a todos.