Da espuma das polémicas ficam duas ideias fundamentais.
Primeira: perante a assinatura do Acordo e a actual decisão da adopção da nova ortografia nas escolas em Outubro de 2012 para uma aplicação plena em 2014, todas as opiniões críticas se tornarão secundárias, pois os profissionais do ensino, investidos da função de funcionários públicos, têm o dever de aplicá-lo.
Segunda: avessos à mudança estivemos a olhar para o lado, esperando que ninguém mais o lembrasse e assim o deixaríamos ad aeternum no limbo do esquecimento. Porém, a realidade veio ultrapassar a vontade do comodismo e o que resta, é aplicá-lo com o menor custo possível..
O novo acordo ortográfico, datado de 1990, desmitificou o conceito de ortografia como “entidade religiosa” ao admitir o princípio do critério fonético e a admissão de duplas grafias.
Principais alterações: o alfabeto passa a acolher três novas letras: k, w e y. As consoantes mudas (c, p, b, g, m, e t) como iniciais de grupo consonântico conservam-se quando são pronunciadas em todo o espaço geográfico do acordo; suprimem-se quando são mudas e legitima-se a dupla grafia conforme se pronuncie ou não. É ainda o critério da pronúncia que conduz à manutenção da dupla acentuação gráfica do tipo económico e econômico, ou ainda bebé e bebê, ou metro e metrô, etc. São suprimidos os acentos gráficos em certas palavras agudas e graves do tipo para e pára, evoluindo para a forma única não acentuada. Uma outra alteração é o do emprego do hífen que é simplificado e substancialmente reduzido. A utilização das maiúsculas também é minimizada. Não é permitida a dupla grafia num mesmo país, ela só é possível se comparada com realidades nacionais diferentes.
Há três verdades muito evidentes.
Primeira. O português europeu não possui norma fonética, logo é difícil assentar a norma gráfica numa pronúncia que é variável. Não poucas vezes confunde-se a norma culta ou dita "a correcta" com o padrão dos media sedeado em Lisboa. Assim acorda-se a primazia do “critério fonético (ou da pronúncia) sobre o etimológico”, prevendo-se a grafia dupla ou a dupla acentuação gráfica. Atenção que não é permitida a dupla grafia num mesmo país, ela só é possível se comparada com realidades nacionais diferentes.
Segunda. A ortografia e a língua não se confundem. Por isso, as mudanças na ortografia não são transferidas para a oralidade. Não vamos mudar a maneira de nos exprimirmos oralmente É necessário compreender que surge essencialmente para beneficiar a diplomacia, pois tornava-se incompreensível que a assinatura de acordos internacionais necessitasse de dois registos diferentes, numa denominada mesma língua. O Acordo Ortográfico apenas estabelece normas ortográficas, isto é muda a grafia de certos vocábulos. Não introduz uma completa uniformização na grafia das palavras, mas é feito um esforço de redução das diferenças ao mínimo possível . Resumindo: não altera a pronúncia de qualquer palavra, não cria nem elimina palavras, não estabelece regras de sintaxe, não interfere com a coexistência ou com as regras de normas linguísticas regionais.
Terceira. Durante a aprendizagem de uma língua, o papel da memória e da repetição são fundamentais e reconhecemos as palavras como imagens. Conclui-se, o que nos parece difícil e até aberrante dada a gravação mental gráfica, para as crianças em fase de aprendizagem, não o é. As alterações, que afectam sobretudo o desaparecimento das consoantes mudas ou não articuladas, simplificam o sistema de acentuação gráfica e a hifenização, tornam óbvia a maior facilidade de aprendizagem da ortografia.
