19 setembro 2005

O caso GOM

«Sejamos claros. Só por manifesta insensatez e falta de inteligência política ou, em alternativa, por autista arrogância maioritária e impensável falta de sentido de Estado se poderia ter verificado a nomeação do ex-ministro e deputado do PS, Guilherme d'Oliveira Martins, para presidir ao Tribunal de Contas. Ora, José Sócrates não é conhecido por ser insensato nem por ser politicamente destituído de inteligência.

Depois do pesadelo em que se converteram os meses de governação de Santana Lopes, os portugueses deram a José Sócrates e ao PS, em Fevereiro, um amplo voto de confiança e a primeira maioria absoluta da história dos socialistas. O novo primeiro-ministro tinha em cima da mesa uma tarefa difícil em várias frentes: controlar e começar a inverter o crónico problema do despesismo público e do défice excessivo, dinamizar uma economia à beira da estagnação e recuperar a confiança dos agentes económicos, avançar com reformas essenciais e há muito adiadas, contrariar a crescente descrença e desconfiança dos eleitores em relação à classe política e aos governantes.

Sócrates lançou, de imediato, um conjunto de medidas impopulares e politicamente corajosas para assegurar, a prazo, a sustentabilidade do ameaçado sistema de Segurança Social e para aliviar, também a prazo, as contas dos pagamentos do Estado. Apesar dos protestos generalizados de várias corporações, essas decisões reforçaram a ideia de que alguma coisa começava a mudar na actividade política e governativa e consolidaram a simpatia que o primeiro-ministro apresentava, desde a tomada de posse, nas sondagens.

A demissão de um ministro tão influente como Campos e Cunha da crucial pasta das Finanças veio toldar as expectativas e travar a recuperação dos índices de confiança no campo da economia. E o episódio das nomeações para a administração da Caixa Geral de Depósitos, que apareceu na sequência da colocação de outros elementos e clientelas do PS em diversos cargos públicos, fez renascer todas as desconfianças.

O caso Guilherme d'Oliveira suscita, agora, uma pergunta inevitável: José Sócrates não aprendeu nada com o episódio da CGD? Não percebeu que a insistente nomeação de socialistas, além da promiscuidade que revela entre partido e Estado, tem efeitos demolidores na sua credibilidade e na confiança da opinião pública?

A verdade é que Sócrates não só não o percebeu como revela a convicção de que a maioria absoluta lhe confere o direito para ocupar maioritária e absolutamente os cargos públicos com dirigentes e clientelas socialistas. E que tal maioria o dispensa de preocupações de isenção, independência e equilíbrio de poderes no aparelho de Estado.

Não estão em causa, obviamente e ao contrário do que Sócrates nos tenta fazer crer, as qualificações ou a competência de Guilherme d'Oliveira Martins.
O que está em causa é a separação clara entre o partido e o Estado, é defender os órgãos de fiscalização da actividade do Governo da legítima e inevitável suspeição que a partidarização dos seus cargos acarreta.
Sócrates não o percebe porque, ao contrário do que muitos eleitores pensariam, se revela refém da lógica e do aparelhismo partidários. E porque, ao contrário do que muitos esperariam, se mostra deslumbrado com o poder de uma maioria absoluta. São sinais, no mínimo, preocupantes
José António Lima - Expresso

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