05 agosto 2011

UM DIA, ISTO TINHA DE ACONTECER - Mia Couto

UM DIA, ISTO TINHA DE ACONTECER - Mia Couto

Existe uma geração à rasca?
Existe mais do que uma! Certamente!
Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida.
Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações.
A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os que mais tiveram tudo.
Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos.
Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós 1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor.
Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão, cartas de condução e 1.º automóvel, depósitos de combustível cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.
Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes.
Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, ... A vaquinha emagreceu, feneceu, secou.
Foi então que os pais ficaram à rasca.


(...) ler mais na memória do pensar.

4 comentários:

Bruno Maltez disse...

Julgo ser um ensaio feliz em alguns sentidos mas muito infeliz em tantos outros.

Sendo jovem, daqueles que se inflama com as condições que tenho para singrar profissional e económicamente numa sociedade de corrupção e engano, vejo-me com uma dívida entre mãos, provocada por tantos que eu não conheci, vejo a dívida pública do Estado a aumentar, e os meus pares num desemprego, fruto de uma falsa austeridade, que vinca a diferença entre pobres e ricos, assim como deixa às claras a injustiça social, em nome da tal dívida que agora é minha.

A juventude abastada, abastada continua, afinal os ipads e iphones são útilizados por quem pode, procurasse o Mia Couto nas manifestações por tais caprichos do consumismo e por cada gadget que ele encontrasse eu apresentar-lhe-ia uma família no desemprego, jovens letrados com fome, pais sem emprego e velhos sem casa ou medicamentos.

Os pais impotentes e frustrados ( das gerações anteriores à minha), são os que votaram em políticos de charme, que nunca souberam o que é solidariedade e comunidade, tinham tempo para as novelas porque o emprego era garantido e a reforma um direito... os jovens que vão para a rua, procuram independência e não a dependência nefasta que o acomodar de seus país, funcionários públicos, amorfos e escritores de cordel exemplificavam como forma de levar a vidinha... afinal a banda larga, alarga horizontes e fugir parece ser melhor remédio, ou acabamos na melhor das hipoteses iguais a eles.

O desemprego em catadupa e o salário mínimo mais baixo da europa é culpa dos jovens de 30 anos como eu?... Os lucros anuais dos bancos nos últimos 10 anos, que cobririam 10 vezes os valores deste ano, assim como o congelamento de salários, ou aumento das contas de luz, transportes públicos, gasolina, alimentação com sobrecarga de iva ... é culpa dos jovens de 30 anos como eu?....

Sendo trabalhador independente todos os dias procuro clientes, todos os dias me procuro mais empreendedor, tenho trabalho, porque procuro o trabalho, não tenho contratos para pintar quadros e olhe que talento não me falta, ou ficar sentado à espera que o dia acabe num queixume que antigamente é que se estava bem.... de facto as gerações antes da minha não se queixavam, pois sabiam que a dívida e as preocupações iriam para os seus filhos... sim essa sociedade existiu em todas as nossas casas... a classe média portuguesa, preocupava-se em ter mais que o vizinho, sem querer saber do amanhã... corrijo a sociedade mundial não quis saber e ainda não quer saber... caricatamente ainda recentemente, jovens manifestantes à procura de emprego, encontraram-no em plena manifestação deixando todos os outros para trás.

Petróleo, poluição... buracos do ozono, crude nas águas... que interessa? As gerações vindouras limpam... e é bem fácil gritar com políticos, ou com quem grita com os políticos enquanto se têm a casa de Verão... sim porque dantes comprar casa era fácil não era Sr. Mia Couto?... e se por sorte... em herança recebece mais que uma... talvez eu pudesse ser pintor, talento não me faltaria, mas falta-me o pão...

Muitos jovens e menos jovens que criticam este mundo, preferiram o sol da praia, que ir votar... quanto a isto eu jovem de 30 anos vejo-me impotente de mudar, resta-me educar a minha filha, mas nunca dizer que a culpa é dela... do meu país ser assim, corrupto e agradado em ser roubado todos os dias.

Bruno Maltez disse...

Julgo ser um ensaio feliz em alguns sentidos mas muito infeliz em tantos outros.

Sendo jovem, daqueles que se inflama com as condições que tenho para singrar profissional e económicamente numa sociedade de corrupção e engano, vejo-me com uma dívida entre mãos, provocada por tantos que eu não conheci, vejo a dívida pública do Estado a aumentar, e os meus pares num desemprego, fruto de uma falsa austeridade, que vinca a diferença entre pobres e ricos, assim como deixa às claras a injustiça social, em nome da tal dívida que agora é minha.

A juventude abastada, abastada continua, afinal os ipads e iphones são útilizados por quem pode, procurasse o Mia Couto nas manifestações por tais caprichos do consumismo e por cada gadget que ele encontrasse eu apresentar-lhe-ia uma família no desemprego, jovens letrados com fome, pais sem emprego e velhos sem casa ou medicamentos.

