Imagine-se uma noite fria de inverno.
A escuridão e a frialdade dominam os campos e montes, vales e
planícies. Os homens e as feras, os pássaros e os répteis - todos os animais
procuram aquecer-se.
Ora, nos tempos primeiros da vida, o homem aprendeu a fazer fogo.
E o fogo reúne, há milénios, pais e filhos e netos.
À volta dele aquentam-se os corpos, aquentam-se corações,
aquecem-se alimentos.
Pois esta nossa palavra fogo,
com que se menciona hoje todo o local apropriado à habitação de uma só família
ou convivência, o lar, a casa, a sede de uma família, esta palavra fogo traz
consigo a poesia milenária do lume, à volta ou diante do qual se reúnem os que
o amor, por qualquer forma, aproxima.
Fogo veio do latim focus,
o lar, a lareira, o fogo, a chama.
Quaisquer que sejam as religiões, quaisquer que sejam os
modos de viver dos aglomerados humanos, sempre o fogo é um reunidor natural por excelência, porque, ou para
aquentar, ou para iluminar, ou para preparar o alimento, ele é o centro da família, dos que convivem.
Na sua definição mais simples, a habitação é o lugar onde alguém se aloja permanentemente.
No latim habitatio
era o lugar onde alguém se alojava quando queria; era o uso que se fazia de uma
casa.
Distinguia-se a “habitatio” do “domicilium” e da “domus”:
- Domus, a casa,
era a construção, o edifício.
- Habitatio,
habitação, implicava a ideia do uso de uma casa para alojamento.
- Domicilium,
domicílio, ajuntava à ideia de habitação a relação com a sociedade civil.
A palavra prédio veio-nos do latim “praedium”, que envolvia
uma ideia de caução ao Estado pelos bens imóveis, pelos bens de raiz. Abrangia
terras, herdades, etc. Derivou de “praedes”, os fiadores dos proprietários.
Na nossa província ainda hoje o povo mantem esta aceção
etimológica, quando diz - vendeu um prédio de quatro casas e um grande terreno,
considerando-se os terrenos como fazendo parte do prédio.
Palavra das mais inconstantes que nós temos em Português é a
palavra casa.
Casa significava, na origem, abrigo, cabana, choupana, tenda,
barraca.
Todavia, contra o que sucede no norte de Portugal e em outros
pontos da província, casa em Lisboa toma-se no sentido de divisão. Chega a ouvir-se isto em falares da capital: a minha casa
tem tantas casas, isto é, tantas divisões.
O povo do norte é mais claro, empregando sala: a sala de
jantar, e não a casa de jantar, etc.
E os do norte mostram tanto cuidado em evitar casa por divisão que à casa de banho chamam
preferentemente quarto de banho.
A célula familiar é a família,
porque a família é a primeira sociedade humana. Quer nas cidades, que, por
definição, são centros de civilização, quer nas florestas, onde o homem viva na
primitividade, a família é o agrupamento natural, que vem da necessidade inevitável
que todo o homem sente de não viver insulado.
Os próprios nómadas da estepe sentem a necessidade de se
agrupar, e por isso o nomadismo se agrupa em tribos.
O conceito de família
pode variar em pormenor. Assim, o sentido lato em que mais comummente se
emprega família é este - a sociedade constituída por pai, mãe, filhos e até por
todas as pessoas do mesmo sangue, parentela ou afinidade.
Nesta aceção ampla, diz-se, por exemplo: Este ano vou à
terra, onde tenho família, parentes vários, primos, etc.”
Também se entende por família
propriamente dita a reunião de pai, mãe e filhos, quer em convivência na mesma
habitação, quer em lares separados.
O casamento é considerado por vezes (e na própria legislação
se nota essa deficiência de conceito e de definição) como constituindo a
família. Ora, a família,
profundamente considerada, é uma realidade mais ampla que abrange várias
gerações e até envolve tradições. A família, no sentido lato, não é só o grupo
formado pelo varão, pela mulher e pelos descendentes. É-o também por outros
parentes.
Mas nem sempre se podem admitir estas noções de âmbito tão
largo e, em geral, adota-se o processo prático de considerar família a
comunidade doméstica, ou o grupo de pessoas que se alimentam em comum.
Este conceito está próximo do conceito romano.
Na orgânica social dos Romanos, família era um termo de
conjunto mais designador das ramificações do tronco da Gens.
Família compreendia o pai (pater famílias), a mãe, os filhos,
os servos (criados e escravos conviventes na mesma casa).
Tanto nesta constituição social, como em outras anteriores,
sempre houve um cabeça, um chefe.
Por exemplo, no regime patriarcal hebraico, lá vemos o patriarca, o chefe da tribo, como um pai, ao mesmo tempo sacerdote,
juiz e até rei.
Em toda a vida de associações, há necessidade de alguém ser o
cabeça dos demais.
A Igreja tem o Papa,
o Padre Santo, como se diz em são português, mais ao uso de hoje, o Santo
Padre. Ora, em Papa, na essência, havia o sentido de respeito e deferência
devidos ao Pai da Igreja, pois o
grego pappas tem o significado de
Pai, que o latim cristão papa
manteve.
Termo belo pelo significado é a palavra mãe!
Em latim mater,
que deu madre e mãe em português, era mais do que genitrix (a geradora).
Mater expressava a que gera e alimenta.
Mãe é fonte, é origem, mas também a protetora da vida gerada.
Mater era venerável, respeitável.
Homem e mulher juntos numa casa - ponto de partida social (a casa rústica lá estava a negar a
solidão humana).
Daí nasce o pequeno povoado, o lugarejo, a povoação, a
aldeia, a vila, a cidade, o país… a Pátria.
E amanhã?
Como verão os nossos vindouros o “in illo tempore“?
Como se referirão eles ao fogo que lhes aqueça o caldo… que lhes aquente os corpos, os
corações?
Terão eles casa… e
pátria (tal como hoje a conhecemos)?
Carlos Fiúza
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