30 julho 2008

Carência de médicos (revisto)


A relativa falta de médicos hoje sentida é em grande parte um reflexo da limitação do numerus clausus nas vagas de acesso a medicina, mas também fruto de uma distribuição regional desequilibrada e uma má organização por especialidades.
A aquisição de um curso de medicina (as médias mínimas do secundário estão muito perto dos 19 valores) só está ao alcance dos génios (ou quase) ou daqueles que têm dinheiro para estudar em colégios privados. Quantos jovens com profunda propensão vocacional a ele não pode ascender e outros menos vocacionados, mas com melhores recursos e notas nele ingressam.
O “status” excepcional que os médicos têm no nosso país advém, como é óbvio, do acto que executam, mas também da sua escassez. É claro que a míngua ou fartura projectam ou não a importância da "coisa", pouca oferta e muita procura valorizam o produto. Recorde-se o elevado estatuto social, que os advogados, os engenheiros e os professores tiveram até há bem pouco tempo resultado da sua carência. Depois as instituições de ensino superior "produziram" grande número de licenciados nestas áreas e a abundância provocou a sua desvalorização social. Como exemplo atente-se ao estatuto do advogado, do engenheiro, do professor… de meia-idade face ao estagiário que acabou de sair da universidade.
A obtenção de uma especialidade médica abre caminho a carreiras sustentadas quantas vezes no pressuposto financeiro, que não deixa de ser honesto e legítimo, mas provoca profundos desequilíbrios de especialidades face às necessidades da sociedade portuguesa. Um estudo de 2007 encomendado pelo Ministério da Saúde “destacava sobretudo a falta de médicos de família”, “que tenderá a agravar-se a partir de 2013”, pois 40 por cento dos médicos de família podem reformar-se. As faltas serão também notadas nos ortopedistas e nos ginecologistas. Este facto resultará num claro prejuízo das populações.
A carência prejudica claramente regiões limítrofes, onde, e apesar de várias tentativas, nunca foi possível fixar novos clínicos face a bloqueios corporativistas de classe e a falta de coragem política. Se olharmos para as últimas duas ou três décadas contam-se pelos dedos os médicos formados no país que se fixam no interior e assim uma boa percentagem das necessidades é preenchida por profissionais imigrantes.
O Estado como regulador do sistema de ensino superior tem usado de dois pesos e duas medidas: para determinadas profissões permitiu a permissividade e o exagero desacreditando-as, facilitando a entrada no mercado de trabalho de inúmeros licenciados; para outras continua a proceder segundo pressupostos monopolistas e elitistas, limitando o seu acesso e não permitindo a satisfação das necessidades da procura.
Tal como aconteceu com a criação de profissões autónomas e diversas da área de saúde, como os dentistas, função que também era exercida pelos médicos, os nutricionistas, os psicólogos e outras, bom seria diversificar a carreira médica de base e abri-la de forma regulada ao sector privado. Porque não criar um curso próprio para os médicos de família... autónomo da carreira médica fundamentada numa candidatura também autónoma com uma formação de base sustentada num plano curricular definido e preciso?

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