28 março 2012

Poeiras do meu sótão… : Carlos Fiúza


Confesso um dos meus fracos, uma das minhas predileções - gosto muito de conversar com os antigos.
E gosto de conversar com os antigos pela razão simples de que encontro sempre no que eles dizem algo que me faz refletir. Além disso, os antigos têm o condão de falar com uma singeleza tão cativante que o proveito das suas lições traz consigo o prazer da meiguice no modo humilde ou discreto e, por vezes, encantadoramente ingénuo da exposição dos assuntos.
Quando posso, refugio-me, pois, na leitura dos velhos autores, dando-me assim ao prazer espiritual de escutar a voz ensinadora do passado.
Hoje deu-me para aprender… gramática!
Não a gramática rabugenta em que vós estais a pensar. Não!
A gramática com quem estive conversando foi uma velhinha de 476 anos de idade (um “fac-simile” que me caiu nas mãos, desencantado na Biblioteca Municipal), mas uma velhinha simpática, muito simples, com um gracioso modo natural de falar, dir-se-ia elegante na sua rudeza primitiva.
Justamente, a primeira Gramática de Portugal, feita há quase cinco séculos, em 1536, por Fernão de Oliveira!
Julgarão alguns modernistas que as velharias não interessam. Redondo engano. As velharias ensinam-nos muita coisa.
Esta velinha do século XVI convida-nos a muita observação que ainda terá, pelo menos, este mérito: ensinar aos estudiosos da língua que certos factos que a moderna ciência linguística apregoa já na antiguidade se haviam observado, anotado e comentado.
Apraz-me conceder já a palavra à mais velhinha das gramáticas portuguesas, verdadeira alma do outro mundo, a qual virá, com voz sumida de mais de quatro séculos, dizer algo da sua ciência.
Para abrir o apetite dos estudiosos descrentes e até dos investigadores bisonhos, aqui lhes ofereço o modo formidavelmente vivo como a veneranda gramática de quinhentos ensinava, por exemplo, a pronúncia do X em português:
“… pronuncia-se com as queixadas apertadas no meio da boca, os dentes juntos, a língua ancha dentro da boca e o espírito ferve na humidade da língua”.
Diga-se o que se disser, este modo de, no século XVI, se explicar o X tem um não sei quê de “experimental”, que há de envergonhar certos gramáticos teóricos dos nossos dias.
Na verdade, muitos gramáticos de agora dizem que o X é uma consoante “constritiva”, coisa que nem toda a gente percebe ser referente à constrição ou aperto na passagem do ar. Pois a gramática de 1536 não esteve com meias medidas: Quer-se proferir o X? - Apertem-se as queixadas no meio da boca.
Mas porquê “língua ancha”? Ora essa! Para que o espírito ferva na humidade da língua
 Hoje diz-se que o X é consoante fricativa palatal. Cientificamente, é mais exato; mas a “fervura do espírito na humidade da língua” tem maior poder “descritivo”- É muito mais “imitativo”.
Não vá daqui supor-se que a velha gramática só tem conselhos provocadores do sorriso ou até do riso dos modernos.
Nada disso!
Pelo contrário, seus pareceres e ensinamentos são bem atiladamente objetivos.
Ora, escutai isto, por exemplo, na vetusta obra de antanho:
As dições usadas são estas que nos servem a cada porta (como dizem), estas, digo, que todos falam e entendem, as quais são próprias do nosso tempo e da nossa terra; e quem não usa delas é desentoado, fora do tom e música dos nossos homens de agora… De todas elas (dições usadas) ou são gerais… como pão, vinho, céu e terra, ou são particulares… porque os da Beira têm umas falas e os do Alentejo outras, e os homens da Estremadura são diferentes dos dantre Douro e Minho; e os mecânicos, outros; e os mercadores, outras. Saibamos que a primeira e principal virtude da língua é ser clara e que a possam todos entender e, para ser bem entendida, há de ser a mais acostumada entre os melhores dela; e os melhores da língua são os que mais leram e viveram, continuando antre primores sisudos e assentados, e não amigos de muita mudança”.
Finda a transcrição, indago:
Que nos ensinou a velhinha neste seu discretear?
1.º - Ensinou-nos que a linguagem corrente e natural é a que todos falam e entendem;
2.º - Disse-nos que há palavras pertencentes ao falar geral (v.g. pão, vinho, céu e terra) e palavras particulares, pertencentes a ofícios e a tratos sociais.
3.º - Cada terra tem seu uso de falar. Isto nos ensinou a obra velhinha, com esta observação perspicaz: “assim como os tempos assim também as terras criam diversas condições e conceitos”. Já o nosso povo diz: “Cada terra com seu uso e cada roca com seu fuso”.
4.º - “A clareza é a primeira e principal virtude da língua”. E onde está essa virtude? Na permanência da linguagem dos “primores sisudos e assentados”.
E isto é uma verdade.
Se alguém não concordar, far-lhe-ei advertir em que, para a intercomunicação espiritual, os homens dispõem de dois grandes meios - a linguagem falada e a linguagem escrita. (Não interessam agora os outros recursos comunicativos, como o gesto, etc.) Ora, cada uma delas - a falada e a escrita - mesmo na relativa  unidade idiomática varia pela qualidade (e também pela quantidade) nas bocas das pessoas cultas, e nas das incultas, nas penas dos letrados e nas dos hemianalfabetos.
Quero dizer, tanto no falar como no escrever, qualquer idioma diferencia-se em linguagem popular e linguagem culta.
Pois bem.
Quer a linguagem popular (aquela que é corrente, espontânea no expressar livre das gentes que falam sem qualquer polimento literário ou gramatical), quer a linguagem culta (a que é orientada estética e gramaticalmente), ambas serão vistosas pela clareza, se não caírem na leviandade de exageradas mudanças.
Portanto, os sobreexpostos conselhos da velhíssima gramática podem muito bem repetir-se nos nossos tempos.
No fim de tais falas dessa alma do outro mundo, que é a primeira Gramática de Portugal, nascida em 1536, eu fico a pensar que, há séculos, na nossa Terra, já havia um gramático, pelo menos, que sentia, por intuição, a realidade psicológica nas palavras.

