Confesso que é uma problemática que me seduz. E seduz-me porque é importante saber distinguir uma sociedade urbana de uma sociedade rural e se é possível (e desejável) manter a especificidade de cada uma ou se ambas caminham para uma mesma realidade. E, a manterem-se distintas, como devem ambas caminhar, de molde a que a distinção se mantenha, partindo do pressuposto que nenhuma sociedade pode ficar parada, imóvel, indiferente ao decurso do tempo e ao avanço da tecnologia.
Houve um tempo (há bem pouco, aliás) em que as duas realidades eram bem diferentes:
Houve um tempo (há bem pouco, aliás) em que as duas realidades eram bem diferentes:
- numa, a rústica, vivia-se sobretudo do amanho da terra através da força braçal e para cultivo dos bens estritamente indispensáveis à manutenção dos pequenos aglomerados rurais. Havia um espírito elevado de entreajuda que permitia às pessoas sobrevierem nas condições precárias em que viviam;
- na outra, a urbana, o trabalho centrava-se em especial nas fábricas e nos serviços, com cujo rendimento se adquiriam os bens necessários ao dia a dia.
No campo, chamemos-lhe assim, as pessoas lidavam facilmente umas com as outras e, quase em pé de igualdade, com os animais domésticos. A familiaridade e carência de meios eram tão grandes que não havia cuidado algum especial na higiene e no vestir: - as pessoas não tinham pejo em não apresentar-se umas perante as outras de modo limpo e aprumado.
Na cidade, não era assim: - as pessoas quando saíam à rua cuidavam de aparecer apresentáveis. As casas tinham já um mínimo de apetrechos que permitiam um relacionamento mais formal.
A informalidade era própria do campo. A formalidade da cidade.
Os diferentes tipos de trabalho permitiam rendimentos diferentes, em geral, superiores na cidade.
A vida nas cidades foi evoluindo para um cada vez maior aprofundamento das suas características.
A vida no campo, pelo contrário, desmoronou-se, esboroou-se, em consequência das vicissitudes por que passou: a emigração e a consequente desertificação, aliada à não modernização não tanto dos instrumentos de trabalho mas sim das estruturas fundiárias.
O problema que se põe actualmente é se é possível ou não operar-se a mudança necessária mantendo algumas das características do viver rural: a familiaridade e entreajuda, por exemplo.
Para isso só existe uma saída, parece-me: - a associação de agricultores (sob a forma cooperativa ou societária).
A isto não ser feito, resta então como forma de aglutinação dos terrenos a compra dos vários prédios contíguos por um qualquer empresário (local ou não).
A primeira solução (a mais desejável pois o comando da agricultura continuaria nas mãos dos habitantes locais) é muito difícil dadas a idade média dos proprietários e a falta de perspectivas. As pessoas, em vez de pugnarem pelo advento da mudança, lutam precisamente contra ela e querem que o papel intermediário e complementar de dinamização que lhes compete seja exercido pelo Estado, como se este pudesse substituir-se ao trabalho e interesse das populações. Apesar de tudo, as pessoas ainda acreditam nos poderes mágicos da máquina estatal e não temem e até toleram algo de péssimo que a ela anda ligado: a burocracia.
Tudo o que vai além de uma certa rotina, em vez de ser o resultado de acção própria, seria o resultado da acção milagrosa do aparelho estatal. Ora este é formado por vários elementos que tratam de corporativamente assegurar as suas posições e de montar estruturas pessoais paralelas que vivam à custa da incapacidade de quem apenas pensa em ser protegido (como quem quer ser protegido por Deus e pelos santos, em vez de pelas próprias forças).
A aglutinação dos terrenos por um pequeno número de empresários irá trazer provavelmente maior eficiência à agricultura mas transformá-la-á numa actividade em tudo semelhante aos sectores secundário e terciário.
A proletarização dos camponeses será a consequência inevitável.
