27 agosto 2012

FADO FALADO : Carlos Fiúza


Era uma vez um Povo com uma história de quase novecentos anos…
Esse povo tinha as suas raízes bem espalhadas pelos quatro cantos do mundo… as suas caravelas tinham rasgado os mares, a sua língua levado cultura e humanismo a muitos outros povos de diversas cores.
Mas este era um povo muito “sui generis”…
Outrora já tinha acreditado em Adamastores, em Alcácer Quibir(s) … em luzes ao fundo dos túneis!
Era o que se dizia ser: um povo simultaneamente crédulo e sonhador.
Ainda que pobre, sempre soubera sonhar com benesses, com árvores de patacas, com o mel das terras do Prestes João… (o seu Santo António, ainda que em azulejo, nunca lhe deixara faltar o pão e o vinho sobre a mesa).
Tinha delapidado a pimenta da Índia e os diamantes do Brasil em obras sumptuosas, é verdade, mas outros mundos viriam… a sua carta astral (ainda que ardida nas fogueiras da Inquisição) não o podia enganar.
E então agora, com a adesão à Europa, os fundos comunitários que recebia amplificavam o seu sonho!
Comprou casas de férias, carros último modelo, bons colégios particulares para os filhos, férias para toda a família nos melhores lugares da moda do estrangeiro.
Porque não?! O crédito jorrava (lá donde ele vinha, e em que condições, não sabia; nunca lho disseram).
A saúde e a educação melhoraram… qualquer povoado era agora cortado por uma via rápida, com um centro comercial bem pertinho.
E esse povo sonhava e sorria… já não precisava de esgaravatar a terra, enfrentar o mar, manipular a máquina.
Bendita Europa! Amealhar para quê?... Não estava só!
E o seu desejo (ou sonho?) de viver mais e melhor (ainda que bem acima das suas possibilidades) crescia exponencialmente…
Entretanto…
Tinham-lhe falado de uma nova moeda (milagrosa, mesmo revolucionária!) que já corria por parte dessa sua Europa e que equilibrava todas as contas públicas; que acabava com as diferenças entre países pobres e países ricos. E que essa nova moeda era sólida, solidária, inatacável!
E essa nova moeda “soprou-lhe” ao ouvido… e esse Povo (que nada sabia sobre ela, nem foi consultado) deixou-se “embarcar” no dito EURO!
Os cravos refloriram, as fronteiras do prazer voltaram a ser cruzadas… os ares e os mares reabriram ao sonho num abraço universal; a velha “mala de cartão” foi escondida no sótão!
Era tudo a crédito… mas esse Povo não tinha a noção do que isso representava! O EURO lá estava, forte, imbatível… altruísta!
Até que um dia…
Os bancos como que “fecharam para balanço”, as torneiras do dinheiro fácil e barato entupiram… os mercados financeiros rotularam-no deLIXO”!
Nunca sofrera tal humilhação… nunca os seus “Penates” lhe perdoariam!
Nunca ninguém lhe tinha dito que isto poderia vir a acontecer… o sonho e o pesadelo deram as mãos.
O seu já de si magro salário encolheu… os subsídios (a que sempre chamara “direitos adquiridos”) foram confiscados.
E tudo em nome de um “deficit” de que nunca tinha ouvido falar… que sempre lhe mascararam!
Sentia-se enganado, perdido!...
O EURO foi o seu “SAPO”!...
O “Príncipe” dentro dele não passava, afinal, de um embuste!...
O seu “beijo” só lhe trouxera mais pobreza, desilusão e pranto!
E foi então que esse Povo (pela primeira vez na sua existência) teve necessidade em saber mais… e consultou a Internet… e leu:
Mercantilismo - doutrina económica criada por Colbert (Ministro das Finanças da França durante o reinado de Luís XIV) e que atingiu o clímax no século XVII, afirmando-se em toda a Europa. Tinha por objetivo a formação de um Estado forte, mediante regulamentação centralizadora da vida económica do país, com vista a fomentar (entre outros sectores) as exportações”.
Como o texto estava em francês, eis (em resumo) o que ele entendeu (in “Le Diable Rouge” - Cardeal Mazarino, Primeiro Ministro de França e sucessor do cardeal Richelieu - de Antoine Rault):
Colbert: Para encontrar dinheiro, há um momento em que enganar (o contribuinte) já não é possível. Eu gostaria, Senhor Primeiro Ministro, que me explicasse como é possível continuar a gastar quando já se está endividado até ao pescoço…
Mazarino: Se se é um simples mortal, claro está, quando se está coberto de dívidas, vai-se parar à prisão. Mas o Estado… o Estado, esse é diferente! Não se pode mandar o Estado para a prisão. Então, ele continua a endividar-se… Todos os Estados o fazem!
Colbert: Ah sim? Mas como faremos isso se já criamos todos os impostos imagináveis?
Mazarino: Criando outros…
Colbert: Mas não podemos lançar mais impostos sobre os pobres!
Mazarino: Sim, é impossível.
Colbert: E sobre os ricos?
Mazarino: Os ricos também não. Eles parariam de gastar. E um rico que gasta faz viver centenas de pobres.
Colbert: Então como faremos?
Mazarino: Colbert! Tu pensas como um queijo, um penico de doente! Há uma quantidade enorme de pessoas entre os ricos e os pobres: as que trabalham sonhando enriquecer e as que trabalham temendo empobrecer. É sobre essas que devemos lançar mais impostos; cada vez mais, sempre mais. Quanto mais lhes tirarmos, mais elas trabalharão para compensar o que lhes tiramos! É o “laissez faire, laissez passer”. Aprende, Colbert!
Aterrorizado pela analogia do que leu (século XVII versus século XXI), esse Povo (também primeira vez) teve consciência do futuro… e pensou:
- E no futuro; o que esperar no Futuro? Haverá realmente “vida” para além do “deficit” (como já ouvira na televisão)?
Sem saber a resposta, temeu… temeu, sobretudo, a arrogante pretensão do eixo franco-alemão em controlar os orçamentos dos diversos Estados membros (em humilhante desprezo pelas várias Assembleias Nacionais, democraticamente eleitas) … e interrogou-se:
- E se o EURO implode? O que será voltar ao “velho” Escudo com uma desvalorização nunca inferior a 40%...? E a inflação interna, como será…?
- Será possível que os meus filhos se vejam obrigados a recuperar a velha “mala de cartão”…?
- Será, ainda, mais possível que os filhos dos meus filhos, para voltarem à escola (com as cantinas entretanto falidas), tenham de levar a “bucha” quotidiana (enfiada à pressa numa qualquer marmita), como os pais dos meus pais e antes deles os pais dos pais dos meus pais o fizeram…?
Não sei responder a esse Povo (as suas interrogações são as minhas dúvidas), mas pergunto-me:
- No futuro, não continuará ele a acreditar em “GÉNIOS”… em “SAPOS”?
Temo bem que sim…
- É a sua índole… É O SEU FADO!