Os pais impotentes e frustrados ( das gerações anteriores à minha), são os que votaram em políticos de charme, que nunca souberam o que é solidariedade e comunidade, tinham tempo para as novelas porque o emprego era garantido e a reforma um direito... os jovens que vão para a rua, procuram independência e não a dependência nefasta que o acomodar de seus país, funcionários públicos, amorfos e escritores de cordel exemplificavam como forma de levar a vidinha... afinal a banda larga, alarga horizontes e fugir parece ser melhor remédio, ou acabamos na melhor das hipoteses iguais a eles.

O desemprego em catadupa e o salário mínimo mais baixo da europa é culpa dos jovens de 30 anos como eu?... Os lucros anuais dos bancos nos últimos 10 anos, que cobririam 10 vezes os valores deste ano, assim como o congelamento de salários, ou aumento das contas de luz, transportes públicos, gasolina, alimentação com sobrecarga de iva ... é culpa dos jovens de 30 anos como eu?....

Sendo trabalhador independente todos os dias procuro clientes, todos os dias me procuro mais empreendedor, tenho trabalho, porque procuro o trabalho, não tenho contratos para pintar quadros e olhe que talento não me falta, ou ficar sentado à espera que o dia acabe num queixume que antigamente é que se estava bem.... de facto as gerações antes da minha não se queixavam, pois sabiam que a dívida e as preocupações iriam para os seus filhos... sim essa sociedade existiu em todas as nossas casas... a classe média portuguesa, preocupava-se em ter mais que o vizinho, sem querer saber do amanhã... corrijo a sociedade mundial não quis saber e ainda não quer saber... caricatamente ainda recentemente, jovens manifestantes à procura de emprego, encontraram-no em plena manifestação deixando todos os outros para trás.

Petróleo, poluição... buracos do ozono, crude nas águas... que interessa? As gerações vindouras limpam... e é bem fácil gritar com políticos, ou com quem grita com os políticos enquanto se têm a casa de Verão... sim porque dantes comprar casa era fácil não era Sr. Mia Couto?... e se por sorte... em herança recebece mais que uma... talvez eu pudesse ser pintor, talento não me faltaria, mas falta-me o pão...

Muitos jovens e menos jovens que criticam este mundo, preferiram o sol da praia, que ir votar... quanto a isto eu jovem de 30 anos vejo-me impotente de mudar, resta-me educar a minha filha, mas nunca dizer que a culpa é dela... do meu país ser assim, corrupto e agradado em ser roubado todos os dias.

Anónimo disse...

Ora, só para que conste!...
Sou conterrâneo de Mia Couto, lá para os lados de Moçambique.
Lionde, Gaza,Moçambique.
Recordo-me,e já é um grande esforço intelectual, que para ir para a Escola Agrícola, com doze anos,tinha de percorrer pelo menos 25 quilómetros, todos os dias!...Só para ir e voltar de e para a escola!...Todos os dias, quer fizesse sol, quer chovesse, quer estar mal ou bem disposto!...Vinte e cinco quilómetros, todos os dias, na minha roda 26, a minha bicicleta!...O que não me impediu de ser um dos melhores alunos da Escola.Quem me conhece, sabe disso!...E,é claro para mim, só me fez bem, porque percebi que o caminho só se faz,caminhando!...
Não me fez mal nenhum!...Só me fez bem.E eu nem sequer precisava, mas moldou-me, mais consistentemente, o carácter!Fez-me mais Homem!...E, se calhar como Mia Couto diria, ou diz, instilou-me uma força espiritual enorme, que é a defesa dos valores fundamentais, sempre e sempre!...Pode parecer pouco e é!...Mas só com este estado de espírito, inquieto,inconformado é que a imutabilidade das coisas deixam de ser perenes, permanentes.É preciso estar inquieto, ser irreverente, questionar, sempre!...Em nome da Democracia, da igualdade, da dignidade do ser Humano.E a culpa também passa por nós, como Mia Couto diz e muito bem!...Culpa dos Pais que são incapazes de educar os filhos,porque eles próprios não tiveram essa educação,nem lhes foi dada, nem, sequer, tiveram o discernimento necessário para se auto-educar).Dá trabalho!...Muito, mas mesmo muito.É mais fácil dizer que tudo o que a Humanidade conseguiu, em todos os campos, e são muitos, e até agora, são coisas que eles vão conquistar amanhã, ou ontem!...E, para acabar, dizer só isto:
-A CULPA É SEMPRE NOSSA, quando nos limitar-mos a educar os nossos filhos a ser subservientes, incapazes de um grito de revolta, porque não vale a pena, que ELES é que mandam e decidem!...Por favor, eduquem os vossos filhos com liberdade, com responsabilidade e terão feito um trabalho fabuloso...

Bruno Maltez disse...

O Sr. Anónimo é um bom exemplo do que se quer como pai e educador, realmente é importante saber o que custa chegar a algum lado e a sociedade imediata não previlegia quem caminha e pune quem demora.
Tive muito gosto no que escreveu.