30 setembro 2012

In solidum



Antes do liberalismo, a administração das aldeias, grosso modo, era decidida pela Igreja. O governo das paróquias, mais tarde freguesias, estava confiado ao pároco que era coadjuvado pelos homens mais respeitáveis, primeiro indicados pelo povo ou escolhidos pelos párocos e mais tarde nomeados pela administração concelhia, chamados juízes de vara ou vintena. Este ministério vincadamente presbítero-religioso chega aos nossos dias na forma das juntas fabriqueiras. A paróquia torna-se, a principal instituição de agrupamento e organização sociopolítica das comunidades locais portuguesas. Ao longo dos séculos XV a XVIII, tem expressão material na construção ou reforço da Igreja Matriz e nela se centralizarão as principais atividades e poderes eclesiásticos-religiosos. O poder real através do município, mas, em articulação com as paróquias, enquadra as medidas e políticas a todo o território.

Com a eclosão do liberalismo e a publicação do decreto de julho de 1835 foram formadas as freguesias civis ou juntas paroquiais tendo como base as paróquias e também se determinava que a eleição deveria ter “as mesmas solenidades” da realizada para as Câmaras Municipais.
Só com os republicanos, no poder, embora mantivessem a divisão distrito, concelho, freguesia, assim como os magistrados administrativos que lhe tinham sido atribuídos, cortaram o cordão umbilical que as ligava à Igreja. Com a lei de 1916, as paróquias civis passam a designar-se freguesias (e a Junta de Paróquia passa a designar-se Junta de Freguesia), fixando-se assim a diferença entre a estrutura civil (freguesia) e a estrutura eclesiástica (paróquia).

Na atualidade, a Igreja antecipa-se ao poder político e promove uma verdadeira revolução organizativa do serviço pastoral na diocese de Bragança-Miranda. Perante muitas as resistências, a fórmula conseguida, ainda longe de estar validada assenta em princípios incontestáveis.
O mais importante são o do Concílio Vaticano II que aponta para uma maior envolvência dos leigos e depois os estabelecidos no decreto pastoral,  «que as áreas territoriais sejam delimitadas de modo homogéneo, também do ponto de vista sociológico; que as paróquias envolvidas realizem uma pastoral de conjunto; (…) que cada comunidade, mesmo pequena, tem direito a um autêntico e eficaz serviço pastoral» e o não menos importante é que a nova estrutura evite “que um conjunto de paróquias se torne uma superparóquia ou uma estrutura centralizada que abafaria as pequenas comunidades". 

A nova reforma, reconfigura os 12 arciprestados existentes para quatro; As 326 paróquias foram agrupadas em 40 unidades pastorais, 19 das quais com pároco “in solidum”, ou seja, com comunidades sacerdotais responsáveis por uma ou várias paróquias em espírito solidário.
Sabemos que a base desta reorganização se deve à falta de sacerdotes e à diminuição demográfica, porém a reconfiguração deve-nos fazer refletir sobre reorganização territorial face aos novos desafios dos gastos públicos, da contenção orçamental e da diminuição demográfica. 

A fórmula matemática usada pelo poder político para as freguesias do distrito é uma redução em vinte e cinco por cento do total, incluindo todas as que tenham menos de 150 habitantes. Esta é uma fórmula “estúpida” que nada resolve. O contínuo despovoamento, novas necessidades das populações centradas no apoio aos idosos e às questões ambientais vão tornar brevemente este método obsoleto e inapropriado. Nem solidus nem in solidum.

3 comentários:

Anónimo disse...


“Freguês”

O núcleo populacional chamado “freguesia” guarda neste nome o símbolo da coesão dos vizinhos que se abrigam na igreja comum.
À mesma igreja mãe ou “matriz” do agregado de lugares próximos vão os vizinhos pedir, nas cerimónias religiosas (mais do que nas orações pessoais), o pão de cada dia e o perdão das ofensas recíprocas.

“Paróquia” se lhe chama também, embora com impercetível desajuste de emprego prático; e o termo é próprio e tradicional.

Mas “freguesia” tem um cunho peninsular inconfundível, porque marca o tipicismo da vida espiritual no nosso país e na Espanha.

Tomemos o vocábulo grego “paroikia”, de “para”, ao lado + “oikia”, casa.
Freguesia significa, pois, agrupamento de casas que ficam perto umas das outras.

Mas o termo “paróquia” não se manteve na pureza da aceção inicial de proximidade: o latim eclesiástico “paroecia (equivalente ao grego “ paroikia”) alterou-se no baixo latim em “parochia”, onde vemos emergir a aceção, já material, de “parochus”, fornecedor dos que viajam.

Ora, as palavras portugesíssimas “freguês, freguesia”, essas têm por si maior espiritualidade: “freguês” é filho da igreja matriz – “filius ecclesiae”.
Por metáfora, passou “freguês” a referir o que costuna ir comprar a uma loja.
(E hoje vemos “cliente” a desbancar o vocábulo “freguês”).
Mas, assim como freguesia não perdeu o significado peculiar com o facto de, também metaforicamente, mencionar as pessoas afreguesadas, assim igualmente “freguês” não deve perder-se na aceção material, olvidando a espiritual.

- “Fosse eu pároco da aldeia, que sempre à estação da missa havia de ler e reler Gessner aos meus fregueses.”
(Feliciano de Castilho, in “A Primavera”).

CF

Unknown disse...

Caro JAM: Acabei por ficar sem saber que estrutura arquitetou para as freguesias de Carrazeda.
Fala em certos serviços mas parece que eles devem dimanar da sede do concelho.
Não acha que será bom habituar as pessoas a juntarem-se e discutirem os problemas num centro que as agregue?A solução de resolver os problemas através do padre, do professor ou do presidente da junta não será uma solução ultrapassada e um atestado de menoridade aos habitantes das aldeias?
Para ajudar os velhos ou os inválidos não temos a GNR, a Misericórdia e, sobretudo,os funcionários da câmara disso incumbidos?
JLM

josé alegre mesquita disse...

Meu amigo JLM:
Não me cabe arquitetar nada para reorganização das freguesias do concelho porque ninguém me deu esse mandato.
A minha ideia, penso muito clara, já aqui foi explanada mais do que uma vez. Ela não é muito diferente da sua como pode conferir. Porém, era o povo que deveria decidir e para isso havia o referendo. Era a melhor solução e a legislação permitia-o.
Curioso é o meu amigo dizer que não entende a minha ideia e logo conjeturar sobre pretensas soluções que eu defenderei.
O meu objetivo com o post acima foi exclusivamente fazer um paralelismo com o verificado na reorganização paroquial do distrito. Esta sim mais pensada e realísta.
De um lado esquadro, régua e percentagens; do outro objetivos e uma proposta adequada aos novos tempos e contextos.
De um lado demagogia e desconhecimento da realidade, do outro pragmatismo e saber fazer.
Diferenças que saltam aos olhos.