Ele morava num vale encantado… um mar de pedras e penedos,
com precipícios e lugares mágicos, palco perfeito a quem queria escutar as
suas cantigas.
E o que eram e de onde vinham estas melodias que ecoavam
pelo vale encantado? Eram com certeza canções de amor porque o nosso rio namorava
com as pedras em mil ternuras e incontáveis murmúrios.
E como nos grandes
amores, não faltavam grandes zangas que redundavam em fortes enxurradas e levava tudo à frente numa fúria incontida,..
a que seguiam silêncios de estios
prolongados, quais amuos de namorados.
Fruto deste amor, uma imensidão de
pedras rolantes, vistosas, atraentes e, outra vez, muitas e muitas cantigas de
amor...
Todos os vales encantados têm os seus extraordinários
habitantes e as suas fantásticas façanhas. Ano após ano, num porfiar de séculos,
povoou-o de prodigiosas varandas, janelas e postigos onde plantaram o sustento.
Ali vinham encher o peito de ar, ouvir baladas e, particularmente, calejar as
mãos na enxada e desafiar a força e os sons do rio cantante. Quem plantou e
cuidou, também colheu figos doces como o mel,
amêndoa gostosa, uvas que se
transformavam em vinho sem igual
e azeitona que dava azeite fino de sabor
incomparável.
Da cortiça dos sobreiros, fez casas de abelhas,
pródigas em oferecer-lhe o mel e a cera que lhes alumiava a noite escura.
Também por lá deambulavam poetas e demais artistas à procura de musas
inspiradoras, mas era sempre o rio cantante que se fazia ouvir mais forte e só
os que tinham alma grande e apurado ouvido o sabiam escutar.
O rio de que vos falo orgulhava-se de ser selvagem e quase
indomável.
Certa ocasião riscaram-no com duas linhas e nele colocaram um cavalo
de ferro que vomitava fumo das entranhas e atroava os ares com um silvo agudo.
Mas ele não se importou.
Continuou a cantar,
e a mostrar-se mais vaidoso
aos olhos dos viajantes que para ele olhavam boquiabertos das janelas do corcel
de fumo porque mal percebiam o que o rio lhes dizia.
A este rio cantante vão agora colocar uma mordaça em forma
de barragem
e o rio das canções de embalar, de assustar e, de amor…
vai
calar-se para sempre.
Se agora forem ouvi-lo com o coração aberto e a alma
grande, perceberão que já não canta, apenas chora…
retirada daqui
6 comentários:
Eu conheço esse rio e também sinto o s eu pranto.
É um rio a quem vão tirar todo o seu encanto, em troca de uma mão cheia de nada... Imperdoável!
Eis o acontecimento a que alguns se filiaram para "ficar na história", em vez de fazer História, que pela maior das dores inspira letras choradas: http://aventar.eu/2011/02/05/eu-as-voltas/
Belíssima ode e dedicatória. Ainda este fim-de-semana houve um encontro abaixo do Tejo, no Centro de Cultura Libertária de Cacilhas, subordinado ao tema "Barragens, circundos e possibilidades" em que se visualizou imagens e filmes sobre o sucedido nos últimos anos nos rios e se debateu sobre o futuro https://www.facebook.com/events/1659383177664360/
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