A Vírgula
Uma das coisas mais pequeninas e humildes que há no Mundo;
uma coisa que, apesar de pequenina, e até desprezada e injustamente avaliada,
tem, no entanto, um valor de colosso na paisagem do entendimento humano por
meio da linguagem escrita, é a vírgula,
aquele tracinho humilde que se aconchega entre as palavras, aquela vergazita,
pois virgula, na essência, nada mais
quer dizer do que verga pequena, varinha.
Em latim virga era
ramo flexível e delgado, vergôntea, verga, haste. O diminutivo virgula era, portanto, vergazinha, e
daí, por comparação, o pequeno traço ou a pequena linha.
Quando nós hoje pomos uma vírgula no texto, não nos ocorre, decerto, essa comparação
primitiva entre a vergazinha, a varinha, e o sinal gráfico tão frequente.
Na verdade, a vírgula
é a varinha mágica na chamada pontuação.
Este sinal gráfico, no entanto, só recebeu o noma de vírgula (com o valor que tem hoje) no
século XVI, porque no baixo latim virgula
era traço sobre letra, vergazita sobre letra, um indicativo de acento da
palavra.
O nome português de vírgula
(equivalente, por exemplo, ao francês virgule) é mais novo do que o outro que
vemos, por exemplo em espanhol (coma),
em inglês (comma), etc., o que se
foi buscar ao latim comma, do grego Kómma, pedaço, corte, do grego Koptein, cortar.
Na verdade, a vírgula
serve, na essência, para sinalizar os cortes das frases, as divisões menores de
uma frase, a pausa leve. A vírgula
ou coma, consoante este helenismo
indica, mostra a secção frásica que as pausas ocasionam.
Assim como na música entre a diese e o bemol há um intervalo
pequeníssimo, quase inapreciável ao ouvido, chamado coma (ou, à portuguesa, vírgula),
em sinalização gráfica é o indicativo da pausa
breve, no corte frásico.
A maior parte das pessoas que escrevem põem as vírgulas quase por intuição. É o ouvido
interior que as orienta.
Não admira. A necessidade da vírgula pressente-se, e sente-se, na pausa que quebra uma
sequência, no corte fónico, na secção, na incisão, que um encravamento de
palavra, expressão ou frase determina.
Para se empregarem as vírgulas com toda a perfeição é
indispensável ter presentes, pelo menos, algumas noções de sintaxe, porque,
como os antigos diziam, “os sinais de pontuação constituem verdadeiras notações
sintáticas, apesar da sua constituição em traçado gráfico”.
Mas, como as noções sintáticas se esquecem ou se ignoram, o
emprego de uma notação como a vírgula
representa dificuldade ou maçada.
Conta-se amiúde o que certo escritor fez. Redigiu uma carta.
Como, porém, não sabia pôr vírgulas, chegou ao fim da missiva e garatujou
abundantes sinais destes e também pontos, etc.
E depois acrescentou: “Aqui vai um fartote de pontos e
vírgulas e outras insignificâncias. Como não tenho tempo de as colocar na
carta, faz o favor de distribuir pelas linhas que aí ficam as vírgulas e o
resto da tralha da pontuação”.
Infelizmente, como este sujeito há muita gente que não sabe
ou não quer saber pontuar. Mais vírgula, menos vírgula não tem importância -
diz-se às vezes.
Que maçada! Estar a pôr todas as vírgulas!
Ora, a razão desta antipatia está quase sempre no
desconhecimento do emprego desse importante sinal gráfico.
Costumam os próprios artistas da palavra, os escritores,
fazer gala na confissão de que desconhecem as regras do emprego da vírgula.
O genial caricaturista literário que foi Eça de Queirós, na
excelente Carta, em que põe a ridículo os exageros dos puristas, exageros
condenáveis, na verdade, tem esta observação:
“O purista agarra um soneto, um verso a uma mulher, e pondo
de parte o sentimento, a emoção, a imagem, a poesia, indaga apenas se as
vírgulas estão no seu lugar …” (Ver Cartas
Inéditas de Fradique Mendes).
Tem razão Eça de Queirós. A mania da vírgula é deplorável, como todas as manias.
Todavia, deve reconhecer-se que o desconhecimento desleixado
do uso das vírgulas é perigoso, porque a maneira de virgular revela a
instrução, descobre a disciplina mental; é um verdadeiro índice da mentalidade
de quem escreve.
