17 dezembro 2010

Mude a sua Vida, de comboio… se o tiver. (Daniel Conde)

Mude a sua Vida, de comboio… se o tiver.

Fui confrontado recentemente na blogosfera com fotos de um mesmo cartaz, em duas cidades portuguesas, que são no mínimo insólitas. A ocupar um terço do cartaz, o Alfa Pendular perfila-se numa plataforma, com um passageiro a bordo e uma senhora de costas para o comboio, coroados sob os dizeres “Mude a sua vida, Vá de comboio”. Se as cidades onde as fotos foram tiradas fossem as do Porto e Lisboa, ou por exemplo Braga e Faro, cidades servidas pelo Alfa, ou mesmo por uma qualquer cidade servida por Intercidades, como Guimarães ou a Guarda, o facto passaria despercebido. Só que as cidades visadas foram nada menos que Vila Real e Sines.
Para quem não conheça o legado de Cavaco Silva e Ferreira do Amaral entre 1987 e 1992, um Primeiro-Ministro e outro Ministro dos Transportes, período no qual exterminaram mais de 800Km de vias-férreas em Portugal sob o hipócrita e embusteiro pretexto da falta de rentabilidade, condenando ao agravar do despovoamento regiões como Trás-os-Montes e Alto Douro e o Alentejo, relembro que a 1 de Janeiro de 1990 cessaram os comboios de passageiros entre Vila Real e Chaves (71Km da Linha do Corgo) e entre Ermidas-Sado e Sines (a totalidade do Ramal de Sines). Recentemente, em Março de 2009, a coberto da noite, a CP suspendia o tráfego ferroviário na Linha do Corgo e do Tâmega, ao que se seguiu pouco tempo depois a subtracção da via nestas duas linhas. Mas num gesto de boa fé, alguém na CP decidiu apelar às populações de Sines e de Vila Real para mudarem de vida… viajando no comboio que lhes foi roubado. Bravo. Dá vontade mesmo é de perguntar, se o comboio realmente existisse, e nem é preciso ser o Alfa, basta um moderno serviço Regional, rápido, cómodo e flexível, como estariam hoje Sines e Vila Real, ou Chaves e Bragança, ou mesmo Reguengos de Monsaraz e Moura? Com previsões de aumentar a população residente em 100% como está projectado para Toledo com novos serviços ferroviários a Madrid? Quem sabe…
E agora somos confrontados com 600 postos de trabalho em risco na CP, mais 250 mil euros de honorários a um único consultor especialista para um estudo sobre as ligações urbanas do Porto e de Lisboa, no que se perfila o desmembramento da CP. Pretende-se 15% de cortes nos custos de um funcionamento (e aqui se junta a REFER) alimentado a escândalos de carros novos e vencimentos chorudos, contratos por ajustamento directo escandalosos e obras caríssimas que se afirmaram erros clamorosos ou simplesmente desnecessários, comboios e horários desencontrados, linhas suspensas e o diabo a quatro. Ah, e cartazes a gozarem com populações que perderam o comboio sob a égide destas empresas.
Como se tal fosse pouco, inúmeras linhas do Alentejo vão ser pura e simplesmente descartadas. Pasmo só em continuar a ver que existe um Alfa entre Lisboa e Faro, mas nem sequer um Regional ou Interregional digno desse nome entre Beja e Faro, e que se contempla neste funesto pacote o troço Casa Branca – Évora, alvo de total recuperação há 5 anos! E eu só pergunto, do alto da minha inocência de cidadão perplexo perante esta arruaça, onde os erros se repetem, geralmente vindos dos mesmos personagens e das mesmas políticas, que não deixam o caminho-de-ferro português desenvolver-se de forma madura e sustentável: será que os autores estão entre os 600 a rescindir contrato com a CP? Que prenda de Natal seria para o país ver que quem paga pelos erros são os seus autores, e não os suspeitos do costume. Isso e experimentar entregar a Linha do Tua a uma empresa trasmontana sob a égide da espanhola FEVE. Será que tal como na Linha de la Robla, em 5 anos haveria serviços rápidos de passageiros, comboios de mercadoria e comboios de turismo de longa duração, numa linha que de Lisboa se diz não ter passageiros, ou mercadorias, ou atractividade, ou mesmo valor patrimonial algum?
Soube ainda, e em jeito de finalização, que a FEUP vai apresentar ao IGESPAR uma candidatura da Ponte da Arrábida a Património Nacional. Merecido e inquestionável galardão, que a ninguém obrigará favor algum se for atribuído. Deposito aliás plena confiança na sua atribuição, uma vez que esta obra ímpar de engenharia, projectada e concretizada por portugueses e para a mobilidade dos portugueses, com quase 50 anos, está demasiado longe da barragem da Crestuma-Lever, e não existe nenhuma barragem projectada entre ela e a foz do rio Douro. Menos sorte parece – ênfase em parece – ter a Linha do Tua, obra ímpar de engenharia, projectada e concretizada por portugueses e para a mobilidade dos portugueses, com mais de 120 anos, por se atravessar no caminho da barragem do Tua. De facto, vive-se e sente-se a energia poderosa que uma barragem imprime onde estas se impõem, custe o que custar, doa a quem doer.

