A
obra está completa. A máquina flameja,
Desenrolando
o fumo em ondas pelo ar.
Mas,
antes de partir mandem chamar a Igreja,
Que
é preciso que um bispo a venha baptizar.
Como
ela é concerteza o fruto de Caím,
A
filha da razão, da independência humana,
Botem-lhe
na fornalha uns trechos em latim,
E
convertam-na à fé Católica Romana.
Devem
nela existir diabólicos pecados,
Porque
é feita de cobre e ferro; e estes metais
Saem
da natureza, ímpios, excomungados,
Como
saímos nós dos ventres maternais!
Vamos,
esconjurai-lhes o demo que ela encerra,
Extraí
a heresia ao aço lampejante!
Ela
acaba de vir das forjas d'Inglaterra,
E
há-de ser com certeza um pouco protestante.
Para
que o monstro corra em férvido galope,
Como
um sonho febril, num doido turbilhão,
Além
do maquinista é necessário o hissope,
E
muita teologia... além de algum carvão.
Atirem-lhe
uma hóstia à boca fumarenta,
Preguem-lhe
alguns sermões, ensinem-lhe a rezar,
E
lancem na caldeira um jorro d'água benta,
Que
com água do céu talvez não possa andar.
3 comentários:
A Arte de ser Poeta
Muito se tem falado a respeito de Guerra Junqueiro.
Ora, desde já digo que o Guerra Junqueiro de filosofismo político ou religioso não me interessa. Esse fica fora do que vou escrever.
Quem vem à liça de crítica estético-literária e filológica é o Guerra Junqueiro, Artista da palavra.
Também não falarei do livro A Velhice do Padre Eterno, porque o próprio Junqueiro escreveu isto: “A Velhice do Padre Eterno é um livro da mocidade. Não o escreveria já aos quarenta anos”.
Vou, pois, chamar à nossa admiração o poeta lírico das imagens e das figuras, o poeta das metáforas e das hipérboles e não o poeta caricatural ou apaixonado.
Há quem o negue, mas eu afirmo e demonstro que uma das mais admiráveis qualidades da poesia junqueiriana é a musicalidade dos seus versos.
Muitos destes, por um sortilégio de ritmo, melodia e harmonia, ao lerem-se têm como que um andar musical irreprimível.
Por exemplo, estes de Os Simples:
“Pobres de pobres são pobrezinhos,
Almas sem lares, aves sem ninho.”
…
É em novembro, rugem procelas…
Deus nos acuda, nos livre delas!”
A sequência, a distribuição e o andamento destas palavras são como verdadeiros motivos sonoros de musicalidade.
Junqueiro compara os “pobres de pobres” a almas sem lares, a aves sem ninhos; mas, continuando, e ao observar que no tempo em que surgem procelas os pobrezinhos trazem “mantas aos ombros”, logo o seu espírito arquiteta outras imagens, e diz:
“Como farrapos, coisas sombrias,
Trapos levados nas ventanias…”
Diz-se que a sorte ajuda os audazes.
Pois, se assim é, a sorte poética de Junqueiro sempre o ajudou nas suas audácias expressionais.
Por exemplo, a chamada prosopopeia, aquela figura de colorido verbal que atribui vida inteligente e ativa a seres carecentes dessa vida, tal figura é amiúde uma das magias da poética junqueiriana.
Ao cantar essa moleirinha, que “pela estrada plana guia o jumentinho”, “um jerico ruço de uma linda cor”, Guerra Junqueiro atreve-se a uma prosopopeia colossal, que esmaga pelo arrojo, mas que, por outro lado, encanta pela ideia e pela forma:
“Pela estrada plana, toc, toc, toc,
Guia o jumentinho uma velhinha errante,
Como vão ligeiros ambos a reboque,
Antes que anoiteça, toc, toc, toc,
A velhinha atrás, o jumentinho adiante!”
Terminarei, realçando um facto que eu quisera ficasse bem nítido - a poesia de Junqueiro é uma poesia que vive e sobrevive pela magnitude das imagens, das tropologias, das figuras, das alegorias.
Esta magnitude, por um compreensível paradoxo não deixa de manter-se, quando esse Gigante do verbo poético descansa a sua força verbal nas linhas simples dos versos simples.
Fez bem José Mesquita em trazer-nos este "Monstro".
CF
Claro que a análise que fez C.F. só ele consegue fazer.Para mim,para lá da forma poética,encantatória,da beleza da rima,sobreleva com maior importância a relevância posta no valor da ciência e respectiva tecnologia em contraposição com o obscurantismo duma religião que era altamente impeditiva do progresso.
JLM
Afinal, CF acaba por ir ao encontro da liça estético-literária do nosso fabuloso poeta transmontano (das bordas do Freixo...)! E com que suprema nitidez e sapiência o fez! Gostei muito. Sinceramente.
HR
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