(...)
As grandes
barrelas às habitações eram feitas por altura da Páscoa. As casas eram tratadas
de alto a baixo - varriam-se com as vassoiras de giestas. Nada escapava: as
pedras do lar, a chaminé, as escadas, os sobrados, as farroncas nos cantos mais
altos das paredes, as portas de entrada e mesmo as ruas. A chaminé esfoliava-se
com a gilbardeira. As tábuas dos sobrados esfregavam-se a sabão e água com as
escovas de piaçá. Limpavam-se as lojas dos animais e os quinteiros dos estrumes
que se depositavam nas terras para a semeadura das batatas e a plantação das
hortas. Os colchões de palha tiravam-se das camas de ferros, esvaziavam-se do
colmo meio desfeito, arejavam-se, lavavam-se, para, de novo, se encherem da
palha de centeio, neles colocada com habilidade e a ajuda de uma cruzeta feita
de uma vara comprida e bifurcada.
Na manhã do
domingo de Páscoa, faziam-se também as limpezas ao corpo, para muitos a única
do ano: acendia-se o lume logo pela manhã e enchiam-se os maiores potes de
ferro e caldeirões de lata com água; despejavam-se nas bacias da roupa,
temperavam-se com água fria dos canecos cheios trazidos à cabeça do fontanário,
e lavavam-se os cabelos e a parte de cima dos corpos com água e sabão – a mãe
ou os irmãos mais velhos ajudavam a deitar um jarro de água pela cabeça para
tirar os restos de sujidade e sabão; a água restante servia para lavar as
pernas e os pés.
Assim lavados e
penteados, de risca ao meio, quase sempre se estreava farpela nova e se
calçavam os sapatos das festas. Todo o vestuário era feito pela costureira,
pelo alfaiate ou comprado na feira da vila. Saía-se para o adro para ver e ser
visto. Nos bolsos das crianças a moeda ou a nota do padrinho trocada pelo ramo
de oliveira do domingo anterior e pelo pedido “deite-me a sua bênção”,
tornava-as sorridentes e as mais felizes do mundo. Depressa trocavam o pecúlio
pelo copo da laranjada, os tremoços e a mão cheia de doces na taberna.
Se o Natal era
a festa da família, a Páscoa era a festa da aldeia. A sua preparação começava
com a elaboração dos folares e dos económicos e a cozedura nos fornos
comunitários. Havia os folares doces e os de carne. Os doces comiam-se ao
pequeno-almoço com o café, ou com um bom cálice de vinho tratado, que
“ajuda a cortar a doçura”, diziam. Os de carne feitos com as chichas do porco incluíam a chouriça, o
salpicão, o presunto e o toucinho, chamávamos-lhe carne gorda, que
emprestava à massa um sabor divinal. Os económicos, na forma de montinhos
polvilhados de açúcar, duravam longos dias e eram sempre um dos melhores mimos
que se metia no saco da escola para o lanche do dia.
A missa pascal
era obrigatória, antecedida dos três dias de penitências, jejuns, vias-sacras e
do silêncio dos sinos que anunciavam, tristemente, ao meio-dia de quinta-feira
a paragem no trabalho e, só despertavam na tarde de sábado e mais tarde na
aurora de domingo, em tom festivo. À Eucaristia seguia-se o almoço melhorado
que quase sempre incluía o borrego ou a ovelha, assados ou guisados, e o
delicioso arroz doce, à sobremesa. À tarde, o compasso visitava todas as
habitações para o beijar da cruz, acompanhado da algazarra da criançada, que
pululava de casa em casa em busca dos “doces”, e do murmúrio de muitos que se
visitavam em busca dos mimos e dos afetos para a boca e para a alma.
(...)
do livro "Selores ...e uma casa)
2 comentários:
Descrição sucinta, singela e verdadeira da Páscoa de outros tempos, ou, da verdadeira Páscoa.
Ateu versão 2013
A verdade,se está em algum lado, é na mudança, não no fixo!Isso não quer dizer que a verdade de outros tempos não nos seja agradável.
JLM
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