E o que restará, afinal, a fazer a diferença entre o rural e o urbano? – Muito simples: - a paisagem. No campo, continuaremos a ter vistas largas no horizonte, desprovido de grandes concentrações de casas. – Na cidade, teremos precisamente o contrário: - casas, casas e mais casas e pouco mais. – Tudo o resto será semelhante entre o rural e o urbano: - a vivência humana e os instrumentos de trabalho.
O rural terá alguns elementos urbanos: - as infra-estruturas em sítios localizados que permitam uma educação e formas de vida modernas e, disseminadas, moradias com todos os apetrechos hodiernos.
O urbano procurará contrabalançar o cimento com alguns parques e jardins.
A diferença final: - a paisagem, portanto.
João Lopes de Matos
No campo, chamemos-lhe assim, as pessoas lidavam facilmente umas com as outras e, quase em pé de igualdade, com os animais domésticos. A familiaridade e carência de meios eram tão grandes que não havia cuidado algum especial na higiene e no vestir: - as pessoas não tinham pejo em não apresentar-se umas perante as outras de modo limpo e aprumado.
Na cidade, não era assim: - as pessoas quando saíam à rua cuidavam de aparecer apresentáveis. As casas tinham já um mínimo de apetrechos que permitiam um relacionamento mais formal.
A informalidade era própria do campo. A formalidade da cidade.
Os diferentes tipos de trabalho permitiam rendimentos diferentes, em geral, superiores na cidade.
A vida nas cidades foi evoluindo para um cada vez maior aprofundamento das suas características.
A vida no campo, pelo contrário, desmoronou-se, esboroou-se, em consequência das vicissitudes por que passou: a emigração e a consequente desertificação, aliada à não modernização não tanto dos instrumentos de trabalho mas sim das estruturas fundiárias.
O problema que se põe actualmente é se é possível ou não operar-se a mudança necessária mantendo algumas das características do viver rural: a familiaridade e entreajuda, por exemplo.
Para isso só existe uma saída, parece-me: - a associação de agricultores (sob a forma cooperativa ou societária).
A isto não ser feito, resta então como forma de aglutinação dos terrenos a compra dos vários prédios contíguos por um qualquer empresário (local ou não).
A primeira solução (a mais desejável pois o comando da agricultura continuaria nas mãos dos habitantes locais) é muito difícil dadas a idade média dos proprietários e a falta de perspectivas. As pessoas, em vez de pugnarem pelo advento da mudança, lutam precisamente contra ela e querem que o papel intermediário e complementar de dinamização que lhes compete seja exercido pelo Estado, como se este pudesse substituir-se ao trabalho e interesse das populações. Apesar de tudo, as pessoas ainda acreditam nos poderes mágicos da máquina estatal e não temem e até toleram algo de péssimo que a ela anda ligado: a burocracia.
Tudo o que vai além de uma certa rotina, em vez de ser o resultado de acção própria, seria o resultado da acção milagrosa do aparelho estatal. Ora este é formado por vários elementos que tratam de corporativamente assegurar as suas posições e de montar estruturas pessoais paralelas que vivam à custa da incapacidade de quem apenas pensa em ser protegido (como quem quer ser protegido por Deus e pelos santos, em vez de pelas próprias forças).
A aglutinação dos terrenos por um pequeno número de empresários irá trazer provavelmente maior eficiência à agricultura mas transformá-la-á numa actividade em tudo semelhante aos sectores secundário e terciário.
A proletarização dos camponeses será a consequência inevitável.
E o que restará, afinal, a fazer a diferença entre o rural e o urbano? – Muito simples: - a paisagem. No campo, continuaremos a ter vistas largas no horizonte, desprovido de grandes concentrações de casas. – Na cidade, teremos precisamente o contrário: - casas, casas e mais casas e pouco mais. – Tudo o resto será semelhante entre o rural e o urbano: - a vivência humana e os instrumentos de trabalho.
O rural terá alguns elementos urbanos: - as infra-estruturas em sítios localizados que permitam uma educação e formas de vida modernas e, disseminadas, moradias com todos os apetrechos hodiernos.
O urbano procurará contrabalançar o cimento com alguns parques e jardins.
A diferença final: - a paisagem, portanto.
João Lopes de Matos
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