07 dezembro 2006

Portugal sentado

Em Portugal, por tudo e por nada, faz-se uma reunião. Pior: fazem-se reuniões para decidir o que fazer na próxima reunião. E assim por diante. Talvez seja por isso que as decisões e as mudanças tardem. É difícil encontrar alguém disponível entre reuniões.
(...) dois terços das reuniões não começam à hora marcada. Para isso contribuiu, certamente, o facto dos portugueses não serem pontuais. O que se compreende. Para os portugueses já basta chegar ao sofá ou ao estádio a horas. Era o que faltava preocuparem-se com isso no resto da semana.
Mas voltemos às reuniões...
O estudo revela que metade das reuniões – mesmo as que começam a horas, presume-se – não servem para nada. A outra metade não possui sequer uma agenda de trabalhos distribuída previamente, o que na gíria dá azo a intermináveis discussões sobre o assunto predilecto dos unidos às reuniões: o sexo dos anjos.
(...)
quase metade das reuniões com agenda prévia, não cumprem... a agenda. O que, sendo um convite à criatividade – fala-se de tudo e de nada – deixa para a próxima reunião a agenda da primeira reunião.
Nem sempre foi assim, claro.
Imagine-se o que seria de nós e da nossa História se ao longo dos séculos tivéssemos reunido mais e decidido menos. É verdade que Colombo não chamaria índios aos índios se tivesse feito uma reunião antes de partir. Mas Vasco da Gama chegou à Índia, dobrando tormentas e sem qualquer relatório de um grupo de estudos. O 25 de Abril fez-se. E para isso, obviamente, fizeram-se reuniões. Mas ninguém encomendou um estudo de viabilidade económica para saber se a revolução ficava mais em conta. Como o fascismo decidia por livre e espontânea vontade do velho de Santa Comba, os governos democráticos criaram o hábito de reunir por tudo e por nada. Multiplicaram-se os grupos de pesquisa, de aconselhamento, de estudos, de reflexão, de crise. Nisso, Guterres foi o maior. E Santana, um desastre. O primeiro fazia do diálogo uma beatice ecuménica. O segundo não chegaria a horas nem ao seu próprio enterro, a menos que fosse no Lux.
Em Portugal, de resto, instituiu-se o hábito de pagar senhas de presença a iluminados e figuras quase divinizadas, vulgarmente conhecidos por «especialistas», a quem se encomendam decisões sobre matérias que os governos foram eleitos para... decidir. Nas empresas, o caso não muda de figura. Neste preciso momento em que escrevo, 83567 gestores estão certamente em reunião e outros 78657 mandam dizer que estão porque não querem atender a mulher. No fundo, estamos todos em reunião. Uns mais, outros menos. Conforme as necessidades.
Nos governos, nas empresas, anda, pois, a perder-se muito tempo com reuniões e a decidir pouco. Dou um exemplo: há anos, muitos anos, que ouço os empresários dizer que Portugal precisa de reformas e os governos a dizer que estão a prepará-las. Tantas reuniões depois e ninguém percebeu ainda de que reformas falam uns e outros e, já agora, a razão pela qual não foram feitas.
No fundo, Portugal gosta de se reunir. Sentar à mesa, mexer o café, perguntar pela prima, saber como correu o fim-de-semana e onde vão ser as próximas férias. Pelo meio, os homens discutem o penalty e as mulheres falam do ginásio ou da última plástica. Nisto, já foi meia-hora. Como a reunião não começou a horas nem tem agenda, define-se nesta reunião a agenda da próxima, a tal onde, finalmente já com a agenda diante dos olhos, iremos decidir o que, da agenda, pode e deve ser discutido na próxima reunião.
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Miguel Carvalho, Visão

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