22 setembro 2005

Os ovos e os cestos

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Para acalmar a esquerda, Cavaco Silva publicou recentemente no Expresso um artigo onde recusa o desejo de “presidencializar” o regime.
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No fundo, o que Cavaco diz é que não é preciso mudar quase nada, e que basta ele estar na presidência para uma certa ordem regressar, e a economia entrar nos eixos.
Curiosamente, não parece ser esse o desejo dos portugueses. Segundo uma recente sondagem do Público, eles anseiam por um presidente muito mais interveniente.
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Na verdade, os portugueses têm todas as razões para estarem desiludidos com os seus últimos primeiro-ministros. Depois de dois mandatos, e ao contrário de Felipe Gonzalez, que esteve três mandatos no cargo, Cavaco Silva inventou um “tabu” e fartou-se. Anos depois, foi Guterres que se pôs ao fresco. Pouco tempo mais tarde, Durão Barroso ejectou-se a caminho da Comissão Europeia, obrigando o país, Sampaio e o PSD, a engolirem a contragosto Santana Lopes. Como era óbvio, a coisa não durou. Chegou então Sócrates. Que, como antes Barroso, se descredibilizou, pois fez o que prometera não fazer, subindo os impostos.
Com tal historial, é natural que os portugueses desconfiem dos primeiro-ministros e depositem imensas expectativas na presidência da República.
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30 anos depois, já era tempo de Portugal perceber que este regime está esgotado. (...) já não serve o propósito do presente, o de governar eficazmente a democracia.
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A pior situação é a de ter muito poder e pouca responsabilidade, como acontece com o presidente da República em Portugal. É eleito por sufrágio directo, mas só usa o poder em casos extremos, de dissolução ou demissão do governo. Isto gera uma enorme preversidade institucional, pois divide o poder em demasia, mas não divide as responsabilidades.
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Ganhe Cavaco ou ganhe Soares, o regime continuará a produzir barulho, conflito ou mal estar. Ou seja, não garante um bom governo, e só debilita os primeiros-ministros.
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o novo presidente chegará a Belém, rodeado de inteligentíssimos acessores, e intervirá quando lhe apetecer, provocará os conflitos que lhe apetecer, e servirá de contrapeso ou moralista quando lhe apetecer.
Não interessa pois o exercício que entretém as especulações de muitos, tentanto adivinhar quem será melhor para Sócrates, se Soares se Cavaco. Na prática, as coisas não serão muito diferentes. Como o presidente nunca será responsabilizado pelos erros da governação, o regime continuará igual, a apodrecer lentamente. E o país será o mesmo: cada vez mais difícil de governar. Com os ovos no mesmo cesto ou em cestos diferentes, lá continuaremos em alegre barafunda, resvalando aos berros pela ladeira
Domingos Amaral in Jornal Económico

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