Estará Portugal a ficar sem Tempo?
A Terra faz anos sem dar por isso. A mente dos homens foi que criou o Tempo.
E o Tempo é relativo, mas não admira, porque nós pensamos relacionando
Na nossa linguagem corrente, ano é um período de 365 ou 366 dias, segundo a divisão do calendário que seguimos.
Ano, originariamente, quer dizer anel, tanto assim que em anel está implícito um diminutivo latino “anellus”, anelzinho.
Quando dizemos “à roda do ano”, “na roda do ano”, lá temos a mesma ideia circular. E a mesmíssima ideia está em “círculo da vida”.
Quer dizer, a Terra gira, e nós com ela. E, como tudo desliza no anel da existência, convém ir fazendo as contas.
No fim dessas contas, estas voltas e reviravoltas são reflexo das voltas que o mundo dá.
E o mundo dá voltas, porque a grande lei universal é o movimento.
Eu estive a olhar para um calendário, daqueles que trazem doze quadradinhos, numa espécie de gaiola, onde se colocam esses passarinhos que são os dias. Os dias voam, e não voltam mais, no irremediável “never more”.
Que é um dia, que é um mês, que é um ano, que é um lustro, que é um século?
São produtos da reflexão dos homens, ao pensarem na relatividade da existência. Eles mesmos criaram essas gaiolinhas, esses passarinhos que voam para a eternidade, quando se abre a porta da gaiola, que é a passagem “desta para melhor”.
Quer quando nós fazemos anos, quer quando os faz a Terra, ao chamado “ano novo”, em qualquer desses começos da nova tirada no caminho da vida, como caminhantes, naturalmente ansiamos por que a jornada seja, no troço imediato, senão de todo livre de obstáculos (circunstância impossível), pelo menos mais suave da que na passada ladeira.
Em cada lanço, em cada ano, esperamos que o Tempo que segue, o ano novo, seja menos fadigoso.
Chegados ao cume da Montanha, a Vista, a Paisagem final dependerá do nosso ascender.
Aliás, todos os Escritores portugueses figuram quase sempre a vida como um caminho.
O nosso Épico já disse (Lus. I, 105):
“Oh, caminho da Vida nunca certo,
Que aonde a gente for gera esperança
Tenha a vida tão pouca segurança!”
É a esperança, com efeito, o melhor e, por vezes, o único amparo contra essa inegável insegurança do nosso viver. Por isso, o povo diz com belo otimismo - Enquanto há vida, há esperança!
Muita vez, diante de um infortúnio são estoutras palavras otimistas que nos consolam - Haja saúde!
Mas que é o Tempo? Sabe-se lá?!
Filósofos de todas as idades se gastaram na ânsia de descobrir o mistério do Tempo.
Para uns, o Tempo é a mudança contínua, o número do movimento… o segundo, o que será antes e o que vem depois; para Descartes, o Tempo é a duração dos acontecimentos; para Kant, não passa de uma forma a “priori” da sensibilidade, sem valor objetivo, imposta antes da experiência; para o relativista Leibniz, o Tempo é um sistema de relações fenomenológicas.
Quem tem razão? Talvez todos a tenham, porque, na transcendência problemática das definições filosóficas, há parcelas de verdade nas próprias contradições.
Filósofos somos todos diante dos mistérios da Vida.
Haja em vista o dito do nosso povo quando define o Tempo assim: “O Tempo é relógio da Vida!”
E é mesmo!
Aqueles que sorriram agora da minha ingenuidade (ou audácia talvez) de considerar aceitável a definição popular do Tempo, mantenham o sorriso, mas substituam a troça pela simpatia para com este dito do povo. De que o Tempo é o relógio da Vida me convenço eu, não só ao observar esse provérbio, senão também ao ler estas páginas profundas de A. Carrel, no livro revelador que é “O Homem, esse Desconhecido”.
Ao estudar o que chama o “Tempo Interior”, observa Carrel:
“Adaptamos geralmente essa duração ao tempo dos relógios, visto fazermos parte do mundo físico. As divisões naturais da nossa vida contam-se em dias e em anos… Mas podemos, inversamente, comparar o tempo físico com o fisiológico, e traduzir o de um relógio em termos de tempo humano. Produz-se assim um estranho fenómeno: o tempo físico perde a constância do seu valor; os minutos, as horas, e os anos tornam-se, em realidade, diferentes para cada indivíduo e para cada período da sua vida. Um ano é mais longo durante a infância, muito mais curto durante a velhice… Os dias da infância afiguram-se-nos muito lentos; os da maturidade de uma rapidez desnorteante. Tal sentimento tem talvez origem no facto de inserirmos, inconscientemente, o tempo físico no quadro da nossa duração. O tempo físico desliza com uma velocidade uniforme, ao passo que o ritmo da nossa duração diminui progressivamente… Talvez que a lentidão aparente do começo da vida e a rapidez do fim se devam ao facto de um ano apresentar, como se sabe, para uma criança e para um velho, proporções diferentes da vida passada…”
Tem ou não tem razão o grande cientista, o grande pensador Alexis Carrel?