Carlos Fiúza

9 comentários:

mario carvalho disse...

Regresso às cavernas fruto do progresso de progressistas bacocos, incompetentes , inconscientes e depravados

o melhor é afundar tudo

mario carvalho disse...

citação

Mais uma trafulhice do senhor Gaspar e Cia para arranjar massa ao lado do perímetro orçamental, a fim de poder financiar (ilegalmente?) a insolvente TAP.


Donde pensam que virá o tal reforço de capital da empresa mal-gerida pelo gaúcho Pinto? Como sempre dissemos, só um doido é que compraria as astronómicas dívidas da TAP nesta altura do campeonato mundial da aviação (que não ganha para o combustível), e ainda por cima com exigências portugas do género: a TAP continuará a ser uma companhia de bandeira; a TAP não prescinde do mini hub brasileiro e africano da Portela; a TAP não dispensa o serviço às ilhas a preços subsidiados; a futura TAP tem que meter no CA alguns meninos e meninas cor-de-laranja.... Enfim, a via grega para o suicídio!


OAM



A China Three Gorges (EDP) e a State Grid e a Oman Oil Company (REN) já pagaram a totalidade dos 3.282 milhões de euros, mas nos cofres do Estado entraram apenas 760 milhões, respeitante às primeiras tranches de cada uma das operações de privatização. Os restantes 2,5 mil milhões (2,1 mil milhões da EDP e 432 milhões daREN) continuam na Parpública, que assim está também a arrecadar os juros respectivos.


Link: http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=574941&pn=1 (sent via Shareaholic)

http://o-antonio-maria.blogspot.pt/
_________________

josé alegre mesquita disse...

É sempre uma delícia ler o Carlos Fiúza pela clareza da escrita, ao mesmo tempo profunda e coloquial, e pelo ensinamento que nos transmite.
Bem haja!

Afinal, a interpretação do presente exige sempre um conhecimento fundamentado do passado.

