19 julho 2012

Me diga… me faça o favor… Acordo?! . Carlos Fiúza


I - Brasil
Ao meu coração de português causa grande e sincero desconsolo o descobrir qualquer inexatidão ou insuficiência em livros estrangeiros que registam algo de Portugal ou relacionável com Portugal.
Desta feita, o desconsolo transformou-se no desejo de chamar a atenção dos estudiosos portugueses para uma injustiça da erudição estrangeira.
É o Brasil uma das maiores glórias de Portugal e o porquê de assim ser todos nós o sabemos.
Não basta, porém, que nós o saibamos: preciso se faz que os estranhos respeitem, em todos os aspetos, essa glória.
Ora, acontece que em alguns dicionários não portugueses, na etimologia da palavra correspondente do nome comum “brasil” e, o que é pior, ao nome próprio do grande país sul-americano, não se marca por vezes a necessária referência à forma portuguesa, à Língua portuguesa e, portanto, a Portugal.
Um dos dicionários ingleses de maior expansão universal é, sem dúvida, o “Chambers’s Twentieth Century Dictionary”.
Na etimologia do nome comum “brazil” regista o seguinte, que transcrevo em tradução:
“ [Antigo francês “bresil” (espanhol “brasil”, italiano “brasile”) - Baixo latim “brasilium”, pau de tinta vermelha, trazida do Oriente, por sua vez bem decerto corrupção de alguma palavra oriental. Quando se descobriu madeira semelhante na América do Sul, essa Terra ficou sendo conhecida como a “terra de brasil”, e daqui “Brasil”…].
Como se vê, há aqui uma injusta omissão, pois fala-se em latim, em antigo francês, em espanhol, em italiano, mas não se menciona Portugal nem a Língua portuguesa.
Tratando-se de um livro de forte divulgação, consultado por milhões de pessoas sem preparação cultural histórica suficiente para lhes ocorrer a lembrança do povo glorioso que ofereceu ao mundo o Brasil, conclui-se ser bem de lastimar que assim se espalhe uma insuficiência etimológica, aparentemente insignificante.
Tem-se escrito muita página a respeito dos seguintes problemas que se prendem com o nome do grande país da América do Sul:
1 - Qual a origem do nome próprio geográfico?
2 - Se alguma relação há entre o nome comum do pau-brasil e o nome desse País, qual a proveniência de tal nome comum?
Quanto ao primeiro problema, convém acentuar que certas fantasiosas histórias têm contribuído para o complicar desnecessariamente, chegando-se por vezes a arquitetar verdadeiras infantilidades, como a que relaciona o nome da terra brasílica com a lenda das ilhas “Afortunadas”, ou a que admite que a ilha atlântica Brasil, registada em 1351, e à qual se atribui nome celta (de “bress”, felicidade), houvesse dado o chamadoiro à “Terra dos Papagaios”, como efemeramente também se chamou ao Brasil, quando de lá vieram para Lisboa as primeiras araras.
Damião de Góis, na “Crónica de D. Manuel”, afirma que Pedro Álvares Cabral “mandou poer em terra uma cruz de pedra como por padrão, com que tomava a posse de toda aquela província, à qual pôs o nome de Santa Cruz, posto que se agora erradamente chame de Brasil, por causa do pau vermelho que dela vem, a que chamam brasil”.
É facto histórico incontroverso que, poucos anos depois do descobrimento do Brasil pelos portugueses, acorriam às costas que se estendem ao sul do cabo de S. Roque muitas embarcações de traficantes em procura da madeira corante - “brasil”.
A nossa inteligência entende perfeitamente que, se os primeiros que demandaram repetidamente a “Terra de Vera Cruz” lá iam por mor do pau-brasil, a essa terra chamassem “terra do brasil”. Numerosíssimos são os casos de topónimos explicáveis pela abundância de coisas encontradas. Lembrarei apenas - a Ilha da Madeira, os Açores, etc., etc.
Quanto ao nome comum “brasil”, a origem deve de estar numa forma germânica “brasa”, que se encontra no português “brasa”, no francês “braise”, etc.
O nome do pau-brasil explica-se em vista da cor vermelha da matéria corante, comparada à cor da brasa.
Convém acentuar que, antes do descobrimento da “Terra de Vera Cruz”, já desde o século XII se conhecia na Europa o pau-brasil, madeira asiática cuja matéria corante se empregava na tintura de panos e até em iluminuras.
O nosso Épico dirá também (Lus.X.140):

Mas cá onde mais se alarga, até tereis
Parte também co’ o pau vermelho nota;
De Santa Cruz o nome lhe poreis;
Descobri-la-á a primeira vossa frota.

Na verdade, só depois de os Portugueses levarem a sua “primeira frota” lá onde essa terra “mais se alarga”, aquela parte se tornou “nota” ou conhecida pelo nome de “pau vermelho”.
Assim, o nome deles (Portugueses), o da sua pátria (Portugal), o da sua Língua (a portuguesa) devem figurar sempre claramente, sem a menor ambiguidade, nos livros estrangeiros difusores de cultura, que se ocupem direta ou indiretamente da Terra de Vera Cruz, de Santa Cruz, ou do Brasil.

Carlos Fiúza

Em continuação:
II - Brasil e Língua de Portugal
III - Brasileirismos, neologismos e prosódia

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