Não sei se já repararam no poder desta palavra vulgaríssima -
Correio.
É que esta palavra “correio” pode ser mensageiro de um mundo
de venturas, de ansiedades, de ilusões, de esperanças, de sonhos, de
sobressaltos, e também de receados aborrecimentos, angústias e infelicidades.
- Já passou o correio?
- O correio não trouxe nada?
E tantas, tantas outras interrogações em que essa palavrinha
poderosa impera, qual despótico deus de destinos das vidas…
- Leva alguma carta para mim?
- Hoje não há nada.
E “ela” fica triste, porque “ele” não lhe escreveu…
Figurando todo esse pluriforme, e omnídono, e ubíquo poder da
palavra “correio”, convido quem me atende a considerar o que este assunto nos
possa manifestar de interesse cultural e linguístico.
Podemos começar, precisamente, por ver o que seja isto de
“correio”.
Não é difícil que ao falar-se no “correio” alguém se lembre
de relacionar essa palavra com a parónima “correia”.
A correia que segurava as malas da correspondência seria a
causa de se chamar “correio” ao homem das cartas?
Há quem defenda que esta hipótese não é de aceitar, se entrarmos
no campo da comparação interlinguística, isto é, se formos ver o que há por
outras línguas.
Investigando assim, somos levados a concluir que “correio” se
relaciona com a ideia de “correr”, com a ideia de levar as notícias a “correr”,
para comunicar depressa qualquer nova, boa ou má.
O “correio” era, pois, o portador rápido da correspondência.
Se não levam à conta de exagero, eu chamo a depor a própria
mitologia.
Quem era o deus mensageiro dos outros deuses? Era o Mercúrio,
senhor do comércio e emissário de Júpiter.
Ora, esse sujeito mitológico, o Mercúrio, tinha asas pegadas
na cabeça, para que pudesse com presteza executar as ordens de Júpiter
principalmente.
Mercúrio era, assim, uma espécie de “correio” dos deuses. E a
rapidez o caracterizava!
Mas havia outro fulano mitológico, também empregado no
serviço dos “Correios do Olimpo”.
Era o Tritão, deus marinho, filho de Neptuno, está claro.
Pois este senhor Tritão era correio de seu pai, e andava sempre montado num
cavalo marinho.
Aqui temos, portanto, as mesmas ideias de “correio” e de
“correr” bem relacionadas.
Creio, assim, que realmente o vocábulo “correio” nasceu de
“correr”, porque os portadores de notícias, de cartas, etc. tinham de prestar o
seu serviço acudindo depressa aos pontos do destino.
Eu não resisto a fazer reviver aqui a velha definição de
“correio” dada pelo mais antigo dicionarista português: Morais e Silva.
Registou ele isto:
“Corrêo ou correio (ou antes correyo), s. m. Homem, que se
despede à pressa, e pela posta com despachos”.
Veja-se bem - homem que se despede à pressa.
Cá temos a ideia de “correio” ligado à pressa e, por
consequência, a “correr”.
O “correio” começou por ser, assim, o homem que levava as
notícias. Depois, foi-se alargando a aplicação do termo: passou a ser a própria
casa onde se deitavam as cartas, a carruagem das malas, e até o navio que
levava a correspondência para chegarmos aos tempos de hoje e já termos o
correio aéreo.
Os aviões são, deste modo, os mercúrios da nossa época.
Se a história se repete, igualmente a mitologia parece
reviver.
A amplitude da palavra “correio” chegou ao ponto de com ela
expressarmos até aquilo que se manda ou recebe.
E hoje até dizemos… “e-mail”!
E quem fala em “correio”, fala em “carta”.
Palavra mais vulgar do que a palavra “carta” dificilmente se
encontra.
Como nasceu a “carta”?
Foi o latim que nos legou a carta. A “charta” latina era
folha de papiro, era a folha escrita, era o papel “charter”. A “charta” latina
proveio do grego “khartés”, a folha de papiro, e foi por via eclesiástica que
se espalhou o termo “carta”.
Já que estou divagando a respeito dos correios e cartas,
aproveito o ensejo para duas notas sobre correio e carteiro.
Cá pela cidade há muito o costume de chamar “correio” ao
distribuidor da correspondência, e está certo, porque assim tem sido há muito
tempo na nossa língua. Mas tenho notado que as pessoas da província usam mais o
termo “carteiro”, derivado de “carta” + sufixo “eiro”.
É óbvio que ambas as formas são de escorreito emprego, mas a
subtil diferença está nisto: “correio” é palavra genérica; pode empregar-se ao
distribuídor de cartas, de postal, de impresso, ou até de telegrama. “Carteiro”
é um termo que precisa de alargamento semântico para se utilizar nestas
generalizantes aceções.
Um ponto sobressai, entretanto: embora o progresso modifique
processos, a marca do passado fica a atestar as formas antigas.
Assim, por exemplo, hoje a correspondência é transportada em
sacos. Noutros tempos, predominava a “mala”. Por isso, ainda atualmente falamos
em “malas postais”.
Que distância entre a velha “posta” e a expedição de notícias
pelos fios (ou sem eles)!
A vida é isto - mudança, progresso, mas sempre a voz do
passado a ecoar no presente.
Fono, de “phoné”, é som. O som a voar por esses ares vencendo
toda a ligeireza do Mercúrio mitológico!
Se é som (fono) também é postal (fonopostal), e então lá
estamos na velha ideia da “posta” ou muda de cavalos no antigo transporte de
cartas e outra correspondência.
No meio disto tudo, uma coisa me entristece: é lembrar-me de
que o Mercúrio do Olimpo deve de estar a estas horas na situação de reformado
dos correios, muito aborrecido, a bocejar cheio de reumático, e a dizer de si
consigo:
- Bons tempos aqueles em que a “asa” vencia distâncias!
- Mas o meu parente Marte está-me a vingar, pondo a cabeça à
roda aos bípedes implumes com essa misteriosa aldrabice dos “discos voadores”.
E daí, quem sabe… talvez os “discos que voam” sejam CARTAS DE
AMOR do planeta Marte à doidivanas da Terra!
Se assim for…
Talvez “Garcia” possa (ainda) vir a receber a sua carta.
Carlos Fiúza
P. S. Será que o paulatino encerramento de dezenas de “pequenas
estações” não prenuncia já o andar por aí um outro qualquer “DEUS” (não mitológico)
a querer chamar a si a “espinhosa” missão de ser CORREIO?
Nem que, para “correr”,
tenha de montar uma tartaruga?
2 comentários:
"De Macedo de Cavaleiros a Lisboa em três horas menos dez minutos!!!
Já fica dito que pelos anos de 1846 tardava o correio em ir e vir de
Lisboa a Bragança doze dias, o que envolvia já certo progresso, porque anos
antes demorava trinta dias. Com a vinda do comboio em 1906 chegou a
fazer-se esse percurso de ida e volta em três dias. Com a vulgarização dos
automóveis, ainda se fez em menos, e agora em três horas menos dez minutos!!!
O que reservará o futuro aos que viverem?!"
Abade de Baçal 1934
"De Macedo de Cavaleiros a Lisboa em três horas menos dez minutos!!!
e...
O que reservará o futuro aos que viverem?!"
Resposta do presente:
"ficam todos em Lisboa"
cump
mario carvalho
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