PS: Faz hoje 19 anos que encerrou o troço Macedo de Cavaleiros – Bragança, após um descarrilamento. Dez meses depois era o fim do comboio entre Mirandela e Bragança…


Daniel Conde
Mirandela, 17 de Dezembro de 2010.

5 comentários:

Anónimo disse...

Senhor Daniel Conde, eu gostaria de acreditar que os Amigos da linha do Tua, tivessem êxito na luta contra os interesses instalados da EDP e do Estado.Sabe-se que é mínima a produção de energia elétrica, porém há outros argumentos como seja o de reservatório de água. Seja como fôr,infelizmente os nossos políticos não têm força para travar a obra. Os deputados estõ-se nas tintas,os Presidentes dos municipios envolvidos, querem é algo, mesmo que seja uma cenoura,como aquela históriua com um asno, até o Dr. Silvano, que dá a cara em defesa da continuidade da linha do Tua, está resignado.Também penso que é utópico levar a linha do Tua até Puebla de Sanábria, era sim uma enorme obra, que trazia imensos benefícios, lucravam os transmontanos, os espanhois, o turismo, enfim todos, seria meter uma lança em Àfrica, pena é ter tão pouca vida, para apreciar tão bela obra.

Anónimo disse...

Horário de Natal da linha do Tua (muito curioso):
http://www.cp.pt/StaticFiles/CP/Imagens/PDF/Passageiros/Avisos/2010/12/natal_regional/linha_do_tua.pdf

mario carvalho disse...

O tal que estava escondido

http://aiacirca.apambiente.pt/Public/irc/aia/aiapublico/library?l=/recape366_aproveitamento/parecerca_ppa366pdf/_PT_1.0_&a=d


5. CONCLUSÕES
Face ao acima exposto e tendo a CA constatado que embora o presente Projecto
contempla, no geral, as condicionantes, as medidas de minimização e os planos de
recuperação paisagística e monitorização, referidos na DIA, considera-se que o
Projecto de Execução do “Aproveitamento Hidroeléctrico de Foz Tua” não dá
cumprimento integral à DIA, pelo que os aspectos mencionados no presente
parecer deverão ser esclarecidos e justificados.
Estes elementos deverão ser entregues à Autoridade de AIA para apreciação e
aprovação pela CA, nos termos e prazos previstos no presente parecer.
Salienta-se ainda que o proponente terá de informar a Autoridade de AIA do início
da fase de construção, a fim de possibilitar o desempenho das suas competências
na Pós-Avaliação do Projecto.
Os relatórios de acompanhamento ambiental da obra e os relatórios de
monitorização deverão ser entregues à Autoridade de AIA

mario carvalho disse...

BARRAGEM DE FOZ TUA - GOVERNO ADAPTA CALENDÁRIO DA AVALIAÇÃO AMBIENTAL ÀS “ENCOMENDAS” DA EDP
Das declarações e informações prestadas hoje pela Ministra Dulce Pássaro, na Comissão Parlamentar de Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local da Assembleia da República, não restam dúvidas aos “Verdes” que o Governo se estava a preparar para licenciar a Barragem de Foz Tua sem que a DIA (Declaração de Impacte Ambiental) estivesse plenamente cumprida, tal como manda a legislação relativa à Avaliação de Impacte.

