20 janeiro 2005

A dança das cadeiras

Regularmente, sempre que há eleições para a Assembleia da República, anunciada a mudança do espectro político, assiste-se a um crescendo da ansiedade em muitos dos militantes do partido que toma o poder. É tempo da "dança das cadeiras". A experiência aconselha a ter "olho fino e pé ligeiro", pois os lugares não chegam para todos. Ao contrário, quem abandona o lugar que ocupou como único merecimento de ter sido uma escolha partidária, é altura da travessia no deserto, da conspiração ou tão só fazer “figas” para que tudo corra mal ao adversário.

Os media nacionais atentos às mudanças na administração central, raramente se dão conta deste verdadeiro corrupio e frenesim que percorre o Portugal profundo. A nível distrital e concelhio perspectivam-se muitas das “danças das cadeiras” porque apetitosos os cargos de chefia de nomeação governamental que se operam nas direcções, delegações, institutos e administrações regionais e locais. Desde a saúde ao ensino, passando pelas florestas, pelo ambiente, pela segurança social, pelos governos civis, pelo desporto, pela administração dos hospitais, pelo centro de saúde… assiste-se a uma autêntica dança de cadeiras.

Nem é preciso ter especial formação para o cargo de nomeação ou tão só respeitar a lei e possuir o grau académico requerido. São muitos os casos de total incongruência da suposta aptidão para o posto preenchido. Recordamos a nomeação para um cargo ligado ao ambiente de um professor de desenho ocorrido há anos no distrito de Bragança, não faltariam outros exemplos. Se a lei exige uma licenciatura, não importa torneia-se, aproveita-se agora, vai-se ter mais tempo livre para a fazer numa dessas universidades privadas ou de Verão.

Esta corrida está longe de suceder de forma pacífica. Não poucas vezes, os correligionários de um determinado partido pegam-se de razões por acharem que têm direito ao mesmo lugar ou porque lhe foi prometido ou porque assim o julgam. Criam-se inimizades que perduram muito tempo, desvinculações de militância, ou amuos passageiros. Para atenuar inoportunos conflitos, abra-se o leque de nomeações, multipliquem-se organismos oficiais, criam-se mais incumbências na mesma instituição, diversifiquem-se as chefias, equipem-se novos gabinetes, aumentem-se os carimbos, ou, em contrapartida, crie-se um cargo de acessor na câmara municipal ou, como compensação, arranje-se um “empregozito” ao familiar ou parente.

Muitos serviços existem e parecem ter como única utilidade servir as clientelas partidárias. É o caso dos CAE (s) (centros de áreas educativas) que face à nova filosofia da organização escolar não se vislumbra o mínimo de utilidade face à autonomia e gestão democrática das escolas portuguesas. Outrora organizadoras dos concursos distritais, processadoras de vencimentos e centros de distribuição de materiais e documentos vários pelas escolas, presentemente deixam de fazer qualquer sentido. Outros serviços que deixaram de ter conteúdo e utilidade foram as extensões concelhias do ensino recorrente (vulgo educação de adultos). Vocacionadas para a alfabetização, promovem, actualmente cursos de bordados e afins a par de iniciativas de ensino recorrente de qualidade discutível, esbarrando com atribuições e funções primordiais dos agrupamentos de escolas. Outros ainda são os organismos ao nível da floresta e dos parques naturais, cujas acções de preservação e controlo não dependem de opções políticas e governamentais, mas de directivas comunitárias e de interesses comuns à nossa sobrevivência futura. E por aí adiante…

Em Portugal, a deterioração da vida democrática, o contínuo descrédito da administração pública, a degradação da vivência em sociedade tem na “dança das cadeiras” muitas das suas razões.

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