04 janeiro 2016

Em memória de Hélder Rodrigues: Fernando Gouveia



Ontem, dia 2 de janeiro, foi a enterrar na sua terra natal, em Mirandela, o professor e escritor Hélder Rodrigues, que, durante largos anos, exerceu a sua profissão em Carrazeda de Ansiães, onde morava.

Não posso dizer que tenha privado com ele, pois as nossas vidas diferentes só raramente proporcionaram ligeiros encontros, ou em apresentações de livros ou em manifestações culturais no concelho. A notícia funesta da sua morte apanhou-me de surpresa e, na solidão da aldeia onde por acaso me encontro, lancei a mão ao seu “A Salto” para recordar um pouco das histórias transmontanas que ele tão bem sabia contar. Sem dar por isso, agarrado pela sua escrita genuína, li de um só fôlego as 120 páginas em que nos cria roteiros de vida de duas personagens, ambas bem enquadradas no caráter-tipo que melhor corresponde aos nossos conterrâneos. Pela voz de Malaquias, que conta na primeira pessoa a epopeia humana da emigração dos anos sessenta, e pela descrição do Aragão, onde se espelham todas as cambiantes de vidas que são locais mas espelham a universal natureza humana, em toda a sua grandeza e generosidade, mas também em momentos de crueza e calculismo, Hélder Rodrigues não se limitou a escrever ficções, pois deu-nos inteira, quase em transcrição fonética de rara fidelidade, a rudeza do falar das fragas, a justificar um glossário final de quase duzentos termos ou expressões recolhidas do manancial da fala das nossas aldeias.

Já tinha lido a sua última publicação de contos “Terra Parda”, em exemplar que teve a gentileza de me autografar no ato de apresentação em Carrazeda. Sobre a sua escrita, daquilo que dela me foi dado ler, já tinha escrito em tempos neste blogue que em cada transmontano que escreve há um pouco de Torga, como se a terra comum nos entrasse a todos pela escrita dentro. E reparei agora que no peritexto de “A Salto” lá está a invocação do Mestre de São Martinho da Anta, numa belíssima citação do seu “Diário”. O Hélder escrevia com as tripas, com a dor escondida deste ser transmontano que nos marca a alma, com o olhar de humanidade que reclama a dignificação do trabalho duro e do espírito de sacrifício que nos marca.

Com a morte precoce deste professor dedicado e escritor sensível, Carrazeda perde um grande intelectual, e mais do que isso, um cidadão carrazedense que deixou nas suas páginas as referências ao concelho e à sua gente.

Aqui deixo a minha simples homenagem, na certeza de que ele merece uma homenagem pública à altura da sua obra.


Fernando Gouveia

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