Confrontada pelos Verdes, que estiveram na origem desta vinda da responsável pela tutela da pasta do Ambiente e Ordenamento do Território à Assembleia da República, para esclarecer a nebulosidade que tem pairado sobre os procedimentos relativos à avaliação de impacte desta barragem, Dulce Pássaro, ao mesmo tempo que reconheceu que as exigências e determinações da DIA não tinham sido plenamente cumpridas, assumiu que os prazos exigidos pela CA (Comissão de Avaliação) no parecer dado no quadro da Pós-avaliação dos impactes da barragem e do RECAPE (Relatório de Conformidade Ambiental do Projecto de Execução) em Agosto passado, tinham sido renegociados posteriormente a pedido da EDP, admitindo o adiamento de muitos para uma fase posterior ao licenciamento. O que levou “Os Verdes”, através da deputada Heloísa Apolónia, a acusarem o Governo de “amparar” os interesses da EDP e não os das populações e do ambiente e de não respeitar a legislação relativa à Avaliação de Impacte que condiciona o licenciamento ao cumprimento pleno das condicionantes da DIA.

Para “Os Verdes”, que desde o inicio contestaram a construção desta barragem pelos numerosos impactes negativos que esta tem, nomeadamente a submersão da Linha e Vale do Tua e que em Agosto passado denunciaram, não só o facto de a DIA não estar a ser cumprida, como também o facto de o RECAPE tornar visível impactes negativos não estudados e não avaliados e outros negados ou minimizados, como por exemplo os impactos sobre a paisagem do Alto Douro Vinhateiro ou sobre a navegabilidade do Douro, ficou claro que o Governo está pronto a tudo, até a pôr em causa as exigências que tinha imposto à EDP no quadro do concurso público e da DIA, para “proteger” as pretensões e os interesses da EDP, o que levou a Ministra a declarar que “o licenciamento da obra ainda não aconteceu, mas não é nosso papel obstaculizar o promotor”.

Para “Os Verdes”, para quem os interesses da EDP não podem ser confundidos com o interesse nacional e regional, nem com os valores ambientais e culturais, fica claro que esta regateia todas e quaisquer compensações às populações e à região pelos danos causados. Situação para “Os Verdes” visível na recusa assumida pela empresa em construir uma linha ferroviária alternativa à do Tua a pretexto dos altos custos, quando a mesma empresa tem as mãos largas nas despesas que faz em propaganda enganosa, à volta da biodiversidade ou do desenvolvimento.

Neste confronto com o Governo sobre a Barragem do Tua, “Os Verdes” reafirmaram mais uma vez mais a defesa da Linha do Tua e a recusa das soluções apresentadas pela EDP, sejam elas a rodoviária para a mobilidade das populações, como a “dos barquinhos” para os turistas, e condenaram ainda a postura do Governo no ano em que se comemora a biodiversidade.

Daniel Conde disse...

Eheheheh; fui eu quem fez este layout dos Horários da Linha do Tua, que depois enviei para a CP. Só estava longe de sonhar que eles iam adicionar apenas o seu logotipo, sem censurar nada, uau!

Ao senhor Anónimo: acha mais utópico um TGV e uma TTT, a ultrapassarem o milhar de milhão de euros, ou a Linha do Tua a chegar à Sanábria (linha de AV Madrid - Vigo) e ao renovado aeródromo de Bragança (vai receber voos low cost de 200 passageiros por avião), a custar uma centena de milhão?

Se calhar utópico é ver alguns dos autarcas da nossa praça terem ditos cujos para assumirem as suas responsabilidades e uma boa dose de risco calculado, em vez de se dobrarem imediatamente atrás das migalhas que caem da mesa de certos senhores da nossa ínclita capital, só para dali a uns tempos chegarem (novamente) à conclusão que os trasmontanos foram (outra vez) ludibriados que nem o mais embrutecido saloio.

Ver o meu Sporting chegar a campeão da Europa, isso sim é utópico. Ver a Linha do Tua chegar à Sanábria é visionário e progressista, mantendo ambos os pés bem assentes no chão pátrio de Trás-os-Montes e Alto Douro.