17 maio 2007

Fotos com legenda

A “malhadeira”, como lhe chamavam , foi uma das máquinas mais deslumbrantes que conheci. Ela faz parte das vivências da minha infância e adolescência e de muitos outros. Veio substituir na eira o trabalho hercúleo da debulha dos cereais, até aí batido com os paus. Todos os meses de Junho, como por encanto, reaparecia nas eiras comunitárias para a última etapa do amanho do cereal e, como magia, separava das espigas douradas o “mais que tudo” grão que guardado nas arcas (fora aquele que rumava ao "celeiro do Grémio" para fazer uns “tostões”) se transformaria em farinha e serviria de sustento alimentar para todo o ano. Dos restos do caule, a palha, se alimentavam e se estrumavam os animais, se enchiam os colchões para aquecer as noites de Inverno...


Era um grande invento recheado de múltiplas rodas dentadas, correias e réguas, caixas e caixinhas, buracos e buraquinhos que enchiam os olhos de toda a curiosidade. Era um regalo ver mais de uma dúzia de pessoas à sua volta com tarefas perfeitamente definidas: o homem que metia nas suas entranhas os “molhos” de trigo ou centeio (a tarefa mais importante); aquele outro que lhos chegava, as mulheres que com braçadeiras de pano recolhiam as palhas que depositavam nos “vancelhos” (a modos de uma corda feita com toda a arte da palha de centeio ou “colmo”) já estendidos que outros homens com todo o desembaraço transformavam em feixes, outras ainda com os engaços recolhiam a que era desfeita pelo rolo veloz e trucidador que separava o grão da espiga, restos estes que se transformavam em "coenhos" muito do agrado dos animais. Não menos importante era o encarregado de cuidar dos sacos, de apertá-los e de impedir que o grão se derramasse, normalmente o dono do cereal. Às crianças estava entregue a tarefa de chegar a água e o vinho, líquidos importantíssimos para apaziguar a sede e o cansaço provocados pelo sol abrasador; também a elas competia o carrego das “fachas” que amontoavam em lugar previamente determinado. A máquina possante funcionava com ajuda de um motor ou do tractor que a ela acoplava com uma enorme correia e, qual organismo vivo, roncava de modo quase ensurdecedor e, por vezes, queixava-se das maiores entradas de cereal no seu ventre. No final estendia-se a toalha e das canastras saía o pão e o peguilho que, para além do queijo e do presunto, incluía quase sempre a ovelha ou cabra guisada que se comia sofregamente com grandes talhadas de pão bem regadas com o vinho da pipa. Era este um trabalho heróico e quase sobre-humano que o tempo, tal como o engenho, há-de apagar, pois somos uma comunidade sem instrumentos para preservação da memória colectiva.

Um misto de melancolia, saudade e até arrepio ao ver esta debulhadora, que o tempo, como dissemos, há-de consumir ali para os lados das Areias.

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