04 fevereiro 2006

Chegou o desmancha-prazeres


Quer queiramos quer não, há sempre um gosto burguês em cada um de nós.
Muitas vezes é esse gosto que, por ser difícil de atingir, constitui a principal razão porque corremos a vida inteira à sua procura, até que por fim chega a morte.
Poderá ser um gosto burguês o desejo de alcançar o Céu!
Tal como o Céu nos é descrito, este será um lugar de paz, bem-estar e prazer (entenda-se - não sofrimento). É pois justo para quem não atinge este desiderato em vida, acreditar na hipótese de o conseguir, depois da morte.
Estou em crer que, se este desejo não existisse a vida, seria para muitos impossível. Entre esses muitos estariam com certeza uma grande maioria dos meus conterrâneos, aquela população silenciosa que sempre trabalhou de sol a sol e que nunca passou de uma vida de miséria e desolação. Esses, que suportam os Invernos gemendo e chorando, que pariram com dor, que viram morrerem filhos de doenças curáveis, que suportam a ausência dos vivos fugidos da miséria e da estagnação.
Poderá perguntar-se se esta vida poderia ter sido diferente! Poderá perguntar-se se teriam merecido outra compensação pelo esforço devotado ao trabalho e à procriação!
Eu considero que sim. Acredito mesmo que teriam merecido o direito a pelo menos um vício burguês. Por exemplo o vício de ter tempo para sonhar.

Hélder Carvalho

2 comentários:

Hélder Rodrigues disse...

Amigo Hélder Carvalho


Se me permite, eu trocaria o "gosto burguês" pelo seu morfema hiperónimo FELICIDADE. Esta sim, é que se procura nos sonhos de cada um de nós!
Esses "seus conterrâneos", na sua esmagadora maioria, é que julgam encontrá-la no céu (qual céu?!) depois de uma vida inteira de silêncios e de trabalho insano. Mas isso é fruto da ignorância com que a iliteracia crónica, provocada por séculos de obscurantismo,os esmagou desde muito cedo!
Claro que essas vidas poderiam ter sido diferentes e que mereceriam a felicidade como compensação "pelo esforço devotado ao trabalho e à procriação". Tinham, sim, todo o direito a uma existência feliz, mesmo através do sonho que, para mim, não é um "vício"; antes, talvez, uma dor que morde naqueles tais silêncios de uma vida inteira, sem se atingir aquilo que mais se deseja: Felicidade!
Só não entendo muito bem, é porque o H.C. se há-de considerar um "desmancha-prazeres" por nos trazer esta reflexão tão oportuna!

Um abraço amigo.

Mota

Hélder Rodrigues disse...

Caro "Zero Amarelo":
É para mim um prazer, saber que o faço ir ao dicionário, de cada vez que tem a amabilidade de me ler. Creia, no entanto, que não o faço de propósito, nem sequer, por erudição exibicionista. Quando escrevo, principalmente num espaço como este, é ao correr da "pena" e não estou a reparar em pormenores.
Agradeço-lhe,pois, a chamada de atenção no campo da Linguagem, no que ao capítulo dos Morfemas diz respeito.
Mas já que tocou no assunto, e, não obstante reconhecer-lhe razão quanto à (de)composição da palavra felicidade, deixe-me acrescentar que essa definição do conceito de morfema é a mais simplista que temos, já que V. se limitou a aludir à prefixação e à sufixação da palavra composta por aglutinação.
Se quiser ter a maçada de consultar Victória Fromkim e Robert Rodman, grandes expoentes na matéria,na sua obra "Introdução à Linguagem" (da Almedina), poderá verificar que existem duas classes gerais de morfemas: os "morfemas presos" e os "morfemas livres". Os primeiros, não podem ocorrer "desligados" da palavra composta por aglutinação (como é o caso de felicidade), distinguindo-se assim, dos morf. livres que podem separar-se por unidades mínimas como o fez, e bem, o Zero Amarelo.
Deste modo, e para não ir mais longe, que o sítio não é o mais apropriado, e à laia de conclusão, poderemos definir Morfema, "como sendo o elemento básico do significado específico que não pode ser analisado em elementos mais simples..." (idem, pág.125)
Ainda citando os mesmos autores, textualmente: "(...)tal como parece haver alguns morfemas que apenas ocorrem numa palavra, isto é, combinados com outro morfema, outros morfemas há que ocorrem em muitas palavras, combinando-se vários morfemas(...)".
Espero, assim, contribuir para que o amigo fique um pouco mais esclarecido sobre os (vários) conceitos de Morfema. De qualquer modo, reitero os meus agradecimentos pela atenção que me dispensou.
Cumprimentos.

Mota