E tem ou não tem razão o povo, ao dizer que “Tempo é relógio da Vida”?
O Tempo objetiva-se para cada um de nós por aquilo que os filósofos chamam a “persistência do eu”.
Pela Arca de Noé, vemos que o homem é o capitão da barca da vida. O que a gente pode pensar é que o homem se estragou com os vícios, entre os quais… a gula, pelas seculares intoxicações transmitidas de geração em geração.
(Aprendi uma vez que os corvos duram dois séculos, porque… não têm prisão de ventre. Se non è vero, è bene trovato).
Talvez a ânsia da eternidade explique, e desculpe, muita expressão ilusória, que seria loucura tomar à letra.
“Desde que o Mundo é Mundo…”
Outra prosápia dos homens!
Sabem lá eles desde quando o “mundo é mundo”?! Sabem lá eles a idade da Terra?!
É um gozo consultar a “opinião” dos cronologistas antigos e modernos acerca da idade da Terra.
- Segundo “L´Art de Verifier les Dates”, quando Cristo nasceu já eram decorridos 4963 anos!
- Segundo o cálculo de Ricciolli, a Vulgata dá-nos 4184 anos para além de Cristo!
- Os Chineses julgam-se por vezes com 2.276.476 anos!!!
E no entanto a história documental só começa, porém, 2000 anos antes de Cristo.
Diante destas incertezas, uma certeza se me impõe:
- Se se desse o impossível de não haver movimento, se tudo estivesse parado, não havia Vida, e não havia Tempo!
E assim a Terra se MOVE…
… E assim, no meu Portugal,
- Haverá sempre VIDA!
- Haverá sempre TEMPO!
Carlos Fiúza
“A César o que é de César”.
O presente tema foi-me “soprado” pelo meu Amigo João Lopes de Matos.
Especulávamos, então (ao telefone), sobre o Homem… a Vida… O Tempo.
4 comentários:
CF tem o condão de me atribuir a mim o mérito que só ele tem.
Se alguma coisa sussurrei,ainda assim deve ter sido tão tosca, que o mérito continua a ser duplamente dele e só dele:aproveitar algo primário por mim involuntariamente dito e passar para algo muito elevado como o seu texto inquestionavelmente é.
JLM
Bonita troca de galhardetes e rebuçados nesta tão grande montra, sim senhor! E agora? Que ilações devemos extrair disso? Realmente, fazem falta as antíteses...
("morra o dantas, pim")
O anónimo do dia 2 tem razão: o que fica desta conversa toda?
Já deve ter reparado que CF tem um modo muito seu de focar os problemas:dados os seus imensos conhecimentos,que resultam de toda uma vida de estudo persistente,profundo e contumaz,ele vai sempre mais fundo na origem das coisas.
Tem ainda uma imensa ânsia de saber,qual Ícaro que quisesse chegar à perfeição divina.
E essa ânsia ainda não parou,apesar dos seus 71 anos de vida:todos os dias estuda,pensa,aprofunda conhecimentos até altas horas da madrugada,impondo-se a si próprio horários dificílimos de cumprir.
E eu censurava-lhe isso,instando-o a responder-me onde queria chegar com tanta azáfama.
Dizia-lhe: deixe essas tarefas,sinta o trabalhar da sua máquina humana e repare que já não tem tempo para fazer tudo o que pretende.Daí o problema de"o tempo".
Deixe-se ir na onda da inconsciência do seu corpo,respire fundo e olhe o mundo,integrando-se nele.Saia da sua torre de marfim e viva apenas com os sentidos que no seu corpo ainda funcionam.
Ele,relutante,retorquia: - Não consigo.Este destino está-me nos genes,é superior às minhas forças e desejos de mudar de vida.
Desta conversa surgiu-lhe a necessidade de escrever sobre o tempo.
Percebe agora,caro anónimo?
JLM
Percebo sim, sr. JLM. Afinal, valeu a pena (como sempre vale)ter questionado. Também sou um admirador dos dotes narratológicos e expressivos do sr. Carlos Fiúza e dos seus também, sr. JLM, assim como de outros, por exemplo Vitorino Ventura, Helder Rodrigues, Gilberto Pinto, etc. (este etc é muito curto...). Agradeço, pois, ter respondido às minhas questões, embora elas fossem de circunstância.
("morra o dantas, pim")
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