17 novembro 2008

viva a arraia-miúda

A Comissão Europeia deixou-se de esquisitices burocráticas e passou a autorizar a comercialização de fruta e legumes não calibrados. Como tem sido possível, minhas senhoras e meus senhores, a fruta e os legumes estarem proibidos de abancar no mercado só porque não têm a altura da moda, as ancas não arrebitam ou apresentam a cara bexigosa?!... As cenouras nodosas ou de múltiplas pernas, os espinafres de folha miudinha e os pepinos retorcidos dão uma sopa óptima. Também os alhos com dentes tortos, mas asseados, e as cebolas de casca grossa fazem um refogado que puxa pelo sabor da carne mais exigente.

Alexandra Carreira e Ilídia Pinto escreveram no Diário de Notícias de 13 do corrente que “contra a medida – que a Comissão justifica com a necessidade de eliminar burocracia e evitar o desperdício, da ordem de 20%, de produtos que respeitam todos os critérios de qualidade alimentar, mas não os visuais – já se manifestaram os produtores, considerando que o fim da calibragem vai levar à entrada de produtos, não normalizados, oriundos de outros países e que o consumidor não vai ver o preço das frutas e legumes baixar.”

Apetece-me trautear com a Lena de Água:
“Dão nas vistas em qualquer lugar
jogando com as palavras como ninguém
sabem como hão-de contornar
as mais directas perguntas.
Aproveitam todo o espaço
que lhes oferecem na rádio e nos jornais
e falam com desembaraço
como se fossem formados em falar demais.
Demagogia feita à maneira
é como queijo numa ratoeira.”

As frutas e legumes não calibrados vão voltar aos mercados (ele sempre há modas que não colam por mais cuspo que se lhes ponha) de toda a Europa já em Julho de 2009. Não sei se esta medida irá contribuir para que, de imediato, os preços dos produtos baixem no consumidor. Todavia, não duvido que, a curto prazo, venham a baixar. Se tal não acontecer é porque alguém está a meter a mão na fruta e na hortaliça. E não será o lavrador a meter a mão. Tenho a certeza.

Os produtos alforriados do espartilho da calibragem são os damascos, alcachofras, espargos, beringelas, abacates, feijões, couves-de-bruxelas, cenouras, couves-flores, cerejas, aboborinhas, pepinos, cogumelos de cultura, alhos, avelãs com casca, couves-repolhos, alhos franceses, melões, cebolas, ervilhas, ameixas, aipo de folhas, espinafres, nozes comuns com casca, melões e chicórias.

Convenhamos, a legislação, de tão proteccionista, era racista. Porque razão um pepino em forma de arrocho não haveria de confraternizar, numa salada, com uma couve-flor anã ou uma cenoura de duas pernas? E quem é essa imperatriz, a quem chamam Comissão Europeia, para decretar que apenas os tomates graúdos e luzidios têm direito a ser papados em cima da mesa ficando os tomates miúdos condenados ao “papanço” clandestino? Li que a Comissária da Agricultura, Mariann Ficher-Boel terá comentado: “Esta decisão marca o início de uma nova era para os pepinos curvos e as cenouras nodosas.”

Direi que esta decisão marca, isso sim, o início de uma nova era para os pequenos agricultores. Sim, os pequenos e muito pequenos agricultores. Aqueles que não se dedicam à agricultura em salas de engorda – campos onde a geada não tolhe a fruta ou o granizo não fustiga as orelhas das hortas. Abre-se a possibilidade de comercializar frutas e legumes que, apesar da sua inquestionável qualidade intrínseca, não podiam chegar, legalmente, ao consumidor. Viva a arraia-miúda!

Jorge Laiginhas

Sem comentários: