27 abril 2015

1929

(a propósito da homenagem do senhor Américo Ribeiro)

No ano de 1929 nasceram:
A 15 de Janeiro o Rev. Martin Luther King Jr., líder americano de direitos civis e Nobel da Paz 1964 (m. 1968). A 12 de junho - Anne Frank, vítima alemã do Holocausto e mundialmente conhecida após a publicação póstuma de seu Diário (m.1945) e a 24 de Agosto, Yasser Arafat, líder palestino (m. 2004).

E faleceram: a 4 de Abril - João Franco, político e estadista português (n. 1855). A 17 de dezembro - Manuel de Oliveira Gomes da Costa, militar, político e presidente da República Portuguesa em 1926 (n. 1863).

Neste último ano da década de 20, Thomas Mann, autor de Morte em Veneza, ganha o prémio nobel da literatura.

Um pouco antes, em abril de 1928, com 38 anos, Salazar toma posse como ministro das Finanças e termina o discurso de posse com uma frase sobejamente conhecida. “Sei muito bem o que quero e para onde vou mas não se exija que chegue ao fim em poucos meses”. Tempo não lhe faltaria para transformar o país em 42 anos de exercício do poder. Em finais de 1929, anuncia ao país e pede desculpa aos seus delatores pelo saldo positivo no orçamento de estado de 300 000 contos. O êxito nas Finanças Públicas são o principal trampolim para a chefia do Governo em 1932 e para a criação no ano seguinte do chamado Estado Novo. O prestígio alcançado irá usá-lo para congregar em torno de si e do seu projeto nacionalista e autoritário todas as direitas, cativando ou liquidando os opositores.
“Tudo pela nação, nada contra a nação” é o lema. O país dispunha assim de um plano messiânico para um futuro risonho. O modelo foi encontrado no passado, os acontecimentos heroicos e os chefes exemplares, passaram a “alimentar as grandes certezas da alma coletiva”. A obediência, isto é, o respeito pela hierarquia social constituir-se-ia como a virtude fundamental. A resignação, e a caridade, a disciplina, a piedade, o trabalho, o patriotismo e a vida familiar rural. A escola torna-se um aparelho de doutrinação bem presente na circular distribuída em 1934, “a escola é o viveiro de que uma sociedade dispõe para cultivar os valores éticos e ensaiar o homem que lhe convém”. A educação intelectual do liberalismo e a educação para a cidadania da República é substituída pela doutrina cristã, fulcro da verdadeira virtude; o sistema escolar assume-se claramente discriminatório. Antes do aparecimento do livro único, aprovam-se em março (19) de 1932 com publicação em anexo no Diário da República, as máximas seguintes: “obedece e saberás mandar”, “na família, o chefe é o pai, na escola, o chefe, é o mestre, no estado, o chefe é o governo”; “se tu soubesses o que custa mandar, gostarias mais de obedecer toda a vida”. O consequente aparecimento do livro único tornou a doutrinação mais evidente e organizada.
 Para assinalar os dez anos de governo de Salazar, é editada, em 1938, uma série de sete cartazes intitulada “A Lição de Salazar”, distribuída por todas as escolas primárias do país. Estes cartazes faziam parte de uma estratégia de inculcação de valores por parte do Estado Novo, destinando-se a glorificar a obra feita até então pelo ditador, desde o campo económico-financeiro às obras públicas. Durante muitos anos, estes cartazes didáticos foram utilizados como forma de transmitir uma ideia central: a superioridade de um Estado forte e autoritário sobre os regimes demoliberais. Para acentuar a importância do Estado Novo enquanto garante da ordem e progresso do país, os cartazes fazem uma comparação sistemática entre a obra do regime salazarista e a 1ª República: à desorganização económica e financeira e ao alheamento do Estado democrático e liberal republicano face aos problemas do país, sucede a organização financeira, a melhoria das vias de comunicação, a construção de portos, o ordenamento e progresso social promovidos pelo Estado Novo. Os cartazes acentuam esta ideia a partir de uma imagem cinzenta e triste da época da 1ª República, enquanto o “depois” da obra salazarista nos aparece colorido, organizado, moderno.
Este projeto ditatorial terá o seu pico na celebração em 1940 da exposição do Mundo Português, celebrando-se um triplo centenário. a fundação de Portugal (1140), a restauração da independência (1640) e o chamado pico da expansão marítima (1540):. Salazar alude ao evento como, “uma síntese da nossa ação civilizadora, da nossa ação na História do Mundo, mostrando, por assim dizer as pegadas e vestígios de Portugal no globo.” Esta foi a imagem ideológica dos portugueses, um povo humilde e respeitador da ordem pública, vivendo num lugar idílico, tocado pelo sagrado e predestinado. No dizer de Eduardo Lourenço, “Um país sem problemas, oásis da paz, exemplo das nações, arquétipo da solução ideal que conciliava o capital e o trabalho, a ordem e a autoridade com um desenvolvimento harmonioso da sociedade”.