“Somos uma pequena geografia onde o mundo inteiro se pode encontrar”, afirma o bispo do Porto, Prémio Pessoa 2010 e é neste encontro que se torna rica a nossa língua, com matriz latina, mas influenciada por toda a espécie da linguagem universal. Nos tempos modernos, de forte aculturação da globalização, da universalidade da língua inglesa ditado pelo mercado global, a Língua Portuguesa vai continuar a revelar o extraordinário dinamismo que lhe deu José Saramago com a conquista do Nobel de Literatura, que lhe dá também a genialidade de vultos como Jorge Amado, Mia Couto e Pepetela. A língua de culturas, que é o português, deverá ter, com este Acordo, um novo alento no concerto das nações e a importância devida de 4.ª língua mais falada no mundo depois do mandarim, do inglês e do espanhol.
Com certeza, como conclui o pastor portuense, “seremos um Portugal à altura de si mesmo na largueza do mundo”.
1 comentário:
Ortografia social
À Ciência interessa descobrir as causas dos erros, para, além do mais, os evitar de futuro, ou, pelo menos, atenuá-los.
Censurar os que erram, sem os ajudar nas faltas cometidas por natural motivo, é impróprio dos que se interessam pela Educação.
Em primeiro lugar, deve notar-se que em todas as línguas cultas se dão erros de grafia.
Pode afirmar-se que não há em nenhuma língua uma só pessoa capaz de escrever sempre com absoluta correção ortográfica? E porquê? Porque não há ninguém que não tenha, em dado momento da escrita, a tendência para resolver de modo pessoal qualquer dificuldade que lhe surja; e as dificuldades surgem sempre, quer por não se saber, de pronto, a origem de uma palavra, quer por se ignorar completamente a ciência etimológica, quer enfim por se haver aprendido mal uma regra.
Quanto a Portugal, poderei ajuntar uma outra causa dos erros de grafia: as prolíferas e complicantes regras ortográficas.
De modo que os meninos cábulas e os senhores que não têm a pouca sorte de ser filólogos, se erram ao grafar qualquer palavra, podem afoitamente desculpar-se, alegando que obedecem a um imperativo geográfico-histórico: o de terem nascido em Portugal entre “Acordos”.
Os reformadores ortográficos quase sempre se esquecem de um ponto muito importante, no estudo da causa dos erros – a frequência das desobediências às regras artificiais.
Os repetidos desrespeitos de tais regras mostram que o “hábito” (segunda natureza, como está aceite), o “hábito coletivo” de escrever em desacordo com teóricas regras ortográficas, deverá levar-se em linha de conta para o estabelecimento prudente de quaisquer alterações.
O papel dos reformadores ortográficos deve ser ir ao encontro das “tendências idiomáticas”, e não rebater essas tendências com regras artificiais.
Pois, está assente, que as regras ortográficas se tornam letra morta, desde que não sejam fáceis de aprender.
Há quem diga, com pedagogia assaz bizarra, que, uma vez fixada a grafia das palavras, depois é só ir ao dicionário, e pronto.
Engano. Em primeiro lugar, se se poêm as esperanças de disciplina na consulta amiudada a esses livros (verdadeiros catálogos de palavras mortas), então desiludamo-nos: quase ninguém aprenderá a escrever, porque a aprendizagem social de uma ortografia tem de contar, sobretudo, com a compreensão, e não, principalmente, com a fixação mecânica.
Por outro lado, também convém advertir em estoutra realidade: Quando se trata de uma Língua como a Portuguesa (em que a unidade, sobretudo luso-brasileira não pode nem deve perder de vista a real dualidade de sotaques naturais e fatais) não se deve impor nada que de algum modo venha enganar, minimamente, a verdade da evolução fonética, mesmo que tal evolução se opere em diferenciações lentas.
Já foi português proferir e escrever “minino”. Hoje, em Portugal, diz-se e escreve-se “menino”. Pois o nome antigo “minino” por lá anda, na outra margem atlântica.
Cá, diz-se – de dia. No Brasil é frequente pronunciar-se – di dia.
Combatam-se, reprimam-se as variedades gráficas provenientes de erros ou de caprichos.
Mas admitam-se as raras “duplicidades” que a história da língua (língua de expansão e, por isso, rica de valores) justifique.
Carlos Fiúza
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