Por uma vírgula mal colocada pode avaliar-se o grau de
cultura de qualquer pessoa.
Por uma vírgula correta e lógica, é fácil sentir um espírito
esclarecido, inteligente, instruído, metódico.
Mais ainda: um escritor, um artista da palavra escrita, pode
conseguir com a virgulação perfeita belos efeitos estéticos de clareza, de
ritmo e outras virtudes da linguagem, do estilo, da expressão.
Se me permitam os gramáticos eu dou uma regra pitoresca para
o uso da vírgula.
E é assim: - a vírgula deve pôr-se como sinal do que se encrava na frase.
Onde houver encravanço, no andamento natural da frase, aí
deve surgir a vírgula.
Na verdade, a utilidade primordial da vírgula (ou dos sinais que lhe correspondiam) é a indicação das
pausas menores que separam as partes frásicas.
E, destarte, tudo quanto seja encravado ou incidido ou
interposto ou secionado numa frase pede vírgula.
De modo geral, a vírgula,
portanto, separa, corta, cinde tudo o que for meramente explicativo ou
acessório, tudo o que se encravar ou tudo o que se puder suprimir sem alterar a
construção.
Assim como um autocarro (ou um elétrico) pára nas chamadas
paragens (ou, à brasileira, nas paradas) onde se colocam sinais de paragem (ou
de parada), assim no andamento frásico nós paramos em sítios de pausa, cujo
sinal seja a vírgula.
O ponto e vírgula
corresponde à paragem-zona e o ponto
final ao término da carreira.
Dir-me-ão agora: mas nos tempos antigos não havia elétricos.
Pois não.
É por isso que a gente, ao ler os velhos autores com períodos
enormes, julga que viaja em carros de bois.
E certos escribas de hoje que não põem vírgulas são como os
automobilistas que andam tão depressa que, desprezando os sinais de trânsito,
partem os postes, a cabeça, as costelas e o resto da tralha corpórea.
Glória, pois, à vírgula,
farolzinho dos mares da escrita, delicada fronteira do pensamento!
A vírgula é frágil
e poderosa; a vírgula é humilde e
grandiosa; a vírgula é amiga e
traidora; a vírgula é guia e é
estenderete: a vírgula pode ser luz
da palavra escrita e pode ser escuridão para o pensamento.
Eu te saúdo, ó vírgula,
amparo de quem escreve, segurança de quem lê, sinal de quem pensa!
Sem ti, ó vírgula
potente, ó vírgula luminosa, o Mundo
da Escrita é confuso, é traiçoeiro, é estúpido!
Carlos Fiúza
2 comentários:
Brasil adia para 2016 aplicação obrigatória do Novo Acordo Ortográfico
O Governo brasileiro adiou hoje a aplicação obrigatória do novo acordo ortográfico em três anos, para 01 de janeiro de 2016, de acordo com o decreto publicado no "Diário Oficial da União".
Até então, o decreto promulgado em 2008 previa a aplicação obrigatória das novas regras em janeiro de 2013, já na terça-feira.
A iniciativa do adiamento surgiu após um pedido de parlamentares da Comissão de Educação do Senado, que ouviram, numa audiência pública, as críticas de destacados linguistas brasileiros às novas regras.
Como não havia tempo útil para a aprovação de um projeto parlamentar, a saída foi negociada com o Governo, disse à Lusa o senador Cyro Miranda no início do mês.
Desde janeiro de 2009, quando começou oficialmente a adesão do Brasil ao acordo, o uso da nova grafia é opcional, e vai continuar a ser até 31 de dezembro de 2015.
O adiamento, defendido por parlamentares e linguistas, está a gerar polémica entre educadores e alunos que já estão a adotar as novas regras.
Para os especialistas, como o linguista e professor brasileiro Ernani Pimentel, o adiamento é um primeiro passo para a reforma do Novo Acordo que, na sua opinião, não simplifica suficientemente a língua portuguesa.
Agência Lusa
Vasco Graça Moura defende suspensão do acordo ortográfico
"Vamos ter três grafias, uma coisa sem pés nem cabeça"
Áudio Graça Moura defende suspensão do AO
Presidente do Centro Cultural de Belém defende uma renegociação com os restantes países e diz ser “delirante” manter acordo quando o Brasil o empurrou mais três anos.
os iluminados do costume que se pronunciavam a favor, andam calados .
se calhar até já são contra
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