A casa térrea é
pequena e formada por um único compartimento, onde, com “sua licença”, tudo se
faz; uma única porta, que rola sobre a soleira; uma única janela, que fecha com
a tranca de madeira. Num canto acende-se o lume; noutro come-se, habitualmente
em cima da arca que guarda o pão, “casa onde comem dois, comem três”; noutro
dorme a família, quase sempre numerosa.
Na
habitação de dois pisos: o primeiro é para morar e é composta pela fundamental
cozinha, a sala e um ou outro quarto; no rés-do-chão, a loja dos animais, as
arrumações de produtos agrícolas ou a adega. A ligar o piso térreo ao superior,
as escadas sempre exteriores e, bem no cimo, a varanda em granito ou madeira,
rodeada por um corrimão.
A
cozinha é o espaço mais amplo, para poder receber os "obreiros", toda
a família no Natal e na matança do porco. É o lugar essencial da vida familiar:
nela se recebem as visitas, a Santa Cruz na Páscoa, a Sagrada Família quando
chega a vez; se cozinha e se come, se convive um pouco, cruzando conversas,
transmitindo saberes; os segredos são ditos em voz baixa, não vá alguém escutar
atrás da porta, porque há quem a isso se dedique. A saída do fumo é simplificada
por um pequeno cabanal; como o resto do telhado, está coberto de telha vã, à
antiga portuguesa, fabricada em Carrazeda, quando o vento o impede, a única
solução é sair para a rua com uma tosse seca e os olhos a lacrimejar. A um
canto, a velha arca de castanho, guarda o sempre existente pão de centeio, ou
trigo e a sêmea, “casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. Ao
alto, num canto, o “mosqueiro”, pequeno móvel cubiforme, aberto em toda a
volta, apenas protegido com uma rede, guarda os restos da carne cozida do
porco. Na viga de madeira que sustenta o telhado repousa um ou outro salpicão,
a bexiga do porco e o duradouro presunto. O "almário", enfeitado com
os jornais recortados e colados com o miolo do pão, exibe as louças de barro.
Na "pilheira", prateleira aberta na parede, guardam-se os potes e os
tachos. Numa das paredes, todas elas escuras como o breu, junto da lareira, um
espigão segura a candeia a petróleo ou lamparina de azeite, que, "do
tamanho de uma abelha, enche a casa até à telha". Em alguns sobrados, o
alçapão facilita a entrada nos baixos da casa, sem sair à rua e apanhar frio;
por ele se “deita a candeia”, que se segura deitado no sobrado, enquanto o pai
e a mãe tratam da “cria”.
A
lareira é rodeada do escano de castanho enegrecido pelo fumo, que ajuda ao
aconchego no longo e desagradável inverno, e serve de mesa para as refeições.
Está acesa todo o ano para cozinhar e aquecer; no trasfogueiro coloca-se a
lenha de giesta, de pinheiro, de carvalho, e um ou outro “tôro”, um pau grosso
ou um cavaco para “pegar no lume”, que deve estar sempre vivo e a crepitar. Ao
redor, os potes de ferro, a caldeira de cobre, o tripé, a pá e as tenazes são
elementos sempre existentes. No maior pote coze ou aquece o caldo, presença certa
em todas as refeições, não faltando à ceia, pois comer o “caldo e deita” é o
comum de todos os dias: Nos ferros dependurados, o caldeiro de zinco, ou o
panelão de ferro coze a vianda dos “recos”. Nas traves seca-se o fumeiro e é
aí, que se dispõem as varas dos enchidos aquando da matança. À volta, o lar de
pedra, sustentado por grossas traves, é o lugar onde todos se sentam em bancos
de madeira e no escano, numa grande roda, há sempre lugar para mais um: aí se
aquece o corpo e a alma, se seca a roupa depois de uma molha, se enxugam os
socos e as socas, se aquecem os pés para ir para a cama…
A
casa do lavrador mais abastado está rodeada pelo “quinteiro” murado com uma
grande e alta porta para passarem os carros de bois carregados de lenha, de
palha e de feno. Neste espaço, situa-se o cabanal, onde se guarda a lenha e as
alfaias agrícolas. O espaço que fica sob as escaleiras, é aproveitado para o
galinheiro, a coelheira ou a loja dos porcos. Às vezes misturavam-se todos os
animais. No chão deita-se palha, se não abunda trazem-se agulhetas ou "fieitos" do monte, para estrumar, nesse mesmo tapete se fazem as necessidades e se despejam os "penicos". Algumas habitações têm ao lado o palheiro, onde se guardam as palhas e
os fenos.
No
cimo das escaleiras de granito, a varanda é um espaço essencial à economia e ao
lazer familiar. Nela se seca a roupa, se apanha o sol, se expõem os cacos
dos craveiros e manjericos, se dorme a sesta na canícula, se secam as vagens,
os feijões, o milho...
A
porta não tem chave, fecha-se com o cravelho, peça grosseira de madeira com que
se fecham as portas e as cancelas, porque “a casa de amigo rico não vás sem ser
requerido, mas à casa do necessitado vai sem ser chamado”; na base da porta de
castanho um grande buraco por onde entra e sai o gato, necessário à caça das
ratazanas, que tudo ratam. A janela, sempre presente, está defendida pela
portinhola de madeira de castanho, segura com a tranca pelo interior e no largo
parapeito, um “caco” ou um velho pote de ferro mostra um cravo florido. Por ela
se areja o interior, “casa onde entra o sol não entra o médico”; no inverno tem
de manter-se fechada, nem que seja à noitinha, porque dela entra um “frio de
rachar”.
Por sobre as telhas, o vento assobia canções de embalar que ajuda a "depressa a adormecer". Pela manhã, a claridade entra pelas frestas das telhas, das janelas e até das paredes, e impede “recoucares” matinais, porque “deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer”.
Por sobre as telhas, o vento assobia canções de embalar que ajuda a "depressa a adormecer". Pela manhã, a claridade entra pelas frestas das telhas, das janelas e até das paredes, e impede “recoucares” matinais, porque “deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer”.
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(do sítio do costume)
5 comentários:
Como o espaço dessas casas era na maior parte dos casos de pequenas dimensões,um casal dizia:-
Aqui fica a cama,ali fica o lar e o berço do menino onde há-de ficar?.Era assim antigamente,realmente era verdade.
O que mais custa é ver pessoas que nasceram nessas casas,dormiam em lençóis de lona e hoje parece que têm não só o rei na barriga mas sim uma casa real inteira.
Que bom seria se nem que fosse por uns segundos regressassem às suas raízes.
ESTE É UM EXEMPLO DO QUE SE PASSA POR QUASE TODO O INTERIOR TRANSMONTANO.DÁ-ME PENA VER ESTE CENÁRIO.
Por tudo isto e mais uma vez OBRIGADO Zé Mesquita por recordar esta realidade
os Transmontanos TÊM DE TER ORGULHO nas suas origens...
não é qualquer efeminado , fraquinho ou apaparicado .QUE.. AGUENTA e SOBREVIVE..
O ASQUEROSO é que muitos que tiveram estas origens.. hoje sejam dos mais prejudicam a sua TERRA MÃE
que lhes permitiu SOBREVIVER...
envergonhando-a e ENVERGONHANDO-NOS a todos
........
Força Zé Mesquita ..
A coragem da palavra é VIDA
A coragem da repressão é MORTE DOS COBARDES QUE A IMPLEMENTAM
Enquanto isso,vão matando as nossas esperanças de vida tirando-nos tudo o que com tanto suor se conseguiu conquistar,durante uma vida inteira de trabalho.AS NOSSAS MISERAS REFORMAS.
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