05 setembro 2005

Ando a carburar mal.

Hoje foi dia de ir ao cinema com os meus filhos. A escolha seria deles. Acreditem que ia cheio de boas intenções e pronto para partilhar com eles uns momentos de companhia e boa disposição. Tinha prometido não adormecer mas não resisti por uns momentos para logo recuperar e ainda ir a tempo de seguir a história do filme. O filme de origem americana, chamava-se - Charlie e a Fábrica de Chocolate. Trata-se de uma ficção, possivelmente caríssima, atendendo aos efeitos especiais, e que nos conta uma história em jeito de comédia, tão trivial que só os efeitos e o estilo dos personagens nos consegue fazer esquecer a sua banalidade e o tempo perdido.
Mas o pior foi que dei em mim a confrontar o esbanjamento de recursos deste produto de consumo americano com a miséria de recursos deste país que a televisão me tem mostrado, resultante do furacão Katrina.
Veio-me então uma sensação de angústia que nem quando olho para o meu país, no seu pior, me tem acontecido experimentar. Então não é que a Grande Potência, o país que decide as guerras, aquele que dá os “bons exemplos”, aquele que faz viagens tripuladas no espaço, aquele que decide a quem distribuir os seus excedentes, o mais evoluído, o mais “democrático” o mais progressista, o mais rico…. de repente se destapa e se transforma no mais miserável, no mais irracional no mais desprotegido e incapaz!
Isto não pode ser verdade. As imagens que vejo em Nova Orleães, são igual ás do Iraque. Será que a culpa também foi do Sadam!
Devo ser eu a carburar mal.
Eu que critico tanto aquilo que considero os paradoxos do meu pais, que não encontro explicação para tanta miséria mental, que ponho em causa, que desconfio, que não a credito sem ver, de repente sou confrontado com o inexplicável, num pais que, para o bem e para o mal, era a referência.
Algo está mal e deve ser bem profundo.
Ou então devo ser eu a carburar mal.
Já não culpo só a incompetência de um presidente ou da sua gestão. Tão pouco culpo as doutrinas que o influenciam.
O mal é mais profundo e parece estar a por em causa os modelos de cultura que tanto se difundiu.
A ideia de poder, as novas regras e conceitos éticos, o desrespeito pela natureza, a falta de noção dos limites do homem tornaram os decisores inconscientes e irresponsáveis.

Só me resta acreditar que, este modo de ver e sentir, se deva apenas a uma crise existencial ou um sonho com pesadelos e alucinações, em suma, que a culpa possa ser de andar a carburar mal.
Mas lá no fundo o meu desejo era ter adormecido durante todo o filme e só ter acordado com a última frase que dizia “ nunca a vida foi tão doce”.

Hélder de Carvalho

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