23 março 2007

Professores, militares e cartões de gasolineiras

A propósito do novo estatuto da carreira docente e, particularmente, da avaliação de desempenho, os professores foram comparados aos militares pelo senhor primeiro-ministro com o pressuposto de que “nem todos podem ser generais”. Há quem defenda que a escola do ponto de vista de organização decalcou o modelo nos exércitos clássicos. As escolas são dirigidas por um presidente do conselho executivo, o director executivo ou um reitor que tem o seu paralelo no comandante do quartel; é coadjuvado por um conjunto de pessoas, o conselho pedagógico, que hão-de equivaler aos oficiais; as várias áreas de estudo são supervisionadas e organizadas por diferentes coordenadores que agora formarão uma nova casta, os professores titulares, e serão os sargentos; no fundo da pirâmide estão os outros professores que na nossa comparação marcial equivalem aos soldados. A analogia militar do nosso primeiro-ministro não é ingénua e funcionou como mensagem subliminar economicista para estratificar a profissão docente e impedir que todos possam aceder ao topo da carreira agravando o acesso com o estabelecimento de quotas.

A argumentação subjacente a toda esta reestruturação é a de que é necessário valorizar “o mérito” dos professores e que distinga aqueles que mais se empenham. Uma grande falácia. O que se pretende é que só uma pequena minoria possa ascender ao topo da carreira e esta não será necessariamente o grupo dos mais competentes do ponto de vista pedagógico ou o possuidor de práticas mais inovadoras na sua praxis, mas sim o que mais cargos ou formação de base administrativa foi granjeando. Tudo isto para facilitar à administração escolar um melhor controlo disciplinar e organizativo.

Para ascender à categoria de professor titular, o putativo candidato deverá acumular um conjunto de pontos, tal como se tivesse um cartão de uma gasolineira, ter uma idade mínima, nunca inferior a quarenta anos. O que se quer não é tão pouco premiar os docentes que se entregam de corpo e alma à sua condição de pedagogo, educador e potenciador de aprendizagens, o importante será o de controlo da instituição, tal qual o papel do graduado militar.

A estrutura militar aplicada à escola é demasiado minimalista e não responde à complexidade da escola dos nossos dias. Esta estratificação da classe docente trará consequências graves no futuro do funcionamento da escola. E isto porque haverá uma progressiva desresponsabilização dos vários actores nos estabelecimentos de ensino, pois muitos terão a impossibilidade prática de ascender na carreira e se sentirão injustiçados. Outros ainda se verão com responsabilidades para as quais não tiveram a devida formação, ou a acumulação de funções administrativas os desviarão de um trabalho mais profícuo com os seus discentes.

Para além de uma envolvência individual e pessoal, o exercício da função pressupõe uma actuação colectiva, contratualizada em que o trabalho de grupo é muito importante para a obtenção de resultados no sucesso educativo dos formandos. As consequências desta estratificação militar e em pirâmide ainda estão pouco definidas, espera-se que não tragam malefícios irremediáveis.

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