 Carlos Fiúza

2 comentários:

mario carvalho disse...

Obrigado Carlos Fiuza
ninguém pode desistir .. embora

permitam-me que faça minhas :


Bill Cosby "I'm 64 and Tired" (Born July 12th. 1947)


"Tenho 64 anos e estou cansado"


Este deveria ser leitura obrigatória para cada homem, mulher e criança na Jamaica, Reino Unido, Estados Unidos da América, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Portugal
a todo o mundo...

Tenho 64 anos. Excepto num breve período na década de 60 quando fiz o meu serviço militar. Tenho trabalhado duro desde que eu tinha 17 anos, excepto por alguns graves desafios de saúde. Tinha 50 horas por semana e não caí de doente em quase 40 anos. Tinha um salário razoável, mas eu não herdei o meu trabalho ou o meu rendimento, e eu trabalhei para chegar onde estou. Dado o estado da economia, parece que a reforma foi uma má idéia. E estou cansado. Muito cansado.

Estou cansado de que me digam que eu tenho que "espalhar a riqueza" para as pessoas que não tenham a minha ética de trabalho. Estou cansado de que me digam que o governo fica com o dinheiro que eu ganho, pela força se necessário, para dá-lo a pessoas com preguiça para ganhá-lo.

Estou cansado de que digam que o Islão é uma "religião da paz", quando todos os dias eu leio dezenas de histórias de homens muçulmanos matar as suas irmãs, esposas e filhas para "honra" da família; de tumultos de muçulmanos sobre alguma ligeira infracção; de muçulmanos a assassinar cristãos e judeus porque não são"crentes"; de muçulmanos queimando escolas para meninas; de muçulmanos apedrejando adolescentes vítimas de estupro, até a morte, por "adultério"; de muçulmanos a mutilar o genital das meninas, tudo em nome de Alá, porque o Alcorão e a lei Shari diz para eles o fazerem.

Estou cansado de que me digam que em nome da "tolerância para com outras culturas" devemos deixar a Arábia Saudita e outros países árabes usarem o nosso dinheiro do petróleo para financiar mesquitas e escolas 'madrassa' islâmicas para pregar o ódio na Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido, Estados Unidos e Canadá, enquanto que ninguém desses países estão autorizados a fundar uma sinagoga, igreja ou escola religiosa na Arábia Saudita ou qualquer outro país árabe, para ensinar amor e tolerância ..

Estou cansado de que me digam para eu baixar o meu padrão de vida para lutar contra o aquecimento global, o qual não é sequer permitido debater...

Estou cansado de que me digam que os toxicodependentes têm uma doença, e eu tenho que ajudar no apoio e tratá-los, pagar pelos danos que eles fazem. Acaso foi um germe gigante, a sair correndo de um beco escuro, a agarrá-los, e enchê-los de pó branco pelo seu nariz ou enfiar uma agulha em seu braço enquanto eles tentavam combatê-lo?!
Estou cansado de ouvir ricos atletas, artistas e políticos de todas os partidos falarem sobre os seus erros inocentes, erros estúpidos ou erros da juventude, quando todos sabemos que o eles pensam é que os seus únicos erros foi terem sido apanhados.

Estou realmente cansado de pessoas que não assumem a responsabilidade pelas suas vidas e ações. Estou cansado de ouvi-los culpar o governo, a discriminação, a economia e a falta de equidade social - de facto, eles não durariam muito mais numa sociedade de verdadeira equidade social...

Eu também estou cansado e farto de ver homens e mulheres jovens e adolescentes serem "doca" de tatuagens e pregos na face, tornando-se não-empregáveis e reivindicando dinheiro do governo, como se de um direito se tratasse.

Sim, estou muito cansado. Mas também estou feliz por ter 64 anos .. Porque não vou ter de ver o mundo nojento que essas pessoas estão preparando. Eu só estou triste por minha neta e os seus filhos.

Graças a Deus, estou no caminho de saída e não no caminho de entrada...

Rui Mesquita disse...

Sr. C.Fiúza, obrigado por partilhar a sua cultura.