10 novembro 2008

LITTERAE 2

pai. quê. já fiz dezoito anos. é verdade, parece que foi ontem. que quê, pai. que tu nasceste. pois, mas tu disseste, pai que aos dezoito. que aos dezoito quê. que me compravas a moto. ah a moto. sim a moto, pai. tens razão, eu prometi-te uma moto. então vais comprar, pai.

o pai comprou a moto. ele podia comprar. um banqueiro pode sempre. o filho. dezoito anos. voava na moto. filho de banqueiro pode voar sempre. e a estrada negra era uma centelha voadora em sentido contrário sob as botas cardadas do filho. filho de banqueiro pode voar sempre.

ganda moto, pai. obrigado pai. um banqueiro pode sempre. obrigado pai. se a mãe pudesse ver esta ganda moto, pai. a mãe já não pode ver, filho. ainda te lembras. eras pequenino. lembro, pai. tu disseste que foi cancro, pai. foi cancro, filho. gostava de a ver, pai. se ela me visse voar na moto. mas não pode, filho. foi cancro. deixa lá, pai. deixa lá, filho.

o filho voava. o vento uivava. na moto. corria. derretia o alcatrão. a estrada era dele. do filho. mais uma curva. e outra. ups esta era perigosa. e aquela. o filho deitava-se na moto deitada. eram as curvas. da estrada. derretia o alcatrão. e mais uma curva. e outra. deitados. o filho e a moto. nas curvas. todas as curvas. aquela ali é a da morte. chamam-lhe. a curva da morte. a curva era muito curva. era de morte. e a moto caiu. o filho voou. o vento uivava. o filho voou. dezoito anos. filho de banqueiro pode voar sempre. pai. pai. e caiu. no alcatrão da curva. ficou na curva da morte. morto. dezoito anos. na morte da curva da morte. puta de curva. a da morte. morto. na curva. dezoito anos.

na curva. puseram ali uma cruz. o pai. e um ramo lindo de flores. o pai. uma cruz. ficou ali na curva. o filho. uma cruz. e flores. o pai vai lá sempre. à cruz. e fica-se a olhar. o filho. a cruz. e molha as flores. chora na curva. o pai. molha as flores. todos os dias. mais flores. molhadas. na curva da morte. novo dia novas flores. são caras. as flores. mesmo molhadas. são muito caras. as flores molhadas. estão pela hora da morte. as flores. novo dia. mais flores. todos os dias. todos os dias. todos os dias. mais flores. molhadas. muitas flores. o pai. ele podia comprar flores todos os dias. um banqueiro pode sempre.

12 comentários:

Anónimo disse...

agora deu em escrever coisas mais parecem os africanos, falando, cara? mas já agora vai mesmo integrando a lista das independentes com a dra. Ana Sofia, a dra. Sónia e a Olímpia Candeias? entre as mulheres faz falta um homem de consensos!
Rtornado

Anónimo disse...

Conheci assim um caso. O pai não era banqueiro mas, mesmo assim, pode comprar a moto ao filho.
Depois, no cemitério, com flores por todos os lados, o pai dizia, chorando amargamente: " e esta merda que não passa"...

Rafaela Plácido

Anónimo disse...

Eu também gostava de escrever assim!

Anónimo disse...

É o maior escritor de Carrazeda, reconhecido em todas as comunidades portuguesas no estrangeiro: na França, na Alemanha, Luxamburgo, Newark, Austrália, Canadá.
Mota

Anónimo disse...

Na minha modesta opinião, acho que este hr dava um bom vereador da cultura ao lado de qualquer candidato à câmara.

Anónimo disse...

Também não tenho grandes dúvidas sobre isso!

Unknown disse...

Desculpe HR:o seu outro texto está muito mais bem conseguido,não só quanto à forma,embora idêntica a este, mas sobretudo quanto ao tema.Preocupa-me muito mais a sanidade física(em particular a mental) de uma grande parte da população do que a leviandade de pai e filho.
Por essa forma trágica de pensar,então nenhum pai compraria nenhum carro a um filho.Ou sequer para ele próprio.
Quanto ao facto de HR poder vir a dar um bom vereador da cultura,disso não tenho dúvidas.
JLM

Anónimo disse...

ó senhor joão, nos comentarios anteriores, nem o proprio professor hr diria tão bem dele proprio!!! ai mau maria. nao entendo essa de que hr daria um bom vereador da cultura nas outras listas, senão a do ps.
Um velho socialista que não mete o socialismo na gaveta

Anónimo disse...

Caro JLM

Deixe-me agradecer-lhe a atenção com que me brindou pela sua leitura atenta. Contudo, o tema deste texto não me parece tão fechado como lhe terá parecido a si, pois julgo que ele suscitará várias outras leituras. Se tivermos oportunidade, terei o prazer de lhe confidenciar o motivo que me levou a escrever assim, mas sempre lhe digo que, mediante o quadro (cruz, flores e homem solitário) que várias vezes me é dado ver numa curva da estrada entre Carrazeda e Mirandela, me ocorreram algumas singularidades ou tópicos (?) como a relação íntima pai/filho, inapelavelmente desamparados pela dolorosa ausência da esposa/mãe; antíteses como vida/morte; prazer/dor; ganhar/perder, etc. etc. (este espaço não me permite desenvolver o que gostaria de lhe dizer...). Quanto à estrutura formal do texto, ela dependerá sempre da "intensidade", do "movimento", etc., que o autor pretende imprimir através, p. ex. de uma pontuação repetitiva, forte, concisa e objectiva, como é característica do ponto, o que permite, curiosamente, a proliferação polissémica (que permite, assim, múltiplas leituras).
Quanto à questão política da vereação da cultura, a sua bondosa opinião deixa-me muito sensibilizado, por vir de quem vem, mas a verdade, é que, acredite ou não, tal não está (para já) nos meus horizontes, apesar de estar pessoalmente (sem falsas modéstias) convicto de que seria capaz de "levar este barco a bom porto", com toda a dedicação e honra que esta boa gente me merece.
Aceite um abraço amigo do h.r.

Unknown disse...

Quando eu falo que HR daria um bom vereador da cultura não cuido de saber que lista poderia ele integrar.
Penso como penso porque a essa conclusão me levam os vários comentários elogiosos constantes acima e porque reconheço,pelo que tenho lido de HR,que,como escritor,tem qualidades incontestáveis.Comparo-o um tanto com um outro grande escritor,VAV,embora note algumas diferenças:enquanto HR tem uma linguagem directa,perceptível pela grande maioria das pessoas,VAV é nitidamente mais arrevezado,talvez mais erudito.
Só uma reserva ponho a um e outro:ambos são profundamente literatos e não sei se isso não obstaculiza um tanto o desempenho de um cargo executivo como o de vereador.
JLM

Anónimo disse...

Este senhor JLM vem para aqui dizer que o superior HR é popular! E o outro é que é erudito! Quem lhe dera escrever assim!

Unknown disse...

Já respondi em parte no artgo mais acima.
Mas não me custa reconhecer que escrever como escreve HR seria bom para mim,embora não tratemos ambos os mesmos temas,o que impõe uma maneira de escrever diferente.
JLM