Alguém aqui escreveu que o passado não importava. Será?

mario carvalho disse...

o passado só não importa a quem não o tem ou tem razões para se envergonhar dele

mario carvalho disse...

http://www.youtube.com/embed/nGeXdv-uPaw


passado, presente e futuro???

Unknown disse...

O assunto que aqui levantou mais celeuma foi o da importância do passado e do seu exemplo para a solução dos problemas hodiernos.
Nos comentários aparece uma posição curiosa que afirma que o passado só não importa a quem não o tem ou tem razões para se envergonhar dele.
Parece ser referido aqui apenas um sentido do passado: o de cada um de nós. Nesse sentido, não existe passado da Brunheda, de Carrazeda, de Portugal, da Humanidade.
Para quê falarmos na civilização egípcia, na grega ou na romana se só importa o passado de quem o tem ou de quem dele não se envergonha, em suma, só importa o passado das pessoas vivas?
Nessa lógica,será que um homem sem ética no dia a dia pode falar do passado, ser um bom historiador?
Mas vamos ao aqui mais importa:
Como encarar o passado, no presente, e que importância lhe dar?
Primeiro – Para quem vive neste momento ,é claro que viver o presente é o que mais lhe importa, até porque, só vivendo no presente, pode recordar e reviver o passado. Num certo sentido, lembrar é viver novamente, é ocupar neste momento o cérebro com o que já passou, pensar nele, tornando-o presente.
Segundo: - Que importância dar aos factos passados?
A muitos deles é melhor esquecê-los porque o relembrá-los nos obriga a sofrer novamente com o chamamento à tona d´água.
Numa perspectiva menos pessoal, poderemos dizer que o passado serve de guia e de lição permanente para o presente.
Mas isto pressupõe uma invariabilidade que, pelo menos nos dias de hoje, se verifica em muito pequena medida.
Quando muito, poderemos dizer que a solução do passado se transforma numa hipótese de solução como qualquer outra hipótese que hoje se formule.
Todas as propostas terão a sua contribuição na solução que viermos a encontrar, sendo a contribuição do passado tanto menor quanto maiores forem as transformações entretanto ocorridas e nós sabemos que estamos numa época de mudanças constantes e profundas, que fazem com que as situações presentes cada vez tenham menos pontos em comum com as situações idas.
E C. F. tem bem consciência disto quando apresenta as suas propostas sob a forma interrogativa e dubitativa.
Parece que, hoje, é mais necessário muito estudo das circunstâncias presentes e muita imaginação mais do que transpor mecanicamente o que noutros tempos serviu .
JLM

Unknown disse...

Vale a pena ter como companhia a escrita de C.F. o seu pensamento e o modo de abordar a questão. Gostei e estamos todos de parabens pelo contributo que dá á casa, dio Blogue.No presente acho que este povo, não merece os politicos aue tem.No passado e após a revolução de 1974, fizeram-se coisas que passados 35 anos ainda são actuais como a Constituição da Republica, que estes sacanas, querem mandar às urtigas com a oferta dos canais de comunicação RTP. O amigo JLM, também pensa que o passado, é isso mesmo àguas passadas, mas que dizer do futuro que nos compromete? que impôe regras e métrodos, que eles politicos não seguem nem dão o exemplo, veja-se o caso do 13º e 14º m~es dos parlamentares e quejandos. Quem não se sente.. diz o povo e estes ladrões que reformam pessoas com 45 e menos anos com boas pnsões só porque desempenham cargos politicos? Que tem de especial a Assunção Esteves. presidente do parlamento?Ser mulher!, Se, ainda fosse jeitosa... ainda se podia comer, assim dizia a rapoza, referindo-se às uvas.

Anónimo disse...

Presente histórico

Quando, em narrações, se pretende atribuir à frase mais energia ou vivacidade, ensinam as regras que se deve usar o presente dos verbos em vez do pretérito.
Por este processo muitas vezes se consegue que o Leitor seja transportado, em espírito, à época dos factos.
E isto que todos observamos com o passado também se pode fazer com o futuro.
A vida passada para todos nós só torna a ser vivida pela memória.
A atualização que fazemos com o tempo presente dos verbos ajuda a recordar, a viver, portanto.
O mesmo com o futuro.
A nossa imaginação figura as coisas como reais, quando elas ainda estão no campo da ficção.

A análise de JLM é, assim, bem interessante e merece ser interiorizada, quando não debatida.

C.F.

Fernando Gouveia disse...

Encantado com a profundidade dos comentários. Afinal, na nossa terra, também há que saiba pensar! Parabéns a todos!