I - Brasil
Ao meu coração de português causa grande e sincero desconsolo
o descobrir qualquer inexatidão ou insuficiência em livros estrangeiros que
registam algo de Portugal ou relacionável com Portugal.
Desta feita, o desconsolo transformou-se no desejo de chamar
a atenção dos estudiosos portugueses para uma injustiça da erudição
estrangeira.
É o Brasil uma das maiores glórias de Portugal e o porquê de
assim ser todos nós o sabemos.
Não basta, porém, que nós o saibamos: preciso se faz que os
estranhos respeitem, em todos os aspetos, essa glória.
Ora, acontece que em alguns dicionários não portugueses, na
etimologia da palavra correspondente do nome comum “brasil” e, o que é pior, ao
nome próprio do grande país sul-americano, não se marca por vezes a necessária
referência à forma portuguesa, à Língua portuguesa e, portanto, a Portugal.
Um dos dicionários ingleses de maior expansão universal é,
sem dúvida, o “Chambers’s Twentieth Century Dictionary”.
Na etimologia do nome comum “brazil” regista o seguinte, que
transcrevo em tradução:
“ [Antigo francês “bresil” (espanhol “brasil”, italiano “brasile”)
- Baixo latim “brasilium”, pau de tinta vermelha, trazida do Oriente, por sua
vez bem decerto corrupção de alguma palavra oriental. Quando se descobriu
madeira semelhante na América do Sul, essa Terra ficou sendo conhecida como a
“terra de brasil”, e daqui “Brasil”…].
Como se vê, há aqui uma injusta omissão, pois fala-se em
latim, em antigo francês, em espanhol, em italiano, mas não se menciona
Portugal nem a Língua portuguesa.
Tratando-se de um livro de forte divulgação, consultado por
milhões de pessoas sem preparação cultural histórica suficiente para lhes
ocorrer a lembrança do povo glorioso que ofereceu ao mundo o Brasil, conclui-se
ser bem de lastimar que assim se espalhe uma insuficiência etimológica,
aparentemente insignificante.
Tem-se escrito muita página a respeito dos seguintes
problemas que se prendem com o nome do grande país da América do Sul:
1 - Qual a origem do nome próprio geográfico?
2 - Se alguma relação há entre o nome comum do pau-brasil e o
nome desse País, qual a proveniência de tal nome comum?
Quanto ao primeiro problema, convém acentuar que certas
fantasiosas histórias têm contribuído para o complicar desnecessariamente,
chegando-se por vezes a arquitetar verdadeiras infantilidades, como a que
relaciona o nome da terra brasílica com a lenda das ilhas “Afortunadas”, ou a
que admite que a ilha atlântica Brasil, registada em 1351, e à qual se atribui
nome celta (de “bress”, felicidade), houvesse dado o chamadoiro à “Terra dos
Papagaios”, como efemeramente também se chamou ao Brasil, quando de lá vieram
para Lisboa as primeiras araras.
Damião de Góis, na “Crónica de D. Manuel”, afirma que Pedro
Álvares Cabral “mandou poer em terra uma cruz de pedra como por padrão, com que
tomava a posse de toda aquela província, à qual pôs o nome de Santa Cruz, posto
que se agora erradamente chame de Brasil, por causa do pau vermelho que dela
vem, a que chamam brasil”.
É facto histórico incontroverso que, poucos anos depois do
descobrimento do Brasil pelos portugueses, acorriam às costas que se estendem
ao sul do cabo de S. Roque muitas embarcações de traficantes em procura da
madeira corante - “brasil”.
A nossa inteligência entende perfeitamente que, se os
primeiros que demandaram repetidamente a “Terra de Vera Cruz” lá iam por mor do
pau-brasil, a essa terra chamassem “terra do brasil”. Numerosíssimos são os
casos de topónimos explicáveis pela abundância de coisas encontradas. Lembrarei
apenas - a Ilha da Madeira, os Açores, etc., etc.
Quanto ao nome comum “brasil”, a origem deve de estar numa forma
germânica “brasa”, que se encontra no português “brasa”, no francês “braise”,
etc.
O nome do pau-brasil explica-se em vista da cor vermelha da
matéria corante, comparada à cor da brasa.
Convém acentuar que, antes do descobrimento da “Terra de Vera
Cruz”, já desde o século XII se conhecia na Europa o pau-brasil, madeira
asiática cuja matéria corante se empregava na tintura de panos e até em
iluminuras.
O nosso Épico dirá também (Lus.X.140):
Mas cá onde mais se alarga, até tereis
Parte também co’ o pau vermelho nota;
De Santa Cruz o nome lhe poreis;
Descobri-la-á a primeira vossa frota.
Na verdade, só depois de os Portugueses levarem a sua
“primeira frota” lá onde essa terra “mais se alarga”, aquela parte se tornou
“nota” ou conhecida pelo nome de “pau vermelho”.
Assim, o nome deles (Portugueses), o da sua pátria
(Portugal), o da sua Língua (a portuguesa) devem figurar sempre claramente, sem
a menor ambiguidade, nos livros estrangeiros difusores de cultura, que se ocupem
direta ou indiretamente da Terra de Vera Cruz, de Santa Cruz, ou do Brasil.
Carlos Fiúza
Em continuação:
II - Brasil e Língua de Portugal
III - Brasileirismos, neologismos e prosódia
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