Entretanto, nos EUA, em outubro de 1929, ocorre a chamada Quinta-Feira Negra. Este foi o crash do mercado de ações mais devastador na história, levando em consideração a extensão e a duração das suas consequências. Bancos e fábricas faliam, muitas pessoas perderam o emprego, levando algumas ao suicídio e os efeitos da crise espalharam-se pelo mundo. O facto marcou o início de 12 anos da Grande Depressão, que afetou todos os países ocidentais industrializados. Em Espanha cai o rei, a 14 de Abril de 1931. Na Alemanha, nas eleições de Julho de 1932, o partido nazi de Adolfo Hitler com 37,3% dos votos ascende ao poder com as consequências conhecidas. Nos EUA, Roosevelt, eleito em 1933, inaugurava as “conversas à lareira” para explicar a sua política em palavras simples e com o seu programa denominado NEW DEAL, apoiado no investimento público e nas grandes obras públicas regenera a economia.

Em Carrazeda, a 15 de abril de 1929, um incêndio destrói a casa de habitação, haveres e estabelecimento comercial de António dos Santos Moura com prejuízos estimados em 200 contos. Nesse mesmo ano realizam-se espetáculos para angariação de uma bomba e de um motor e oficializam-se os estatutos dos Bombeiros Voluntários. A 15 de Agosto, a Comissão Administrativa da Câmara Municipal decide mandar construir um campo de aviação no sítio denominado “Pedra do Sapato”, limite da vila, e destinado à Aeronáutica Militar. Em 1930 forma-se uma comissão para instalar na vila os Bombeiros Voluntários. A 6 de fevereiro desse ano e depois de uma petição assinada por muitas pessoas delibera fixar três feiras mensais nos dias dez, vinte e trinta. A 24 de Julho, a pedido dos Bombeiros, determinou ceder a título gratuito os baixos do Posto de Socorro médico-cirúrgicos, onde ensaiava a Filarmónica para ali se instalar o material contra incêndios que a instituição possuía. Em 1931 sai a público o livro, Carrazeda de Ansiães, notas monográficas de D. Cândida Florinda Ferreira.
Enquanto isso, no país, alguns banham-se na praia, se bem que a exibição dos corpos deva subordinar-se ao respeitinho. As praias começam a ser preferidas às termas e acrescentam-se 500 km à rede de estradas.
Em 18 de Junho de 1931, estreia o primeiro filme falado português, a Severa, de Leitão de Barros. Em 1931 estreia-se como realizador Manuel de Oliveira, com o documentário, Douro Faina Fluvial, mal acolhido pela crítica nacional. Dois anos depois estrearia o grande êxito a canção de Lisboa.
Em 1927 realiza-se a I Volta a Portugal em bicicleta, que só terá reedição três anos depois por falta de organizador. José Maria Nicolau (vencedor em 1931 e 1934) e Alfredo Trindade (vencedor em 1932 e 1933) protagonizaram uma das primeiras rivalidades da Volta, fazendo vibrar o país, disputando cada volta até à última gota de suor. Em 1929, o Benfica vence o campeonato nacional, antecessor da Taça de Portugal, batendo o Barreirense por 3 a 1. Era disputado em sistema de eliminatórias que o Porto iniciou como vencedor na década de 1920/21.
Os contestatários ao regime, particularmente os comunistas, acossados pela polícia inventam uma forma de fazer-se ouvir: os comícios relâmpagos: gritavam-se uns vivas e morras, desfraldava-se uma bandeira vermelha, e em passo de corrida fugia-se à polícia.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   
A população portuguesa crescia a uma taxa de 1,32% por ano, uma das mais elevadas da Europa, para se situar nos 6 825 883, dos quais mais de metade eram analfabetos: 4 627 988. Também se morria muito e cedo: a tuberculose e a pneumónica, tornaram-se uma calamidade nacional; a taxa de mortalidade infantil situava-se acima dos 130 falecidos por 1000 nascimentos.

De meados do séc. Xix até ao final do século tínhamos evoluído de 7 dias uma viagem entre Porto e Lisboa de liteira puxada por dois machos para as 14 horas de comboio a vapor e cerca de metade para viajar de Porto a Barca de Alva.

Como já escrevi noutro lugar, “mourejava-se de sol a sol na busca do pão nosso de cada dia, numa luta titânica com a terra e as fragas que se cavavam em redor mesmo sabendo que nada produziriam. Sempre que a necessidade obrigava, emigrava-se para terras estranhas e ganhava-se dinheiro no mesmo mourejar com que partiram e regressavam ufanos e remediados, edificavam quatro paredes, compravam uma courela e continuavam a cavar a vida inteira.” Sem televisão, rádio e cinema, a taberna e o adro da igreja eram os locais de passar algum tempo livre. A filarmónica e a tuna onde pontuavam a viola e o acordeão acendiam as alegrias coletivas…

2 comentários:

helder carvalho disse...

Evidentemente que teria sido uma boa achega para melhor se contextualizar o tempo de juventude do Sr. Américo. Até o facto de se ter passado o texto escrito poderia ter sido um modo de, quem quisesse saber mais, o ter feito. Foi pena.

Unknown disse...

Afinal, há virtude neste modo de encarar a história.Hoje a direita impôe graças +a maioria eleita democraticamente, as regras e leis que de austeridade e medo do povo, nos leva áo desespero. Os comunistas, gritam na Rua, no parlamento, há greves e nada muda, tudo continua na mesma e não há voos que livremente nos deixem sonhar. Pois é não há paciência.