16 fevereiro 2007

Os submissos

«(...) no geral, os cidadãos nacionais gostam de entregar o destino das suas opções nas mãos de outros, demitem-se das suas responsabilidades, não fiscalizam os eleitos e mantêm traços bem vincados de submissão.
Ou seja, os portugueses não têm consciência dos seus direitos e deveres, sentem-se confortáveis por saber que alguém manda e nisso não disfarçam a velha mentalidade salazarenta. Com um povo assim, muito dado à má-língua entre um penalty duvidoso e a lamechice de telenovela, é natural que os mandatários se abstenham de prestar contas e facilmente assumam tiques de... mandantes.
Recordei-me destas ideias quando olhei os números da participação no referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez. Sejamos claros: um povo que, na sua maioria, se demite de exercer os seus direitos – e numa matéria tão importante como o aborto – é um povo submisso, entregue à vidinha e pouco dado a sobressaltos cívicos. E isso, além de trágico, continua a ser perigoso.
(...)
O que verdadeiramente inquieta é o que este referendo esconde: um Portugal de antanho, sem opinião ou entregue à preguiça de dá-la, demasiado atarefado com a soleira da porta ou a ganhar calos de sofá.
Este Portugal calaceiro, atávico, medalhado no queixume e na lamúria, podia ser um País de comédia, uma espécie de enclave anedótico e provinciano para o qual a esmagadora massa de cidadãos olharia de quando em vez para se lembrar do País que não quer. Mas não. Esse Portugal miudinho, tão afoito na corrida à maledicência e ao desprezo, é a nossa maior tragédia. Ao mesmo tempo que «elege», sem sair do sofá, um Salazar de concurso televisivo «para pôr ordem nisto», não descalça as pantufas para ver a revolução passar à porta.
Este Portugalzinho está aí, pelos vistos para durar. E com grande audiência. Pena que o outro País, o daqueles que, bem ou mal, votam, escolhem e questionam, não possa mudar de canal. E tenha de tomar decisões andando à chuva. E molhando-se.»
Miguel Carvalho, Visão

2 comentários:

sentir-ansiaes disse...

Afinal a piscina aquecida de carrazeda já abriu.
Mas parece que foi apenas para mergulhos privados de alguns VIP's...

Unknown disse...

Concordo com tudo o que foi escrito. Não me surpreende que houvesse fraca participação no referendo do aborto, pois semore que o povo transmontano vai às urnas da votação,demonstra que continua submisso aos caciques do fascismo que ainda proliferam por essa terra tão linda, onde eu nasci.
Orgulhe-me de ser transmontana e não o escondo em qualquer suituação. Só não me orgulho das mentalidades que teimam em não evoluir e que se deixam submeter àqules que os querem aniquilar.
Está na hora de dar o grito da liberdade.
Coragem transmontanos!